Obras federais paralisadas no Pará: o mapa do desperdício

A série de reportagens revela que, no Pará, projetos de péssima qualidade derrubam o mito de que problemas com licenças ambientais são as principais causa das obras paradas no estado

Continua depois da publicidade

Brasília – Em continuidade a série de reportagens especiais exclusivas que o Blog do Zé Dudu começou a publicar na semana passada sobre as “Obras federais paralisadas: o mapa do desperdício”, o cruzamento de dados de relatórios de Ministérios, Caixa Econômica e auditorias dos órgãos de controle do Governo Federal e do Congresso Nacional derrubam um velho mito no qual a principal causa das obras paradas no estado do Pará tem origem em licenças ambientais. Não é verdade que isso ocorre no Pará e nos demais estados.    

A principal causa da paralisação das obras federais no Pará tem motivação técnica, uma vez que os projetos se mostram de péssima qualidade, elaborados por equipes despreparadas, o que gera um efeito dominó devido à má gestão pública (municipal, estadual e federal). A segunda causa da paralisação é o abandono da obra pelas empresas vencedoras das concorrências.

O fator ambiental, que pode gerar problemas para a liberação da autorização do início da obra após a expedição da licença ambiental, é apenas a última das oito causas principais para motivação de paralisação das obras federais em território paraense.
As causas das paralisações são: Técnico, Abandono pela empresa, Orçamentário/Financeiro, Órgãos de Controle, Judicial, Titularidade/Desapropriação e Ambiental.

O gráfico seguinte ilustra os principais motivos para a paralisação das obras, de acordo com os dados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Governadores e prefeitos historicamente não têm contribuído para que o fenômeno pare de ocorrer. Em muitos estados, o Pará incluso, e dezenas de Prefeituras paraenses, as auditorias das obras federais constataram que não há registro de forma sistemática das causas primárias de paralisações das obras. Não é feito o registro dos dados sobre a contratação dos projetos; não se tem a preocupação de registrar estudos acerca das contratações de projeto (inclusive concursos e contratações integradas) e não há fomento para se buscar a qualificação do quadro técnico das secretarias responsáveis pelo acompanhamento e fiscalização das obras (ex: concurso). Segundo o Acordão TCU 1079/2019, esse conjunto de fatores é uma porta aberta para a corrupção somando prejuízos ainda maiores aos cofres públicos, muitos deles sem recuperação judicial. Ou seja, a empresa é contratada, recebe, não concluiu a obra e some no mundo.

Em termos regionais, é possível comparar a situação de cada estado no mapa seguinte. Estão preenchidos com as cores mais escuras os estados com maior percentual de obras paralisadas, ou seja, com maior número de obras paralisadas em relação ao total de obras no estado. Como se nota, no Amapá mais da metade dos empreendimentos estão paralisados, sendo esse o maior percentual encontrado (51%).

A partir desses dados, o TCU enviou questionários aos gestores (governadores e prefeitos), nos quais foram apuradas as três principais causas de paralisações de obras no Brasil: contratação com base em projeto básico deficiente; insuficiência de recursos financeiros por parte do estado ou município corresponsável pela obra (contrapartidas); e dificuldade desses entes subnacionais em gerir os recursos federais recebidos.

De acordo com o primeiro presidente e agora relator da Comissão Externa destinada a acompanhar e monitorar a conclusão das obras públicas paralisadas e inacabadas no país (CEXOBRAS), deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG), há um outro grave problema: a descontinuidade. “O prefeito ou mesmo o governador que sucede o anterior, por razões políticas, não dá continuidade às obras federais iniciadas na gestão passada. O país não precisa de gestores com esse pensamento antiquado. É mais fácil concluir a obra e partir para outras do que abandonar a que já existe e ter problemas nos cadastros criados para controle desses convênios. O município ou estado ficam inadimplentes e não recebem recursos novos para outros projetos”, explicou Zé Silva.

Levantamento

Conforme revelou a primeira reportagem da série nenhum dos 17 deputados que compõem a bancada paraense na Câmara dos Deputados, teve interesse, ou sequer sabia da existência da CEXOBRAS. Criada em 2016, o colegiado, que não tem prazo para o encerramento, é composto por 17 deputados federais, um presidente e um relator e zero representante do Pará.

A CEXOBRAS levantou que as principais obras paralisadas no Pará são rodovias federais de fundamental importância para o Brasil: as BRs 230 (Transamazônica) e a 163 (Cuiabá-Santarém) que estão recebendo atenção especial do novo governo federal e foram reativadas em vários trechos e concluída em outros, com asfalto de ótima qualidade executado pelo Batalhão de Engenharia do Exército do Brasil e algumas empresas fiscalizadas com extremo rigor. Nelas, foram 40 anos de total abandono.

