“Pantanal pode desaparecer”, adverte a ministra Marina Silva, em audiência no Senado

A titular da pasta do Meio Ambiente pediu a criação de um marco regulatório para emergências climáticas
2,5 milhões de hectares na Amazônia foram perdidos em menos de um mês

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Em atendimento a requerimento da senadora Leila Barros (PDT-DF), a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado promoveu uma audiência pública nesta quarta-feira (4), convidando a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva, para prestar esclarecimentos sobre as ações do governo federal diante de uma escalada de queimadas e incêndios florestais em biomas, principalmente nas regiões da Amazônia, Cerrado e Pantanal. Este, o menor de todos os biomas brasileiros, é um santuário de biodiversidade, e corre risco de desaparecer, segundo a ministra, caso sejam mantidas as atuais tendências.

Silva explicou que as mudanças climáticas, associadas ao fenômeno de baixa precipitação, altas temperaturas e elevado processo de evapotranspiração, em muito corroboradas pelo aquecimento global, queimadas e desmatamentos que ocorrem no país e no mundo, poderão gerar perdas como o desaparecimento do Pantanal. Por isso, defendeu que o Congresso crie um marco regulatório de emergência climática.

“Não se tratam de incêndios naturais. Se não tivéssemos nos preparado desde janeiro de 2023, teríamos uma situação incontrolável. O esforço feito agora é para empatar o jogo,” afirmou durante a sessão.

E acrescentou que as queimadas são uma “visão inadequada de como fazer uso do fogo” e que o número de brigadistas aumentou durante sua gestão.

Ao citar dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a ministra informou que o Pantanal passa pela maior estiagem dos últimos 74 anos. Para a Amazônia, é a pior dos últimos 40 anos.

“Hoje não dá para fazer política pública de qualquer jeito […] Há uma dinâmica que mudou. Estamos vivendo um novo normal e isso vai exigir do Poder Público capacidade de dar resposta a eventos que não sabemos como vão se desdobrar. Podemos perder o Pantanal até o final do século,” enfatizou.

Marina Silva negou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não esteja priorizando a pauta ambiental e disse que há um “esforço orçamentário enorme” da gestão petista. Ela mencionou que o MMA foi a única pasta não afetada no último corte, apesar de também ter tido recursos reduzidos para o combate ao fogo no orçamento de 2024.

“Houve uma redução do que foi solicitado no Orçamento; teve um corte total de R$ 18 milhões. O governo, criticado, apanha para cortar e depois apanha porque cortou. Mas no último corte, o único ministério não cortado foi o do Meio Ambiente,” disse.

A ministra enfatizou que o tema ambiental “não é uma batalha de direita nem de esquerda”, e sem nomear, criticou a atuação do governo passado, de Jair Bolsonaro (PL). “Peguei o desmatamento numa curva de ascendência de 60%. A situação meteorológica é consideravelmente pior, mas a atuação está incomparavelmente melhor,” relatou.

Também estiveram na audiência os presidentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires.

Audiência pública no Senado, com a participação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva (C)

Incêndios

De acordo com a ministra, o Brasil registrou 68.635 queimadas em agosto de 2024, segundo o monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Este foi o maior número para o mês desde 2010, quando foram computados 91.085 focos de incêndio, e o quinto pior da série histórica, iniciada em 1998.

Em relação ao último ano, que registrou 28.056 pontos de fogo em agosto, o aumento foi de 144%. Tradicionalmente, este é o mês inicial do período de queimadas no Brasil, que segue até outubro. O pico costuma ser registrado em setembro.

No somatório do ano, a quantidade de queimadas também é a maior em 14 anos: 127.051 focos – 54% do total só em agosto.

Mato Grosso, Pará e Amazonas lideram o ranking. Somados, os três estados concentram 56% dos incêndios no país. Todos estão na Amazônia Legal – que tem 49,7% dos focos – e, em parte, no Pantanal (o sudoeste mato-grossense) – com 30,9% dos focos.

A previsão do Ibama é de que ambos os biomas permaneçam em situação crítica pelos próximos dois meses.

