Brasília – Devido suas dimensões territoriais continentais sendo o segundo maior estado do país em extensão territorial, com uma área de 1.245 870,798 km², constituindo-se na décima-terceira maior subdivisão mundial
e status de uma das últimas fronteiras de abertura da floresta para criação de pastos e agricultura de subsistência, o Pará é apontado como o campeão nacional de emissão e remoção de gases de efeito estufa, segundo revela a primeira edição do SEEG Municípios, uma iniciativa inédita do Observatório do Clima.
Os dez municípios campeões de gases de efeito estufa (GEE) do Brasil emitem juntos 172 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e). É mais do que países inteiros como o Peru, a Bélgica ou as Filipinas. E sete desses grandes emissores ficam na Amazônia, onde o desmatamento é a principal fonte de emissões.
O SEEG calculou as emissões de gases de efeito estufa de todos os 5.570 municípios brasileiros. O levantamento cobre todos os anos de 2000 a 2018 e é detalhado para mais de uma centena de fontes de emissões nos setores de energia, transporte, indústria, agropecuária, tratamento de resíduos e mudanças de uso da terra e florestas.
Municípios da Amazônia dominam emissões de carbono
Sete dos dez maiores emissores do país estão no bioma, mostra primeiro mapeamento municipal de gases de efeito estufa do país.
Esta é a primeira vez que se enxerga as emissões na esfera municipal, e a primeira vez que um levantamento desse tipo é feito para um país gigantesco como o Brasil. O objetivo é aumentar o conhecimento de prefeitos, câmaras de vereadores e da sociedade local de todo o país sobre a dinâmica das emissões e prover uma ferramenta para o desenvolvimento de políticas de desenvolvimento municipal com redução de carbono.
O município que mais emite no Brasil é São Félix do Xingu (PA), com 29,7 milhões de toneladas brutas de CO2e em 2018. Desse total, as mudanças de uso da terra, em sua maior parte provenientes do desmatamento, respondem por 25,44 milhões de toneladas, seguidas pela agropecuária, com 4,22 milhões de toneladas de CO2e, emitidas principalmente pela digestão do rebanho bovino. O município paraense tem o maior número de cabeças do país.
Se fosse um país, São Félix do Xingu seria o 111º do mundo em emissões, à frente de Uruguai, Noruega, Chile, Croácia, Costa Rica e Panamá, segundo dados do Cait, o ranking global de emissões do World Resources Institute.
São Félix do Xingu, o campeão das emissões no Brasil
O município localizado a 1.050 km da capital, Belém, tem uma área de 84.213 km² ocupada, em 2018, por 128 mil habitantes. Como, então, seria o campeão das emissões no Brasil, deixando São Paulo com apenas o quarto lugar?
A explicação está na economia. São Félix do Xingu não tem as fábricas de São Paulo, muito menos a frota de automóveis, em compensação tem o maior rebanho bovino do País. A base da economia é a pecuária de corte, e o rebanho atingia 2,5 milhões de cabeças em 2019. Segundo matéria da TV alemã Deutsche Welle “os dados foram contabilizados na última vacinação pelo Sindicato dos Produtores Rurais.”
Já se sabia que a maior contribuição do Brasil para as emissões vem do desmatamento, mas o que era desconhecido era a posição de cada município no total das emissões. Em 2018, São Félix do Xingu emitiu um total de 29,7 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (CO2e). Se fosse um país, estaria na frente de Uruguai, Chile, Costa Rica ou Noruega.
Monitoramento do Inpe
O monitoramento anual feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que em 2019 São Félix do Xingu foi responsável por um terço do desmatamento em toda a Amazônia. O dado é confirmado também por Carlos Cruz da Silva, em matéria da Deutsche Welle, à frente do Ministério Público Estadual na cidade: “O desmatamento irregular é, sem dúvida, a principal ação criminal com que nos deparamos aqui em São Félix do Xingu.“
Segundo o estudo, as emissões em São Félix do Xingu são oriundas do desmatamento, seguido pela agropecuária. É preciso lembrar que durante a digestão o rebanho lança na atmosfera o gás metano, ainda mais potente que o CO2.
Os campeões das emissões no Brasil
Pela ordem, São Félix do Xingu, Altamira (PA), Porto Velho (RO), Pacajá (PA), Colniza (MT), Lábrea (AM) e Novo Repartimento (PA). Juntos estes municípios emitem 172 milhões de toneladas brutas de CO2 equivalente.
