Por Val-André Mutran – de Brasília
A má gestão pública (municipal, estadual e federal), projetos deficientes e interrupção do fluxo financeiro são três das principais causas que empurraram o Brasil para as últimas posições do ranking que avalia se os países são eficientes, promissores e atrativos. O cenário de desperdício no Brasil, ao que até agora se sabe, soma um gasto de R$ 144 bilhões de recursos federais em 14 mil obras, todas paralisadas. É, com folga, um valor muito superior ao déficit da Previdência Social, que se não equacionado, levará o Brasil à falência.
A paralisação dessas obras ajuda a explicar alguns dos motivos da estagnação econômica, atividade industrial em baixa, desemprego em alta, redução de investimentos privados, desânimo de empreendedores, juros altos, insegurança jurídica e descrédito dos governos nas três esferas do poder: municipal, estadual e federal. E quem paga a conta é o contribuinte brasileiro. Mas o sofrimento maior é o da parcela de baixa renda, embora o andar de cima não esteja otimista com o futuro, a continuar o atual cenário.
“A falta de planejamento, de metodologia e ferramentas de administração modernas é, sem dúvida, uma praga na lavoura do Estado brasileiro. O Governo Federal não tem um mecanismo de acompanhamento e monitoramento das obras no Brasil, portanto, não há informações da quantidade exata de empreendimentos parados. Esse quadro prejudica a prestação de serviços de qualidade à sociedade e resulta na ineficiência da aplicação de recursos públicos,” disse nesta quarta-feira (16), em entrevista exclusiva ao Blog do Zé Dudu, o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), primeiro coordenador e atual relator da Comissão Externa destinada a acompanhar e monitorar a Conclusão das Obras Públicas paralisadas e inacabadas no país (CEXOBRAS), na Câmara dos Deputados, um dia após o lançamento do livro “Obras Paradas: Entrave para o Desenvolvimento do Brasil”, em concorrida cerimônia no Salão Verde da Casa, com direito a autógrafos do autor.
Caixa de Pandora
A saga para abrir essa caixa de pandora teve início após a criação da comissão externa por Ato da Presidência da Câmara dos Deputados, em 1° de março de 2016 — portanto, na legislatura passada. Embora o colegiado não seja permanente, não tem data para ser dissolvido; este é composto por 17 deputados, um presidente e um relator. Lamentavelmente, nenhum deputado federal da bancada paraense é membro da comissão, mesmo o estado sendo detentor de centenas de obras importantíssimas que se encontram paralisadas – algumas delas há mais de três décadas, como é o caso das rodovias federais BRs 230 e 163 que cortam o Pará de Leste a Oeste e de Sul a Norte. Duas obras cruciais para o desenvolvimento do estado, que só há alguns meses foram retomadas pelo atual governo, em cumprimento a uma promessa de campanha do então candidato Jair Bolsonaro.
De acordo com o deputado Zé Silva, a comissão externa priorizou o foco do trabalho em cinco objetivos concretos:
- Identificar e catalogar as obras paradas;
- Criar um sistema de cadastro único de obras;
- Identificar os motivos que levaram à paralisação do empreendimento;
- Identificar as boas práticas e as ruins para, a partir desses levantamentos, elaborar um guia e disponibilizá-lo ao poder público como ferramenta de gestão;
- Promover uma revisão do arcabouço legal da legislação brasileira, principalmente para resolver esse descasamento entre o orçamento e o planejamento.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), em 2018 foram identificadas 14.403 obras paradas em todo o país. Nelas, já foram gastos R$ 70 bilhões, mas ainda seriam necessários mais R$ 40 bilhões para finalizá-las. Todo o Orçamento de Infraestrutura para este ano é de R$ 24 bilhões; em 2020 serão apenas R$ 19 bilhões.
“Ninguém sabia quantas obras paradas existiam no Brasil quando começamos a comissão externa em 2016,” observou Zé Silva. Diferentes estimativas foram dadas ao longo do trabalho da comissão. “Falou-se em 2 mil, 7 mil e depois 14,4 mil. Mas trata-se de uma estimativa [do TCU],” disse.
Segundo Zé Silva, desde a criação da comissão externa, os membros do colegiado promoveram debates e audiências públicas, assim como visitas às obras paradas. “Também estudamos acórdão do TCU e outros documentos de variados órgãos federais,” explicou.
- Órgãos Públicos – Acompanhamento de Obras – TCU da Caixa Econômica Federal (CEF) – abril/2018;
- Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação (MEC) – abril/2018;
- Fundação Nacional de Saúde (Funasa) – abril/2018;
- Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – fevereiro/2018;
- Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) – abril/2018.
Pela natureza dos bancos de dados, observa-se que foram analisadas várias tipologias diferentes, com formas de investimentos diferentes. Foi analisado também o banco de dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que, da mesma forma que o DNIT, tem ferramentas informatizadas importantes para a gestão dos recursos repassados aos estados e municípios para aquisição de equipamentos e obras. No entanto, disse Zé Silva: “Esses sistemas são somente para consulta interna”.
Medidas imediatas
Com o escopo do problema desenhado, os membros da CEXOBRAS fizeram os recortes necessários no gigantesco volume de dados apurados e partiram para a elaboração de propostas de “boas práticas” para compor os contratos ou convênios federais com estados e municípios.
“Daí surgiu uma ideia ainda mais abrangente: propusemos ao Governo Federal, por exemplo, a retomada de 20% das menores obras nas áreas de saúde e educação. Também levamos indicações ao Poder Executivo para que adotasse medidas efetivas em curto prazo, como ocorreu com duas portarias que garantiram a retomada de 1,6 mil obras de infraestrutura e evitaram a paralisação de obras de unidades de saúde,” disse Zé Silva.
A praga onipresente
Além de investir pouco em infraestrutura – apenas 2% do Produto Interno Bruto (PIB) –, o Brasil joga no ralo um volume significativo dos recursos aportados no setor, em razão do excesso de obras que são interrompidas antes da entrega. As paralisações consomem recursos sem gerar benefícios para a sociedade e são, em geral, consequência de falhas na forma como o setor público executa seus projetos. As conclusões são do estudo “Grandes obras paradas: como enfrentar o problema”, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O trabalho integra uma série de 43 documentos sobre temas estratégicos que a CNI entregou aos candidatos à Presidência da República há mais de um ano atrás, em julho de 2018.
De acordo com números obtidos pela CNI junto ao Ministério do Planejamento, 2.796 obras estão paralisadas no Brasil, sendo que 517 (18,5%) são do setor de infraestrutura. A área de saneamento básico lidera o ranking, com 447 empreendimentos interrompidos durante a fase de execução. Na sequência, aparecem obras de rodovias (30), aeroportos (16), mobilidade urbana (8), portos (6), ferrovias (5) e hidrovias (5). As obras paradas de infraestrutura já custaram R$ 10,7 bilhões e não trouxeram nenhum retorno para a sociedade.
O estudo aponta que, entre as principais razões para a interrupção de obras, estão problemas técnicos, abandono pelas empresas e dificuldades orçamentárias/financeiras. A CNI recomendou seis medidas para que o país evite paralisações e atrasos: (1) melhorar o macroplanejamento, (2) avaliar qual modalidade de execução é a mais adequada; (3) realizar microplanejamento eficiente; (4) aparelhar melhor as equipes; (5) desenhar contratos mais equilibrados; e (6) fortalecer o controle interno.
“É recorrente o problema da paralisação de obras. O país parece incapaz de aprender com todos os levantamentos, perdas e conflitos que esse processo gera,” afirma o diretor de Políticas e Estratégia da CNI, José Augusto Fernandes, ao Blog do Zé Dudu na abertura do 11º Encontro Nacional da Indústria (ENAI), grande encontro da indústria nacional que ocorre a cada dois anos em Brasília. “Por mais urgente que seja encontrar soluções para as obras paradas, também é preciso atenção com programas e metas direcionados à não repetição dos mesmos erros no futuro,” acrescenta ele.
José Augusto Fernandes observa que a paralisação das obras nunca é a melhor solução por representar perdas duplas para a sociedade – recursos públicos desperdiçados e empreendimentos não entregues para o uso da população. “Os prejuízos para consumidores e empresas são enormes, o mesmo acontecendo com o setor público, uma vez que se tratam de projetos que consumiram e continuam a absorver vultosos recursos públicos, sem gerar contrapartidas,” enfatiza o diretor da CNI.