Focos de calor até 31 de agosto, por bioma

  • Amazônia: 63.189;
  • Cerrado: 39.312;
  • Mata Atlântica: 11.699;
  • Pantanal: 9.167;
  • Caatinga: 3.381;
  • Pampa: 303.

O município brasileiro mais afetado foi Corumbá (MS), com 4.395 focos. É seguido por Apuí (AM), com 3.769 registros, e São Félix do Xingu (PA), com 3.088 queimadas.

Todos os biomas foram atingidos por incêndios florestais neste ano

Seca

Ainda de acordo com Silva, na última semana, o Cemaden informou que 16 estados e o Distrito Federal registraram, em 2024, o período mais seco dos últimos 44 anos, situação que tem dificultado o controle de incêndios. 

Ela citou o governo do Mato Grosso, que declarou situação de emergência no estado na última sexta-feira (30) pelo período de 180 dias, por causa da seca severa e dos incêndios florestais que atingem a região.

A Reportagem do Blog do Zé Dudu publicou que antes, em 28 de agosto, o governador Helder Barbalho (MDB) foi o primeiro a decretar a proibição de queimadas em todo o território paraense, também pelo prazo de 180 dias.

Com os decretos estaduais, as autoridades coordenadas pelo governo estaduais podem adotar todas as medidas necessárias para prevenir e combater os incêndios florestais. Além de realizar compra de bens e materiais, por exemplo, com dispensa de licitação.

Causas

Marina Silva atribui como causas para o aumento exponencial do número de queimadas e incêndios em 2024, a seca e a estiagem – comuns ao chamado “inverno brasileiro” – que afetam grande parte dos municípios, abrangendo estados localizados a partir do Centro-Oeste, sentido sul do Brasil. A temporada teve início em junho e segue até o final de setembro. No entanto, a intensidade em que ocorrem na estação este ano é atípica.

São dois os fatores que mais impactam no cenário:

  • Fortes ondas de calor – foram seis desde o início da temporada, segundo o Cemaden. Por outro lado, as ondas de frio foram somente quatro;
  • Antecipação da seca – em algumas regiões do Brasil, o período de seca começou antes do inverno. Na amazônica, por exemplo, a estiagem se intensificou quase um mês antes do previsto, já no início de junho.

Estiagem na Amazônia

Na região da Amazônia, a seca toma formas preocupantes. Os municípios enfrentam cerca de um ano de estiagem, na seca mais longa já registrada. São três as principais causas:

  • Intensidade do El Niño – o regime de chuvas foi impactado pelo fenômeno que aquece as águas do Oceano Pacífico. Ele teve o pico no início de 2024 e influenciou o começo da seca;
  • Aquecimento anormal das águas do Atlântico Tropical Norte – a temperatura na região marítima, que fica acima da América do Sul, chegou a aumentar de 1,2 °C a 1,4 °C em 2023 e 2024;
  • Temperaturas globais recordes – em julho, o mundo bateu o recorde de maior temperatura já registrada na história. O cenário cria condições para ondas de calor mais fortes.

“Se continuar o mesmo fenômeno em relação ao Pantanal, o diagnóstico é de que poderemos perder o Pantanal até o fim deste século. Isso tem um nome: baixa precipitação, alto processo de evapotranspiração, não conseguindo alcançar a cota de cheia, nem dos rios nem da planície alagada. E, portanto, a cada ano se vai perdendo cobertura vegetal. Seja em função de desmatamento ou de queimadas. Você prejudica toda a bacia e assim, segundo [os pesquisadores], até o final do século nós poderemos perder a maior planície alagada do planeta,” relatou a ministra.

Presidente da CMA, a senadora Leila Barros afirmou que “as queimadas que assolam o nosso território são um reflexo direto do cenário de emergência climática que enfrentamos”. A parlamentar homenageou o brigadista Wellington dos Santos, que perdeu a vida no Parque indígena do Xingu (MT), enquanto lutava contra o fogo.

Marina Silva afirmou ainda que os processos de seca estão se tornando cada vez mais intensos, mais severos e frequentes. Ela apontou que apenas dois estados da federação não foram afetados por escassez hídrica severa, sendo que nove estão em situação crítica.

Ela defendeu o governo Lula e destacou os resultados positivos a partir do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e no Cerrado (PPCerrado), com aumento da contratação de brigadistas em ação (previsão de chegar a 3 mil), e o recém-lançado Plano de Transformação Ecológica.

Marco Regulatório de Emergência Climática

A ministra do Meio Ambiente defendeu que o Congresso crie um marco regulatório de emergência climática, diante dos 1.942 municípios em situação de risco climático extremo.

Segundo ela, há mudança do perfil dos incêndios na Floresta Amazônica, que vem perdendo umidade e que, com isso, poderá se tornar vulnerável aos incêndios naturais. Hoje, 27% das áreas queimadas na Amazônia estão em áreas com atividade agropecuária e 41% em áreas de vegetação não florestal. Além disso, 32% das queimadas acontecem em áreas de vegetação florestal, onde o percentual, até pouco tempo, não passava de 18%. Cerca de 85% dos incêndios ocorrem em propriedades privadas e 15%, em terras indígenas ou unidades de conservação estadual e federal.

“Isso significa que nós estamos num processo severo de mudança do clima e a floresta [está] sendo queimada, seja em função de ação humana ou dos eventos naturais,” disse. Silva reforçou que os meteorologistas apontam que atualmente os incêndios não são provocados em sua maioria por ignições causadas por raios ou relâmpagos.

Dados de queimadas no Brasil, a partir do governo FHC até hoje (Fonte: Inpe)

Questionamentos

A senadora Rosana Martinelli (PL-MT) manifestou preocupação com a manutenção do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diante das questões ambientais. “Nós sabemos que o meio ambiente é importantíssimo, mas não podemos parar as obras estruturantes que o próprio governo colocou no PAC,” expôs.

Sobre isso, a ministra respondeu que é preciso encontrar caminhos para evitar os efeitos indesejáveis das mudanças que precisam ser feitas.

O senador Flavio Azevedo (PL-RN) questionou os cortes orçamentários do governo atual para o Ministério do Meio Ambiente. “A diferença é tão grande, para um assunto tão importante, que me assusta,” disse.

Marina Silva enfatizou que são feitos cortes em todos os ministérios para se cumprir o teto de gastos, mas que o MMA foi o único que não sofreu redução recentemente. Ela explicou que, para o combate ao fogo, foram empregados em 2022, no governo anterior, R$ 60 milhões. O valor subiu a R$ 89,3 milhões em 2023 e R$ 111,3 milhões em 2024, mas com corte de R$ 18 milhões pelo Congresso que deveria ser destinado ao Ibama e ao ICMBio.

Segundo a senadora Teresa Leitão (PT-PE), é evidente a transcendentalidade entre os ministérios na preocupação com o meio ambiente.

“Por mais legislações e rigor nas legislações que tenhamos aprovado, é difícil lidar com a ação criminosa. Os mecanismos de fiscalização, esses sim, ainda são incompletos. (…) No caso das queimadas, dos incêndios, temos que investigar. Isso mata e coloca em risco a vida humana, animal e vegetal,” afirmou a senadora.

Já o senador Jaime Bagattoli (PL-RO) negou que os produtores rurais tenham interesse em colocar fogo em suas terras. Para o parlamentar, 30% a 40% dos incêndios começam nas beiras de rodovias, por isso, é preciso atuar nessas áreas, fazendo aceiros (desbaste de um terreno) de três a quatro metros para dentro já no mês de maio, de forma a prevenir as queimadas.

Bene Camacho (PSD-MA) defendeu o diálogo com as classes produtivas, “não construindo muros, mas construindo pontes”.

Fabiano Contarato (PT-ES) disse que o governo anterior “queria acabar com meio ambiente” e que as ações tomadas abalaram a relação do Brasil com outros países, inclusive com a interrupção de doações feitas por algumas nações para a área ambiental.

“Nós tivemos um vilipêndio do direito ambiental no Brasil, nós tivemos um desmonte do Ministério do Meio Ambiente, que impactou a relação do Brasil com o mundo. (…) Defender o direito ao ambiente é defender toda e qualquer forma de vida,” declarou o senador.

Por Val-André Mutran – de Brasília