Desmatamento é o vilão
O desmatamento também faz dispararem as emissões per capita dos municípios amazônicos. Cada morador de São Félix do Xingu, por exemplo, emite 225 toneladas de CO2e por ano, quase 22 vezes mais que a média de emissões brutas per capita do Brasil, 12 vezes mais que a dos Estados Unidos e seis vezes mais que a do Qatar, o país com maior emissão per capita no mundo. Situação ainda pior é a de Colniza, no noroeste de Mato Grosso: sexto maior emissor do país, com 14,3 milhões de toneladas de CO2e emitidas em 2018, Colniza tem a maior emissão per capita bruta do Brasil: 358 toneladas. É como se cada habitante do município tivesse mais de 300 carros rodando 20 km por dia.
Por outro lado, e esta é uma boa notícia do levantamento, municípios amazônicos extensos com muitas áreas protegidas também têm grandes remoções de gases de efeito estufa. Isso reduz as chamadas emissões líquidas. O campeão de remoções é Altamira, o maior município do Brasil em área, que tem remoções de mais de 22 milhões de toneladas de CO2e. São Félix do Xingu tem remoções de 10 milhões de toneladas.
Dos dez municípios campeões de emissão bruta no país, apenas três ficam fora da Amazônia: São Paulo, Rio de Janeiro e Serra, no Espírito Santo. O setor de energia, em especial os transportes, se destaca como principal fator de emissão nas grandes cidades, principalmente as capitais. Serra, que abriga uma siderúrgica, tem suas emissões sobretudo por processos industriais.
Indústria do petróleo
Refino e processamento de petróleo elevam essas emissões em cidades como Manaus e Rio de Janeiro. E termelétricas fósseis aumentam muito as emissões nas cidades que as abrigam. O exemplo mais gritante é Capivari de Baixo, em Santa Catarina. O município é sede de um conjunto de termelétricas a carvão, o complexo Jorge Lacerda, construído nos anos 1960 e que tem três usinas, com capacidade instalada de 857 megawatts. Capivari de Baixo é o maior emissor do Brasil por área: emite 85.633 toneladas de CO2e por km ².
O tratamento de resíduos, embora responda por apenas 4% das emissões brutas do Brasil, é uma fonte de emissões importante para as cidades — especialmente as mais populosas. O Rio lidera esse setor, com 5,6 milhões de toneladas, seguido por São Paulo, que, apesar de ter o dobro da população, emite 5,45 milhões de toneladas, devido à maior eficiência no tratamento de lixo e à captura de metano para gerar energia em aterros sanitários.
“Até hoje menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Agora todos terão os dados para uma série de 20 anos e esperamos que isso sirva de estímulo para promover o desenvolvimento local com redução das emissões e enfrentamento das mudanças climáticas”, explica Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG. “Como os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita, significam também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser focados nas ações para reduzir emissões” completa.
Os dados completos estão disponíveis na plataforma www.seeg.eco.br.
A seguir, outros destaques do SEEG Municípios:
SETOR DE AGROPECUÁRIA:
Em 2018, o setor foi a maior fonte emissora de GEE em 65,8% dos municípios brasileiros, um total 3.666 municípios.
Municípios localizados nos Estados de Mato Grosso, Pará e Mato Grosso do Sul estão entre os 20 municípios que mais emitiram pelo setor agropecuário em 2018, por terem os maiores rebanhos bovinos.
Os municípios da região Sul são os que lideram as emissões de agropecuária por área, devido à pequena extensão territorial.
Os municípios da região Centro-Oeste são os que lideram as emissões por habitante no setor de agropecuária, pelo apelo do setor na região e serem menos populosos.
SETORES DE ENERGIA E DE PROCESSOS INDUSTRIAIS:
São Paulo lidera o setor de energia, com 12,4 milhões de toneladas, seguida por Manaus (6,2MT) e Rio de Janeiro (6MT).
Municípios mais populosos, como as capitais, têm no setor de Energia sua principal fonte de emissões, sobretudo devido ao consumo de combustíveis fósseis (diesel e gasolina) nos transportes.
Em processos industriais, Serra (ES) lidera folgadamente, com 10,4 MT, seguida de longe por Vespasiano (MG), 2MT, e Sete Lagoas (MG), 1 MT.