Em 2018 o TCU identificou 14.403 obras com recursos federais paradas em todo o País. Do dinheiro dos impostos dos brasileiro, R$ 70 bilhões foram aplicados nessas obras, mas ainda seriam necessários mais R$ 40 bilhões para finalizá-las. “Conclui-se que a gestão pública vai de mal a pior”, disse, enumerando um conjunto de causas em longa entrevista concedida à reportagem, o deputado federal Zé Silva.

“Ninguém sabia quantas obras paradas existiam no Brasil quando começamos a comissão externa, em 2016”, observou Zé Silva. Diferentes estimativas foram dadas ao longo do trabalho da comissão. Falou-se em 2 mil, 7 mil e depois 14,4 mil. Mas trata-se de uma estimativa [do TCU]”, disse.

Prejuízos

Todos perdem com as obras federais paralisadas no Pará. Embora haja capricho e pompa no anúncio das obras, governadores e prefeitos veem o leitmotiv da comemoração rapidamente ceder lugar ao desânimo do contribuinte ao constatar que milhões aplicados para a construção de hospitais, escolas, conjuntos residenciais, obras de saneamento, coleta e tratamento de esgoto, laboratórios de universidades, rodovias, equipamentos esportivos, obras de arte (pontes de concreto), aeroportos, portos e hidrovias, estão paralisados. Não é explicado a causa da paralisação de forma imediata e transparente e em pouco tempo essas obras figuram no mapa do desperdício e os gestores contam sempre com uma dose extra de paciência ou desistência de cobranças do contribuinte. Um erro tentando justificar outro erro: uma fórmula que não tem como dar certo.

Os novos governos, o Federal e o do Pará, não sabem ao certo quantas obras com recursos federais estão paradas. Como assumiram a gestão há dez meses, alegam que ainda está se promovendo auditorias para se inteirar da situação. Enquanto o cenário de esqueletos das obras inacabadas assombra as noites e transforma a luz do dia num martírio de reclamações a tirar o sossego de todos, mesmo no contribuinte mais desatento, o sentimento é de indignação.

Outras obras estratégicas estão paralisadas há décadas como o derrocamento do Pedral do Lourenço que impede a navegabilidade e viabilidade econômica da economia que poderia ser gerada pela utilização durante todo o ano da Hidrovia Araguaia-Tocantins. No trecho paraense, ainda no governo do ex-presidente Lula da Silva, foi concluída as obras das eclusas da Hidrelétrica de Tucuruí, outro obstáculo que existia para navegabilidade da estrada aquática. Entretanto, sem o derrocamento do Pedral do Lourenço, a obra é um maiores elefantes brancos da história do Brasil.

A ponte que liga a cidade de Xambioá (TO) a São Geraldo do Araguaia (PA) é outra promessa que jamais saiu do papel. Há quatro meses, porém, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, assinou a quarta ordem de serviço que autoriza o início da obra nunca iniciada em governos anteriores.

A malha rodoviária do Pará é uma das piores do Brasil, segundo a última pesquisa anual promovida pela Confederação Nacional dos Transportes e divulgada na semana passada. Ela aponta que o trecho rodoviário que faz a ligação entre Marabá a Dom Eliseu é a 3° pior do país. Já o trecho a partir da capital Belém(PA) até Guaraí (TO) é a 5ª pior ligação rodoviária do Brasil. O Pará, territorialmente gigantesco, não consegue sair do pódio dos piores quando o assunto é infraestrutura, notadamente estradas e saneamento básico; aliás, nesse quesito, o Pará é isolado o pior da América do Sul.

Consequências

Em todo o Brasil foram investidos cerca de R$ 10 bilhões em obras que estão paralisadas, sem que tenham sido gerados benefícios à sociedade. As consequências desse problema vão muito além dos recursos desperdiçados e são extremamente nocivas para o País.

Entre outros efeitos negativos podem ser citados os serviços que deixam de ser prestados à população, os prejuízos ao crescimento econômico do país e os empregos que não são gerados. Segundo o TCU são R$ 132 bilhões que deixaram de ser injetados na economia. Apenas no tocante aos recursos destinados às creches do Programa Proinfância, 75 mil vagas deixaram de ser criadas e oferecidas à população. Não se sabe quantas dessas vagas não foram geradas porque nem o Estado do Pará nem o Governo Federal têm os números exatos.

De acordo com o deputado federal Zé Silva (Solidariedade-MG) e relator da CEXOBRAS, “no Pará, a situação não é diferente das demais unidades federativas.”

Levantamento da reportagem cruzou dados de auditorias do TCU e vários banco de dados do Governo. Obtivemos uma lista, após a aplicação de sofisticados filtros de um software desenvolvido pelo jornalista Val-André Mutran, que também é analista de sistemas, de todas as obras paralisadas no Pará fruto de contratos e convênios de Ministérios e do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) celebrados com municípios paraenses e com o Governo do Pará com financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF). O quadro é aterrorizante. O total de recursos que já foram aplicados é da ordem de R$ 234.700.107,19 para 251 obras que estão abandonadas à própria sorte.

