Entre pressupostos de não respeito ao isolamento social para conter a pandemia do novo coronavírus e da intensa circulação diuturna dos trabalhadores das minas de Carajás, que se aglomeram em ônibus, a Covid-19 deixa um rastro horripilante em Parauapebas, município que se tornou o epicentro da pandemia no interior do Pará.
Nele, onde a mineradora multinacional Vale não para um segundo a fim de bater metas de produção, tendo retirado 2,5 bilhões de toneladas do melhor minério de ferro do globo ao longo de 35 anos, o número de casos confirmados é alarmante para uma população estimada em aproximadamente 209 mil habitantes.
Nesta segunda-feira (27), com 109 casos de Covid-19 e sete óbitos atestados até as 17h45, Parauapebas ocupa 3º lugar no Pará e 70º no Brasil em números gerais de positivados pelo coronavírus. As posições simulam seu destaque econômico no país, já que é o 3º que mais exporta e tem uma das 70 prefeituras mais ricas, tudo isso em meio a 5.570 municípios. Mas essa corrida acelerada para registrar casos da Covid é inglória e gera desconforto.
Inclusive, se for considerado o porte populacional de Parauapebas (5º mais populoso do Pará e 149º no Brasil), verifica-se que a “Capital Nacional do Minério de Ferro”, em franca transmissão comunitária do vírus, está em plena efervescência do inimigo invisível e letal, com média de um caso confirmado para cada grupo de 1.970 pessoas.
E a estatística pode ser ainda pior, a julgar por suspeitas de profissionais de saúde, segundo os quais o total de casos reais certamente esteja dez vezes acima do total de confirmações, o que caracteriza subnotificação de registros. É que nem todas as pessoas que têm sintomas clássicos da Covid-19 — como a falta de ar — são testadas, e mesmo as que são nem sempre são positivadas, em razão de fazerem teste fora do período de carga viral suficiente para obter um resultado positivo no diagnóstico.
Tradição operária turbina o vírus
Uma das suspeitas para que o coronavírus tenha encontrado campo fértil na terra do minério está no comportamento de uma parte da população, que tem ignorado as recomendações de distanciamento social e confinamento, medidas eficientes para evitar a disseminação do contágio. No último domingo (26), o Pará se tornou o estado número 1 no cumprimento do isolamento social, com taxa de 60,57%. O ideal preconizado pelos órgãos oficiais de saúde é de 70%.
Mas Parauapebas está longe desse ideal, já que a taxa de isolamento municipal está estacionada em 55%, abaixo da média estadual. E não deve conseguir alcançar o ideal mínimo, visto que, por sua tradição operária, a circulação de trabalhadores não para. No município, 37 mil pessoas estão formalmente empregadas na iniciativa privadas, 7.300 delas apenas na indústria mineral. Embora a Vale, por medida de precaução, tenha adotado trabalho remoto e mandado para casa empregados do grupo de risco, a esmagadora maioria de seus profissionais, que atuam na operação, segue subindo para as minas de Serra Norte e, invisivelmente, contaminando e sendo contaminado.
Considerada por muitos habitantes um vetor ativo de transmissão do coronavírus em Parauapebas, a Vale, por outro lado, está erguendo no município um hospital de campanha com 100 leitos para atender pacientes de Covid e tem feito doação de equipamentos de proteção individual (EPIs), além de kits de testes rápidos. Mas em Parauapebas, onde ela movimentou entre janeiro e março deste ano R$ 7,48 bilhões em minérios, a situação de transmissão da Covid é crítica.
Situação dos outros mineradores
O Blog do Zé Dudu levantou que nos 20 municípios com maiores operações minerais do país este ano, grande parte com a presença da Vale, Parauapebas é disparado o campeão em Covid. Bate com larga folga Marabá, que tem 70 mil habitantes a mais e até o momento registra 13 casos e quatro óbitos. Nesse conjunto de municípios, Parauapebas sozinho responde por 44% dos óbitos e por 43 dos casos confirmados até o momento, o que revela a descontrolada disparada no maior produtor de recursos minerais do país.
Porém, a Vale não parece ser problema em outros lugares onde está presente e com atividade intensiva também. Em Itabira (MG), por exemplo, que tem pouco mais da metade da população de Parauapebas, só há oito casos e apenas um óbito. O município minerador com maior número de casos depois de Parauapebas, Nova Lima (MG), sequer tem a presença da gigante do minério de ferro.
Esse outro recorte pode pôr em cheque a hipótese de que a Vale, e somente ela, seja responsável pela alta taxa de incidência de Covid na capital do minério, desconsiderando o hábito de boa parte da população que tem dificuldade de cumprir orientações preventivas, como ficar em casa até a pandemia baixar.
Nesta segunda-feira, aliás, manifestantes queriam se aglomerar e fazer carreata em prol da reabertura do comércio da cidade. Mas a justiça, acionada pelo Ministério Público, entrou em ação rapidamente e proibiu a realização do ato, estourando mais um foco de disseminação e proliferação potencial da doença. Na cidade que não para e onde a Covid-19 não descansa, nem todo mundo está disposto a contribuir.
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