Excluindo as mudanças de uso da terra, os setores de energia e processos industriais são responsáveis pela maior parte das emissões de 9 dos 10 principais emissores.
O refino de combustíveis aumenta as emissões em municípios como Duque de Caxias, Paulínia e São José dos Campos, respectivamente 6º, 13º e 14º maiores emissores do país quando se exclui as mudanças de uso da terra.
Usinas termelétricas fósseis são os principais fatores de emissão em Manaus (49%), Duque de Caxias, RJ (45%), Capivari de Baixo, SC (98%), São Gonçalo do Amarante, CE (95%), Santo Antônio dos Lopes, MA (95%), Macaé, RJ (82%) e Candiota, RS (95%).
O setor de processos industriais é marcado pela escassez de dados de atividades que permitam estimativas mais precisas de suas emissões associadas.
Florianópolis é a capital do motor: 62% das emissões do município vêm dos transportes. Logo abaixo na lista, empatadas, estão Brasília e Curitiba, com 59%.
SETOR DE RESÍDUOS:
As capitais e os municípios brasileiros com mais de 1 milhão de habitantes são responsáveis por cerca de 30% de todas as emissões do setor.
Apesar de ser mais populoso, São Paulo apresenta recuperação de metano em dois aterros sanitários (São João e Bandeirantes, que atualmente estão inativos), recuperando cerca de 55 mil toneladas de CH4 em 2018.
A principal fonte de emissão no setor é pela disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários, controlados ou lixões (64% das emissões do setor) e isso é replicado em 60% dos municípios brasileiros.
Vinte e dois municípios apresentam emissões negativas no setor, isso ocorre porque a estimativa de emissão é realizada com base na quantidade de resíduos gerados em cada cidade, enquanto a recuperação de metano (seja por meio de queima ou aproveitamento energético em aterros sanitários) é baseada na localização do aterro. Um exemplo prático é a cidade de São Paulo, que atualmente dispõe os resíduos coletados no Aterro CTR Caieiras, o qual por sua vez utiliza o biogás produzido como combustível para geração de energia elétrica.
Metodologicamente, a recuperação do metano é totalmente alocada no município de Caieiras, no entanto, na prática, ela deveria ser dividida em todos os municípios que dispõem de seus resíduos no CTR. Isso significa que as emissões de municípios que depositam seus resíduos em aterros localizados fora da fronteira da cidade podem apresentar emissões superestimadas.
SETOR DE MUDANÇA DE USO DA TERRA E FLORESTAS:
Os maiores emissores (emissões brutas) nacionais estão na Amazônia, principalmente no Estado do Pará.
Com relação às emissões líquidas por MUT, Porto Velho foi o município que mais emitiu em 2018 (16,4 Mt de CO2e), o equivalente às emissões brutas totais (considerando todos os setores) do Ceará e acima das emissões totais de Sergipe, Espírito Santo, Amapá, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
No Cerrado, entre os maiores emissores estão os municípios na região de expansão da agropecuária no Matopiba (fronteira agrícola entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
Sobre o Observatório do Clima
É uma rede formada em 2002, composta por 56 organizações não governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.observatoriodoclima.eco.br.
Sobre o SEEG
O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi criado em 2012 para atender a uma determinação da PNMC (Política Nacional de Mudanças Climáticas). O decreto que regulamenta a PNMC estabeleceu que o país deveria produzir estimativas anuais de emissão, de forma a acompanhar a execução da política. O governo, porém, não as produziu. Os inventários nacionais, instrumentos fundamentais para conhecer em detalhe o perfil de emissões do país, são publicados apenas de cinco em cinco anos.
O SEEG (www.seeg.eco.br) foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos).
As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Atuaram no SEEG Municípios pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos).
O SEEG Municípios é apoiado pela União Europeia, por meio do Instrumento de Parceria da UE e o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (SPIPA/EU-BMU), pela Climate and Land Use Alliance e pelo Instituto Clima e Sociedade.
O lado positivo do novo estudo
O lado positivo mostra um dos efeitos das Unidades de Conservação. A Amazônia concentra grande parte delas que, por seus serviços sistêmicos, fazem o contrário, retirando gases de efeito estufa da atmosfera.
“O campeão”, diz o estudo, também está no Pará. “Altamira maior município do Brasil em área, tem remoções de mais de 22 milhões de toneladas de CO2.”
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.