No Brasil, apenas cinco cidades não têm sinal de celular. No Pará, a recém-conectada Belterra é exemplo de como a modernidade muda rapidamente e para muito melhor – a vida no interior do país.
A samaumeira é uma das mais imponentes árvores da Amazônia. Com seus 50 metros de altura, ela tem o apelido de “celular da floresta”. Os índios batiam com porretes em seu tronco, cuja circunferência pode ser abraçada por até dez homens, para produzir sons e, assim, enviar mensagens pela floresta. Em Belterra, no Pará, essas árvores foram também um importante meio de comunicação para os seringueiros que se instalaram na região, atraídos pelos projetos de produção de látex em escala industrial empreendidos por Henry Ford, no início do século passado. Setenta e cinco anos depois, os celulares – desta vez os de verdade – impulsionam uma revolução social e econômica na cidade. Há dois anos, a localidade de 16000 habitantes ganhou uma torre de telefonia celular 3G. Mas o isolamento parece pertencer ao passado remoto. Hoje, 75% dos moradores têm celular e mais da metade destes usa seu aparelho para conectar-se à internet.
Desde então, as malhas de náilon não são a única rede fundamental para o trabalho dos pescadores locais. Todos os dias, antes de lançar suas canoas no Rio Tapajós, eles verificam o nível da bateria de seus celulares. São os telefones 3G, que emitem informações para saber onde estão os cardumes. “Ninguém mais pesca por aqui sem o celular”, diz Marlisson Colares, de 32 anos. Depois da chegada da tecnologia, ele passou a retirar do rio uma média de 40 quilos de peixe por semana, mais que o dobro dos tempos em que pescava sem a ajuda da telefonia móvel. Colares e os demais pescadores conseguem comunicar-se na vastidão do rio graças a um fenômeno que amplia a área de cobertura das duas antenas instaladas na região. O Rio Tapajós e seus afluentes funcionam como um “espelho” que multiplica o alcance do sinal, levando-o para locais ainda mais distantes. Com isso, a rede 3G cobre uma área de 2000 quilômetros quadrados, superior à da cidade de São Paulo.
Uma pesquisa das Faculdades Integradas do Tapajós revelou que, depois da instalação da antena em Belterra, o comércio local cresceu 75%, graças à possibilidade de usar as máquinas para pagamento com cartões de crédito e débito automático. Além disso, as pessoas começaram a utilizar o comércio eletrônico para adquirir bens e abastecer suas lojas. Até os mascates, ainda comuns na região, aceitam cartões. A revendedora de roupas Raimunda Costa, de 52 anos, comemora: “Entrego o produto em casa e ainda levo a máquina, para o cliente pagar na hora”. Como não poderia deixar de ser, a conexão com o mundo aumentou o interesse dos habitantes de Belterra por informação. De acordo com um levantamento da Universidade Federal do Pará, 66% dos moradores da cidade usam a internet para ampliar seus conhecimentos, e 21 % já fizeram algum tipo de curso virtual. Raiane dos Santos, de 18 anos, aluna do último ano do ensino médio, usa o computador para aprofundar-se nos conteúdos ministrados em sala de aula. “Fiz o download de vários simulados, a fim de me preparar melhor para o vestibular”, diz Raiane.
A ciência também se beneficiou da cobertura da telefonia celular. Os pesquisadores do Instituto Butantan, com sede em São Paulo visitam Belterra duas vezes por ano, para coletar amostras e investigar os animais peçonhentos de seus arredores. Até 2009, eles precisavam voltar a São Paulo para poder comparar o material coletado com o acervo disponível na sede do instituto ou nos bancos de dados on-line. De dois anos para cá, os cientistas conseguem conectar seus computadores e acessar a internet do interior da floresta. “O trabalho rende mais, porque consultamos nossa base de dados em tempo real ou até mesmo para fazer uma chamada de vídeo a outro cientista em qualquer parte do planeta”, afirma o coordenador geral do projeto, Giuseppe Puono. Mesmo quem não tem computador em casa não fica off-line. Prosperam em Belterra lan houses com 3G. Uma das mais movimentadas foi montada há dois anos por Valquiria Schaffner, de 23 anos. Ela paga 190 reais por mês à operadora, para oferecer internet banda larga nos sete computadores de sua loja. Cobra 2 reais a hora e fatura 1700 reais por mês. Na margem oposta do rio, no povoado de Suruacá, já no município de Santarém, os 480 moradores receberam no ano passado uma antena do serviço de 3G. Os professores fazem pesquisas pela internet, para aperfeiçoar as aulas e os idosos lançam mão do celular para falar com filhos que se mudaram para a cidade grande. Mas a principal mudança que se deu no povoado foi no setor de saúde. Não é mais necessário cruzar 70 quilômetros de barco e carro para buscar socorro. Basta uma ligação. No mês passado, Martinha Bentes, de 76 anos, feriu a cabeça depois de uma queda. Enquanto ela ainda estava a caminho da consulta, o médico ensinou, pelo telefone, como o neto de Maninha deveria proceder para estancar o sangue. “Salvaram minha vida pelo celular”, diz ela.
A inclusão digital é uma expressão feia para um fato extraordinário. Em 2007, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) fez um leilão de freqüências 3G. No edital, as operadoras tinham dois anos para levar a telefonia móvel, mesmo que 2G, a 25% das cidades não contempladas pelo serviço. Na ocasião, 1836 municípios brasileiros não eram atendidos por esse tipo de comunicação. Nos últimos quatro anos, foram fincadas 16200 antenas pelo país e o número de linhas passou de 114 milhões para 231 milhões. Apenas cinco cidades permanecem fora desse admirável mundo novo. Três delas estão no Paraná: Antônio Olinto, Paula Freitas e Paulo Frontin. As outras duas são nordestinas: a piauiense Cristino Castro e a potiguar Grossos. Na paranaense Antônio Olinto, a professora Sônia Souza só se comunica com os familiares de municípios vizinhos pessoalmente. “Celular é enfeite por aqui”, diz. Em Cristino Castro, no Piauí, é a mesma coisa. O vigilante Dionísio Honório espera ansioso pela chegada do serviço: “Vou comprar logo três aparelhos. Quero que todos em casa tenham um celular”. A Anatel estabeleceu que até o fim do ano essas cidades deverão ser atendidas.
Desde 2007, as companhias telefônicas aumentaram seus investimentos em áreas remotas, em especial na Região Norte. Para se ter um ideia, o número de linhas de celular nos estados amazônicos cresceu 153% no período. O presidente da Telefônica no Brasil, Antonio Carlos Valente, diz que, para a empresa, o investimento em localidades afastadas dos grandes centros é prioritário. “Levar internet e telefone móveis a lugares afastados é economicamente viável e fundamental para qualquer empresa do ponto de vista estratégico, porque o cliente não esquece quem rompeu seu isolamento.”
Fonte: Veja
1 comentário em “O fim do isolamento”
Fala Zé! Escrevi um email pra VEJA sobre esta reportagem. Pra mim, isto é uma propaganda das operadoras pra desviar a fiscalização da ANATEL! Na verdade, o serviço 3G é uma vergonha em todo país! Duvido que seja diferente em Belterra! Conectar-se é uma coisa. Navegar com rapidez é outra! Ter um celular é fácil! Conseguir ligar é outra coisa! Se Belterra está tão bem assim de internet e serviços telefônicos, parafraseio Bandeira: “Vou-me embora pra Belterra, lá eu sou amigo do rei. Lá eu tenho a internet que quero, com a operadora que escolherei!”