Só mesmo um milagre para que a produção física de minério de ferro na Serra Norte de Carajás, dentro dos limites de Parauapebas, ultrapasse 104 milhões de toneladas (Mt) nestes dois meses que faltam para o ano acabar. Se não conseguir produzir mais que 104,89 milhões de toneladas, produção registrada em 2013, Parauapebas renderá em 2019 o menor volume de minério de ferro da década.
A informação foi levantada com exclusividade pelo Blog do Zé Dudu, que analisou os números de produção física da commodity em Parauapebas, onde mineradora multinacional Vale é titular da lavra. Os dados foram divulgados no início desta semana pelo Ministério da Economia, e o Blog apurou que, de janeiro a outubro, foram lavrados do município 83,87 milhões de toneladas, uma média de 8,39 Mt mensalmente.
Considerando-se a média anual, a produção deste ano poderá ser encerrada em 100,65 milhões de toneladas — o que poderá chegar a 102 Mt com os ajustes contábeis efetuados pela mineradora, já que seus números nunca batem cem por cento com os anunciados pelo Ministério da Economia. Se, no entanto, for considerado o ritmo de produção do quinto bimestre, de 9,55 milhões de toneladas em média, o exercício de 2019 será encerrado com 102,97 milhões de toneladas — ou aproximadamente 105 Mt com o fator de ajuste.
Ritmo mais lento. É o fim do minério?
Não, a produção física mais fraca da Vale em 2019 não é — ainda não — em decorrência da exaustão das reservas na Serra Norte de Carajás. Os atuais corpos em lavra (N4E, N4W e N5) têm exaustão estimada para o período compreendido entre 2028 e 2035, segundo a Vale. Eventualmente, com a exploração de três corpos ainda intactos, N1, N2 e N3, a exploração de minério pode ir até 2042.
Segundo a última indicação pública de volume medido, provado e provável das jazidas atualmente exploradas em Parauapebas feita pela Vale, por meio de seu Relatório 20F de 2014, àquela época havia 1,37 bilhão de toneladas de minério de ferro em N4W, com previsão de exaustão em 2033; 937,1 milhões de toneladas em N5, com vida útil até 2035; e 325,2 milhões de toneladas em N4E, com duração até 2028. Ao todo, as reservas somavam 2,64 bilhões de toneladas.
De lá para cá, a Vale já extraiu de Parauapebas 630 milhões de toneladas (o Blog fez as contas: 127,6 Mt em 2016; 143,6 Mt em 2016; 142,7 Mt em 2017; 131,5 Mt em 2018; e 83,87 Mt em dez meses de 2019). Essa corrida pelo metal impõe uma nova dinâmica na calculadora, de modo que a Vale estima haver hoje em Serra Norte 2,17 bilhões de toneladas de minério de ferro, mas isso levando em consideração as jazidas ainda não exploradas de N1, N2 e N3, que não entravam no cálculo até 2016.
O Blog do Zé Dudu visitou o site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e verificou que, visando à exaustão das atuais reservas em Parauapebas, a Vale está preparando a abertura das cavas de N1 e N2, com capacidade nominal de lavra de 40 milhões de toneladas. A Ficha de Caracterização de Atividade (FCA) data de 7 de julho de 2017. Desde então, o processo vem se arrastando silenciosamente. Juntas com N3, e por terem volume infinitamente menor que os atuais corpos de N4E, N4W e N5, as cavas ainda intactas só suportariam o atual pique da multinacional por, no máximo, seis anos — é por isso que a empresa esticou a projeção de exaustão de 2035 para algo entre 2041 e 2042 na revisão anual.
Baixa estratégica para aumentar Canaã
A baixa da produção mineral em Parauapebas este ano é meramente estratégica e acompanha o aumento explosivo da produção na Serra Sul, dentro dos domínios de Canaã dos Carajás. É, na verdade, uma mexida que mescla conhecimentos técnicos de engenharia e teóricos de geografia, visto que há um rearranjo na dinâmica territorial da produção física, que pela primeira vez se desconcentra da Serra Norte e aponta arsenal à Serra Sul, para onde a Vale vai marchar saltitante com vistas a aumentar a capacidade nominal na mina de S11D a partir de 2021. Prova disso é sua pressa em erguer uma nova ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins, em Marabá, para dar fluidez à atividade.
Neste momento, a Vale não é boba a ponto de despejar e sufocar o mercado com volumes elevados, gerando caos nos preços internacionais. Pelo contrário, baixando a produção em Parauapebas e aumentando em Canaã, ela equilibrou sua produção em Carajás e surfou na onda do preço elevado do minério, cuja cotação da tonelada chegou a 127,15 dólares em julho e hoje se encontra na casa dos 87 dólares.
Na vizinhança, o município de Canaã dos Carajás produziu em dez meses 56,66 milhões de toneladas de minério de ferro e deve encerrar o ano com produção próxima a 70 Mt. Canaã, cuja produção de minério de ferro ultrapassou pela primeira vez a de Parauapebas no mês de maio, como anunciou em primeira mão o Blog (relembre aqui), deverá trazer muito problema a Parauapebas num futuro próximo, uma vez que sua produção será maior e fará com que fontes importantes de receitas da capital do minério (como royalties, impostos e taxas afins) caiam bruscamente, com o dedinho do processo natural de exaustão das minas.
Todo esse cenário parece inacreditável, uma vez que este ano Parauapebas alcançou arrecadação recorde, impulsionada pelos royalties de mineração cada vez mais robustos, mas em 2020, com a estabilidade dos preços do minério de ferro, os royalties serão ao longo do ano metade do que é hoje. Até o final da década que vem, e sem uma alternativa econômica à mineração que lhe sustente, a receita de Parauapebas será metade do que é hoje, enquanto a de Canaã dobrará.
É o tempo em que três eleições municipais distintas deverão ocorrer, e algum dos eleitos precisa começar a planejar os municípios — principalmente Parauapebas — para enfrentar o fim da atividade mineral. Antes tarde que nunca.