O mapa do desperdício

A obra mais cara desse total é a construção do Hospital Materno-Infantil de Santarém, no Oeste do Pará, com recursos do Ministério da Saúde, que já enterrou por lá a cifra de R$ 18.331.754,40 e o Governo do Pará outros R$ 4.992.432,25. Iniciada em 27 de janeiro de 2014, a obra deveria ter sido inaugurada em 30 de junho de 2017. Nos sistemas de controle da CEF, só foi realizado 39% da construção.

Só recentemente houve novidades. O governador do Estado, Helder Barbalho, assinou no dia 20 de agosto desse ano, a ordem de serviço para o reinício das obras do Hospital na presença do prefeito do município, Nélio Aguiar, estabelecendo novo prazo (10 meses) a contar do reinício das obras para a conclusão dos serviços, totalmente abandonados em 2014, ainda na gestão anterior do governo do Estado. As obras seriam retomadas em 10 dias a contar da data da assinatura.

“Herdamos a obra do Hospital Materno-Infantil paralisada, sem empresa e sem recursos suficientes para a sua conclusão. Em janeiro deste ano fiz um pedido ao governador para que nos ajudasse a concluir essa obra. Ele prontamente decidiu pela liberação de R$ 25 milhões para concluir a obra e adquirir todos os equipamentos para o Hospital. Só posso agradecer ao governador pela parceria e compromisso com Santarém”, disse no ato da assinatura o prefeito Nélio Aguiar.

Na retomada dessa obra, agora com nova construtora contratada, foi feito ou renovado um convênio de cooperação técnica entre o governo, prefeitura do município e a Caixa Econômica Federal, instituição financiadora, que está garantindo, mais uma vez, recursos de mais de R$ 25 milhões. A ASCOM da Prefeitura confirmou que a obra foi retomada. Mas, outras 250 obras com recursos federais da CEF paralisadas no Pará não tiveram a mesma sorte. 

Em Ananindeua está localizada a segunda maior obra paralisada com recursos financiados pela CEF. É um convênio carimbado pelo extinto Ministério das Cidades no valor total de R$ 17.319.608,34, dos quais R$ 9.750.000,00 da CEF e outros R$ 7.569.608,33 de contrapartida do Município. O objeto da obra “Apoio e Melhoria das Condições de Habitação de Assentamento”.

A reportagem não conseguiu obter a informação onde fica esse Projeto de Assentamento em Ananindeua, no Ministério do Desenvolvimento Regional, que absorveu o Ministério das Cidades do governo Temer e não conseguiu falar com ninguém da Prefeitura de Ananindeua porque o telefone dá ocupado durante o dia todo. Deve ser porque há muito trabalho por lá.

Entretanto, foi apurado que a obra nesse Projeto de Assentamento, em plena Região Metropolitana de Belém, parou na metade. Foi iniciada em 9 de outubro de 2007 e estava programada para ser entregue em 30 de abril de 2015, em mais um exemplo do desperdício de dinheiro público que foram jogados fora pelo sumidouro da incompetência. Embora 81% da obra tenha sido executada, ela está parada há quatro anos e deve ter melhorado as condições de moradia de ratos e insetos.

Os campeões da paralisação

Grande parte das 251 obras paralisadas com recursos da CEF no Pará tem o valor médio de um pouco mais de R$ 1 milhão, a maioria absoluta é com a rubrica do extinto Ministério das Cidades, com 93 obras paralisadas; seguido do Ministério do Desenvolvimento Agrário, com outras 45 obras sem viva alma nos canteiros; Ministério do Turismo, 29 obras paradas; Ministério dos Esportes figura com 35 obras paralisadas; o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, tem 32 obras paralisadas no Pará; Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), com 7 obras paralisadas.

Os Ministérios da Cultura, Ciência e Tecnologia, e o do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, figuram na lista, cada um, com uma obra paralisada.

O também extinto Ministério da Integração, que foi comandado pelo atual governador do Pará até 2018, tem uma obra paralisada e abandonada à própria sorte. A obra, no valor total de R$ 3.733.015,65, era para o “Apoio Sit. Drenagem Efeitos Dinam Maritima”, na costa paraense, teve início em 16 de junho de 2008, portanto antes de Helder Barbalho comandar a pasta, mas está paralisada desde 30 de junho de 2017, quando o governador era o dono da caneta do Ministério. Apenas 60% da obra foi realizada, segundo auditoria do TCU.

Municípios com a maior quantidade de obras paralisadas no Pará

Influencia política e recursos em caixa (para a garantia da contrapartida) são os dois principais atributos para um gestor conseguir a liberação de recursos federais em Brasília. A reportagem fez uma lista dos municípios que obtiveram o maior número de convênios com ministérios, com financiamento da Caixa Econômica Federal, cujas obras de nada servem porque nunca foram concluídas.

Confira em qual posição está o seu município na lista de campeões paraense de obras paralisadas com recursos federais: