Não. Não falta dinheiro para a Prefeitura de Parauapebas tocar serviços essenciais básicos para os cerca de 210 mil habitantes aos quais ela serve. No entanto, há um evidente desequilíbrio na partilha do orçamento que se arrasta faz anos. Seja por falta de planejamento orçamentário, seja por excesso de rigor fiscal, o fato é que algumas áreas vêm sendo penalizadas e, antes mesmo de o ano terminar, precisam pedir arrego, quase sempre feito por intermédio das tão mal vistas suplementações.
A Saúde, por exemplo, é a área que mais tem sofrido no tocante à distribuição de recursos do orçamento do Poder Executivo parauapebense. O Blog do Zé Dudu fez um levantamento inédito da Lei Orçamentária Anual (LOA) do município nos últimos exercícios (veja abaixo) e constatou que há três anos consecutivos a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) não consegue fechar as contas sem, antes, passar pela UTI financeira para oxigenar as finanças. A situação da Secretaria, aliás, é a mais grave entre todas as responsáveis por serviços basilares.
Para análise dos dados, o Blog considerou as chamadas “despesas por função” constantes nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREOs) da Prefeitura de Parauapebas. As despesas por função discriminam gastos com áreas específicas (como saúde, educação, urbanismo, saneamento, segurança, transporte) e não por secretarias, uma vez que uma mesma secretaria pode administrar diversas unidades orçamentárias distintas e, daí, a dificuldade em padronizar e sistematizar esse tipo de informação para prestação de constas a órgãos de fiscalização financeira.
R$ 200 milhões não dá para a Semsa
Em 2019, segundo previsto na LOA, a Semsa tem R$ 200,04 milhões para tocar a saúde pública de Parauapebas. Esse valor é maior que arrecadação anual inteira de 88% das 144 prefeituras paraenses. É superior, por exemplo, à arrecadação da Prefeitura de Redenção, que arrecadou R$ 166 milhões líquidos ao longo de 2018, segundo informações declaradas pelo governo local à Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Todavia, embora os R$ 200 milhões administrados pela Semsa pareçam estratosféricos, em nível de Parauapebas é tacanho. E olhe que nem todos os quase 210 mil habitantes estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2019 usam os serviços de saúde pública de fato, porque, conforme divulgado no último final de semana pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 80,4 mil parauapebenses são beneficiários de planos de saúde, o número mais alto do estado depois de Belém (420,3 mil) e Ananindeua (91,8 mil) e justificado pelo elevado número de empregados de empresas privadas que atuam no setor mineral do município.
Acontece que a folha de pagamento da Secretaria Municipal de Saúde é um fardo pesado demais para ela mesma. A prefeitura estima que a despesa com pessoal da Semsa este ano fique em R$ 108,33 milhões, o correspondente a 54,16% do orçamento previsto. Se fosse uma prefeitura, a Semsa teria a 14ª maior folha de pagamento do Pará e estaria tecnicamente acima do limite máximo estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com o funcionalismo.
A questão é que essa previsão é “furada”. No ano passado, por exemplo, foi previsto no orçamento despesa com pessoal da Saúde de R$ 102,29 milhões. Contudo, o ano encerrou com assombros R$ 173,01 milhões liquidados com a folha, o correspondente a 69% da despesa real de 2018, no total de R$ 251,31 milhões.
Orçamentos também são uma furada
Os orçamentos da Saúde são, ano após ano, subestimados, o que causa sérios problemas de ordem social ao município, já que, sem “receita”, a Semsa fica impossibilitada de gastar até com esparadrapo. O Blog constatou que desde 2016 as contas da Secretaria não fecham, sendo preciso apelar para a suplementação — grosso modo, uma espécie de cata-cata de “dinheiro sobrando” em unidades orçamentárias que não conseguem gastar tudo e que, por isso, são alvo de remanejamento de recursos para as pastas que estão em apuros.