No Acórdão TCU 1079/2019, o último levantamento das obras paralisadas no país é muito mais abrangente do que o apurado pela CEXOBRAS e pela CNI. De acordo com os registros que constam nos bancos de dados da CAIXA, PAC, SIMEC 2.0, SIMEC SESU, SIMEC SETEC, DNIT e FUNASA, num total de 38.412 obras paralisadas, o governo investiria quase R$ 725 bilhões (exatos R$ 725.456.451.626,74). Essa montanha de dinheiro está parada, e só nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), 91,11% foram executados, correspondendo apenas a 27,77% do total planejado. “É uma tragédia,” define o deputado federal Zé Silva.
Veja quadro abaixo:
Causas da paralisação
A praga onipresente das obras paralisadas no Brasil também é origem de outra chaga nacional: a corrupção. A ocorrência desse mal se infiltra nas grandes obras de infraestrutura, mas também se alastrou em pequenas reformas – numa escola do interior, Brasil afora, em administrações corruptas de prefeitos marginais e governadores ainda piores. “São os assassinos da esperança dos brasileiros,” sussurra a voz quase inaudível dos contribuintes brasileiros.
O ministro do TCU, Bruno Dantas, comentou sobre a responsabilidade do Judiciário e dos tribunais de contas nessa Odisseia nacional. “Como o ministro-presidente ressaltou, muitas vezes, levamos a culpa por uma responsabilidade que não é do Judiciário ou dos tribunais de contas. Os números do TCU revelam que apenas 3% das obras paralisadas no país se devem a isso. Os dados mostram que, na maioria das vezes, as falhas estão concentradas em três aspectos: projetos deficientes, interrupção do fluxo financeiro e problemas na gestão municipal”.
Pelo levantamento, mais de 75 mil vagas de creches do Programa Pró-Infância deixaram de ser entregues em razão de obras paralisadas, assim como 192 unidades básicas de saúde. “Fizemos levantamentos, cruzamos os dados e, a partir de agora, temos de buscar soluções e apresentar uma agenda para o Congresso Nacional, governadores e prefeitos,” disse.
Segundo o presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Fábio Nogueira, com o apoio dos presidentes dos tribunais de contas do país, o levantamento da entidade foi realizado no período de 2009 a 2019 e apontou cerca de 2.555 obras paralisadas, com valores a partir de R$ 1,5 milhão, com recursos no total de R$ 89 bilhões. “O TCU, na última semana, julgou o Acórdão 1079/2019, que também aponta para números expressivos, com mais de 14 mil obras paralisadas e recursos de R$ 144 bilhões,” reforçou.
Segundo ele, o levantamento aponta que apenas 0,7% das obras paralisadas são decorrentes de decisões dos tribunais de contas, e 1,5%, de decisões judiciais. Assim, concordou com o ministro Bruno Dantas, afirmando que os problemas estão, em sua maioria, nos projetos básicos e na falta de continuidade administrativa.
Na opinião do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Dias Toffoli, o termo de cooperação sobre obras paralisadas mostra a necessidade de o Brasil fazer diagnósticos da sua realidade: “É senso comum, e eu também tinha essa ideia, que as obras ficam paralisadas ou por decisões judiciais ou pelos tribunais de contas, mas esse levantamento mostrou que isso ocorre em uma minoria dos casos. E, por esse motivo, vemos a importância desse diagnóstico. Afinal, se estão colocando em nossa conta algo que não é de nossa responsabilidade, temos de fazer o diálogo e buscar as soluções”.
Num esforço de reportagem, o Blog do Zé Dudu inicia com essa reportagem uma série sobre o tema: “Obras federais paralisadas no Brasil: o mapa do desperdício”. A partir da próxima reportagem, o tema será: “Obras federais paralisadas no Pará: o mapa do desperdício”, e revelará ao leitor o resultado de um completo raio-x em todas as obras paralisadas no estado do Pará lastreadas com recursos do Orçamento Geral da União.
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