Obras federais paralisadas no Pará: o mapa do atraso

Pelo menos R$ 1 bilhão foi para o ralo do desperdício. E os dados estão incompletos. Sem informação, não se pode afirmar que haja políticas públicas planejadas adequadamente, diz especialista.

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Brasília – Em março deste ano, um relatório divulgado pelo Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM-PA) estimou que 255 obras públicas estavam paralisadas no Pará no valor de R$ 1 bilhão. Entretanto, o órgão admite que números podem ser muito maiores, uma vez que, mesmo obrigados por lei, apenas metade dos municípios do estado repassou as informações para os órgãos de controle, o que configura uma grave irregularidade.

“Não há governo que possa dar certo se não se tem os números corretos para o planejamento de políticas públicas”, garantiu em entrevista ao Blog do Zé Dudu o ex-secretário de Estado de Trabalho e Emprego de Minas Gerais, deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), que é relator da Comissão Externa Destinada a Acompanhar e Monitorar a Conclusão das Obras Públicas Paralisadas e Inacabadas no País (Cexobras) da Câmara dos Deputados.

Em maio, o TCM-PA elaborou um relatório sobre a situação estadual de obras paralisadas a partir do trabalho de levantamento nacional sob a direção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O pedido do levantamento partiu do presidente do colegiado, ministro Dias Toffoli, também presidente do Supremo Tribunal Federal, que, em parceria com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), verificou a situação das prefeituras que informam aos tribunais de contas de cada estado a relação das obras que estão há mais de 90 dias sem medição.

A educação, principal fundamento de desenvolvimento e avanço dos povos, é a área com maior número de obras paralisadas, chegando a 44,4% do levantamento realizado. As obras começam, mas não se sabe quando serão concluídas, como universidades, escolas, creches, pré-escolas, quadras de esporte. Tudo sem data para ser retomada.

Em segundo lugar no mapa do atraso está outro dos martírios impostos à população das cidades paraenses: a mobilidade urbana, com 18,10% no quadro de obras paradas. São obras de vias, pontes e similares. Seguida pela mobilidade está a maltratada saúde, com 12% do total de obras paralisadas, abrangendo unidades de saúde, hospitais, prontos-socorros, maternidades e outros.

Campeões do atraso

O vexatório título dos campeões de paralisação completa ou atraso de obras vai para Ananindeua, na região metropolitana de Belém com 39 obras com problemas, seguido de Prainha, na região do Baixo Amazonas com 18 obras, e Moju, no nordeste do Pará, com 16 obras paralisadas, informa a prefeitura.

Os municípios de Baião, Vitória do Xingu, Ipixuna do Pará, Belém, Goianésia do Pará, Marabá e Medicilândia também informaram que estão com obras públicas paralisadas e formam a lista das dez cidades paraenses com maior volume de empreendimentos suspensos há mais de 90 dias. Mas há municípios que sequer informam a situação em que se encontram e estão sujeitos a sansões legais.

O TCM-PA revela que quatro municípios, em apenas seis obras, acumulam R$ 381.611.828,49, um total de 42,35% dos mais de R$ 900 milhões de recursos públicos investidos em obras que estão suspensas até o momento. A construção do estádio municipal de Marabá, com quatro etapas atrasadas da obra, soma R$ 136.536.966,20 e teve o último desembolso feito pela prefeitura à empresa contratada em agosto de 2017. Outra obra paralisada na cidade é a urbanização da Grota do Aeroporto, orçada em R$ 96.047.460,48.

Estádio Municipal de Marabá

Apontada como uma das cidades mais ricas do Brasil, devido aos altos royalties provenientes de grandes projetos de mineração, Canaã dos Carajás não consegue concluir a obra de ampliação do sistema de abastecimento de água, cujo custo é de R$ 22.772.433,83.

Belém desperdiça dinheiro público como poucas. Em segundo lugar na lista, de acordo com o TCM-PA, com R$ 102.739.083,37 aplicados em obras paradas, a capital paraense não poderia ter desculpa para a paralisação da terceira etapa de urbanização da Vila da Barca e para a urbanização da Bacia do Paracuri. O terceiro lugar do ranking de obras suspensas com maiores investimentos está com o município de Vitória do Xingu, que declarou ao tribunal que recebeu R$ 23.000.000,00 referentes à primeira etapa da urbanização da Orla do Igarapé do Gelo, que não avança.

O presidente do TCM-PA, conselheiro Sérgio Leão, enfatizou que o relatório tem o objetivo principal de buscar soluções, junto com outros órgãos públicos, para dar continuidade às obras a fim de que população usufrua dos serviços previstos naquele empreendimento. Sérgio Leão explicou que o levantamento feito pelo TCM-PA traz uma visão ampliada de obras paralisadas no estado por considerar também obras orçadas abaixo de R$1,5 milhão, um dos critérios estabelecidos pelo mapeamento do CNJ.

Fratura exposta

O relatório é incompleto pela razão já explicada na abertura dessa matéria: metade das prefeituras ignora a lei e expõe a fratura exposta que pode evoluir para um colapso do corpo do paciente, no caso, o estado em suas três esferas: federal, estadual e principalmente a municipal, onde está o cidadão que recolhe os impostos que são desperdiçados pelos meandros da incompetência de administradores despreparados. A irresponsabilidade de muitos desses maus administradores é a razão principal do elevado número de obras paradas no Pará e de resto em todo o Brasil.

Veja no quadro abaixo o levantamento feito pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, em 2017, em todo o Brasil.

Há solução?

“A realidade brasileira deve ser enfrentada com ferramentas apropriadas de gestão

para estimular ações que eliminem os principais obstáculos ao crescimento no País e contribuam para construir um país competitivo, inovador, global e sustentável”, ensina o deputado Zé Silva.

No Mapa Estratégico da Indústria 2018-2022, lançado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), os industriais apresentaram uma agenda para aumentar a competitividade da indústria do Brasil e para elevar o bem-estar da população ao nível dos países desenvolvidos.

Na busca dos pilares dessa agenda, o diagnóstico da CNI examinou, em detalhe, o custo de paralisação de três grandes projetos, onde foram identificadas a falta de planejamento e a ausência de bons controles internos, os principais causadores dessas paralisações.

Isso explica a descontinuidade do financiamento, a má qualidade dos projetos de engenharia, a complicada execução das desapropriações, a dificuldade de se obter licenças ambientais e as várias recontratações. Os custos associados, resultantes dos benefícios que deixam de ocorrer e do custo da imobilização de recursos escassos, somam dezenas de bilhões de reais.

O elevado custo do atraso reforça a urgência de decidir sobre o que fazer com esses projetos. Nesse sentido, o trabalho propõe uma metodologia para avaliar o quanto vale a pena concluir essas obras. Aplicada aos três projetos estudados, a conclusão levou a resultados distintos.

O caso mais favorável é o da transposição do São Francisco, em que se recomenda sua conclusão: os benefícios são altos e o custo de conclusão é baixo. A recomendação também é para que conclua a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, mas por ora apenas o trecho de Caetité a Ilhéus – e apenas se isso for feito por concessionário privado. Já para a Ferrovia Transnordestina recomenda-se que a obra seja reavaliada, ainda que se ressalte a necessidade de adiar uma avaliação definitiva até a conclusão das análises em curso na ANTT e no Grupo de Trabalho criado com esse fim.

O estudo conclui que, por mais urgente que seja dar um encaminhamento às obras paralisadas, não se pode deixar de tomar medidas para evitar paralisações e atrasos.

Principais recomendações

1             Melhorar o macroplanejamento, em especial com planos setoriais plurianuais, que explorem sinergias e tragam sinalizações concretas;

2             Avaliar qual modalidade de execução (obra pública, concessão, etc.) é a mais adequada;

3             Realizar microplanejamento eficiente sobre projetos de engenharia, cronogramas, orçamentos, fontes de financiamento, avaliação e alocação de

riscos, detalhamento e planejamento das desapropriações, encaminhamento das licenças ambientais e coordenação com os demais órgãos públicos intervenientes;

4             Aparelhar melhor as equipes responsáveis pelos projetos;

5             Desenhar contratos mais equilibrados e

6             Fortalecer o controle interno.

Já o diagnóstico do TCM-PA aponta a paralisação de conclusões de obras que vão da construção de unidades habitacionais a creches e pré-escolas, drenagem e pavimentação de ruas e o eterno problema do abandono de obras de saneamento básico.

O estudo do TCM-PA aponta que o valor global dos contratos é de R$ 895.660.928,16, sendo que já foram pagos R$ 232.729.254,31, restando pagar R$ 662.080.965,42 em obras que nunca terminam. Não há, nos 144 municípios do Pará, uma única cidade que não exista uma obra parada por alguma razão.

Desse total, de acordo com o TCM-PA, das obras paralisadas 79,1% utilizam recursos de convênios federais, que já torraram R$ 672.970.721,13 em 197 obras que não servem para nada. Mas o desperdício é maior porque as obras paralisadas em convênios com o governo estadual contribuem para o caótico quadro. Foram literalmente jogados para o ralo da incompetência recursos na ordem de R$ 81.889.199,14, que representam 11,9% do total, em 29 obras.

Alguns prefeitos figuram na relação, e, juntos, desperdiçaram valores no total de R$ 47.674.101,94 do orçamento das próprias prefeituras, algumas em grave dificuldade financeira ou pré-falimentar. Esse dinheiro foi aplicado em 19 obras que representam 7,5% do levantamento de projetos que resultaram em obras paralisadas. E, finalmente, outros R$ 93.126.905,95 foram fruto de contratos de financiamento em quatro obras, ou 1,5% do total, traçando o triste quadro do atraso e do desperdício do dinheiro público no estado do Pará.

O leitor pode conferir abaixo a relação de todas as obras que foram objeto do levantamento do TCM-PA.

http://www.tcm.pa.gov.br/sites/default/files/publicacoes/diagnostico-das-obras-publicas-paralisadas-no-para-2019.pdf

Sem mobilização e cobrança da sociedade, essa montanha de dinheiro gasto em obras paralisadas, continuarão ano após ano. Cabe a governantes sérios e comprometidos com sua comunidade, reverter esse que é o maior e mais vergonhoso motivo da falta de credibilidade dos políticos. Nota-se que, muitas vezes, a má gestão revela algo mais sério: a corrupção e o roubo dos dinheiros públicos.

E ano que vem tem eleição. 

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.