Em 2016, início da crise orçamentária na Semsa, foram previstos para o ano R$ 180,19 milhões, mas o exercício encerrou com R$ 186,66 milhões liquidados. Em 2017, ano do retorno de Darci Lermen à Prefeitura de Parauapebas, o orçamento inicial da Saúde era de R$ 155 milhões, porém teve de ser reajustado no quarto trimestre e encerrou em R$ 217,84 milhões.
No ano passado, o orçamento inicial de R$ 190,77 milhões foi estourado em setembro. O RREO do 5º bimestre já trazia os apuros em que a Semsa estava metida e foi preciso uma suplementação para salvar a “pátria”. Ao final do ano, as despesas da Secretaria fecharam em R$ 251,31 milhões, montante superior à arrecadação total de 133 prefeituras do estado e R$ 60 milhões acima do previsto na LOA de 2018.
Por dois anos consecutivos, os gastos da Semsa ficam pelo menos R$ 60 milhões além do previsto e, por isso, seria de bom tom presumir que em 2019 o orçamento deveria ser de, no mínimo, R$ 260 milhões, seguindo-se a tendência de anos anteriores. Matematicamente, em mais um setembro — desta vez em 2019 — a Saúde deve ficar sem dinheiro e vai precisar pedir vitamina B12 ao Poder Executivo para manter o equilíbrio de seu nervoso sistema financeiro. Vale destacar que, entre 2008 e 2018, a Prefeitura de Parauapebas gastou a impressionante quantia de R$ 1,61 bilhão na saúde pública do município, de acordo com o Tesouro Nacional.
Semed também corre risco de sufoco
Outra que também tem sido bastante afetada pela configuração orçamentária do governo Darci é a Secretaria Municipal de Educação (Semed), que precisou pedir a bênção da administração para suplementação em 2017 e em 2018. Juntamente com a Saúde, a Educação é a área mais crítica da gestão municipal, no tocante às finanças, mesmo sendo a Semed a pasta “mais rica”, do ponto de vista da fatia de orçamento com que fica.
Em 2017, a previsão era de que R$ 238,73 milhões seriam suficientes para manter a rede pública municipal de ensino. A conclusão foi o desembolso real de R$ 50 milhões a mais: a despesa total da Semed naquele exercício foi de R$ 288,34 milhões e as contas já não conseguiam fechar direito no final de agosto.
Ano passado, a história se repetiu com valores novos. O governo Darci constou na LOA R$ 272,03 milhões para a Semed por meio das unidades orçamentárias da Secretaria Municipal de Educação, do Fundo Municipal de Educação de Parauapebas (Fumep) e do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Entretanto, para fechar o ano foram necessários R$ 21,5 milhões a mais porque em novembro o orçamento tomou doril.
Este ano, a previsão é de R$ 306,87 milhões para a Educação, que devem ser majoritariamente devorados pela folha de pagamento, estimada em R$ 192,9 milhões, o correspondente a 63% do orçamento. Hoje, a Semed tem cerca de 5 mil alunos a menos que quatro anos atrás. Mas a despesa apenas com o pessoal do magistério, projetada em cerca de R$ 164 milhões, não para de crescer.
Os orçamentos dos serviços de Saúde e Educação parecem ser grandes — e são. Mas se tornam pequenos pelas demandas de si mesmos, em que as despesas com pessoal estão no olho do furacão. E se a Saúde tomasse conta dos 80 mil beneficiários do município que, hoje, têm o privilégio de usar plano de saúde? E se a Educação tivesse os 5 mil estudantes que outrora tivera a mais?
As não muito aparentes questões fiscais, tão cheias de números e no mais das vezes difíceis de entender, revelam o descompasso histórico entre os milhões dispendidos com recursos públicos e a qualidade deles oferecida no município. E reafirmam que nem todo o dinheiro do mundo é suficiente para resolver problemas básicos.