A oposição no Congresso Nacional prepara uma reação política e jurídica para confrontar as decisões do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre transparência e fiscalização das emendas do Orçamento. Na avaliação de líderes de partidos de oposição ao governo, Dino quer interferir em assuntos legislativos para empoderar o Executivo – leia-se o presidente Lula –, que a cada período perde poder sobre sua prerrogativa sobre a destinação e execução dos recursos do Orçamento Geral da União.
Os fatos tiveram início em 2022, quando a então ministra Rosa Weber – já aposentada – decidiu proibir as chamadas emendas de relator, mecanismo com baixa transparência, que concentrava nas mãos da cúpula do Congresso a decisão sobre a divisão de bilhões em emendas. Em reação, o Congresso transferiu o modelo vetado para as emendas de comissões permanentes da Câmara e do Senado.
A resposta na ocasião tem os mesmos traços da que está sendo articulada neste momento. De um lado, congressistas elevam as críticas, segundo as quais o STF extrapola suas funções e busca legislar no lugar da Câmara e do Senado. De outro, discutem mecanismos para evitar que a medida afete de forma significativa a efetiva execução das emendas, principalmente a dois meses das eleições municipais de outubro.
Uma das atitudes já decididas será recorrer da decisão, o que tende a levar o caso para o plenário da corte, formado por 11 ministros.
Incertezas maiores que certezas
O alcance das decisões de Dino neste ano ainda é incerto. Isso porque a legislação eleitoral proíbe que o governo inicie processos para pagamento de emendas parlamentares até três meses antes das eleições. Entretanto, na visão de muitos congressistas que operam contra o governo, a decisão de Dino é uma afronta, uma contratação de mando do Executivo para um embate entre os dois Poderes.
A trava eleitoral se iniciou em 6 de julho. Resquícios de empenhos (quando determinada despesa tem seu dinheiro reservado) e pagamentos de emendas podem ser feitos durante esse período, caso os convênios com as prefeituras tenham sido fechados antes da janela eleitoral.
Integrantes do Planalto negam ter articulado a decisão do ministro do STF e afirmam que a posição do governo se limitou a responder a questionamentos sobre como estavam sendo executadas as emendas. A decisão sobre dar mais transparência a essas verbas partiu exclusivamente de Dino, disse um ministro a um jornal.
Entre as medidas expedidas na quinta-feira (1º), Dino determinou que o governo só execute gastos de emendas de comissão que tenham prévia e total rastreabilidade.
As emendas de comissão têm sido usadas pelas cúpulas da Câmara e do Senado para distribuir entre congressistas alinhados um valor de cerca de R$ 15 bilhões neste ano.
O ministro do STF também decidiu que parlamentares só podem destinar emendas aos estados pelos quais foram eleitos, e determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) audite todos os repasses de emendas parlamentares para ONGs e entidades do terceiro setor, de 2020 e 2024, além de todos os repasses de emendas Pix – modalidade de emenda individual que acelera o repasse de recursos diretamente para os caixas da prefeituras de aliados dos parlamentares nos estados.
Em decorrência das decisões, o governo suspendeu o pagamento de todas as emendas de comissão e dos restos das emendas de relator.
O comunicado sobre a suspensão foi enviado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para todos os ministérios, e os oposicionistas ficaram furiosos com o que chamam de “manobra combinada”.
A expectativa no governo é que uma eventual derrubada da suspensão possa ocorrer na terça-feira (6/8). Flávio Dino marcou para esta data nova reunião técnica entre assessores do Supremo, do Congresso Nacional, do governo, do Ministério Público Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União), a primeira dessas audiências foi relatada pelo Blog aqui.
Na reunião serão esclarecidos quais procedimentos todas as partes envolvidas na execução das emendas parlamentares devem adotar para cumprir a decisão.
As emendas parlamentares somam quase R$ 52 bilhões em 2024. Os principais montantes são relativos às emendas individuais (R$ 25,1 bilhões), de comissão (R$ 15,5 bilhões) e de bancadas (R$ 8,5 bilhões). Há ainda R$ 2,7 bilhões de emendas em programações do governo.
Alas do governo divergem em relação à repercussão da decisão de Dino. Alguns comemoraram, mas outros manifestaram preocupação com o que pode ser a reação, principalmente do centrão. O grupo é parceiro formal do governo, mas sua fidelidade é oscilante e ele tem nas emendas o seu principal instrumento de manejo político.
A avaliação é a de que o ministro do Supremo queria alterar o modelo desde que assumiu mandato de senador e fez discursos sobre o tema. Por isso, a leitura é que Dino não desistirá de alterar a forma como algumas emendas são destinadas atualmente.
Em outra frente, dois ministros disseram acreditar que a determinação da corte pode piorar a relação entre Congresso e governo. Isso porque parlamentares veem influência de aliados de Lula na posição de Dino sobre as emendas.
O alcance e os detalhes da decisão monocrática de Flávio Dino ainda são tratados como dúvida entre técnicos do Congresso e mesmo no governo. A expectativa desse grupo é que a reunião da próxima terça-feira sirva para esclarecer como deve se dar a transparência exigida por Dino e o papel de Congresso e da União na mudança de modelo.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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