Brasília – Passadas 48 horas de um ato político conjunto organizado pela Centrais Sindicais em São Paulo pelo transcurso do Dia do Trabalho, partidos políticos paulistas recorrerão à Justiça em razão das declarações do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e pronunciamento em cadeia de Rádio e TV do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, por propaganda eleitoral antecipada, uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político e econômico. Dependendo das provas apresentadas, a justiça eleitoral pode aplicar multa e até declarar a inelegibilidade de Guilherme Boulos (Psol-SP) e Lula.
A ação do MDB acusará o presidente de fazer campanha antecipada para a candidatura do deputado federal Guilherme Boulos à prefeitura da capital. Lula pediu expressamente votos a Boulos nesta fase de pré-campanha eleitoral durante o ato de quarta-feira (1º), cujo público era diminuto.
Na quinta-feira (2), o prefeito Ricardo Nunes (MDB), pré-candidato à reeleição, o senador e ex-ministro Ciro Nogueira, principal líder do PP, e a cúpula do Novo já entraram com ações contra Lula. Já o PSDB paulista também processará na justiça eleitoral o ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
O MDB, partido do prefeito de São Paulo, o Novo, partido da pré-candidata Marina Helena, e o PSDB apresentaram ações ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), alegando que o presidente realizou propaganda antes do período de campanha. Segundo o MDB, o ato do presidente teve “inteira concordância e anuência de Guilherme Boulos, que se engajou claramente no ilícito praticado em seu favor”.
Ação contra pronunciamento oficial do ministro do Trabalho
O PSDB nacional informou que vai apresentar ação na Justiça contra o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, por causa do pronunciamento oficial da pasta, transmitido na terça-feira (30), véspera do Dia do Trabalho. No vídeo, Marinho cita o nome do presidente Lula cinco vezes. Para o partido, ele “agiu muito mais como militante do partido do presidente” do que como ministro de Estado.
Os tucanos apontam que houve uso indevido de rede nacional de rádio e televisão para promoção pessoal de Lula e quer que os responsáveis sejam punidos com multa e devolução de valores. O partido alega que, ao citar o presidente, a pasta afronta a Constituição e o princípio da impessoalidade. A ação deve ser apresentada nesta sexta-feira (3). O ministério disse que vai analisar o teor da ação, e que a Advocacia Geral da União (AGU) deverá se manifestar, se for o caso.
Em nota, o PSDB nacional afirma: “O PT, mais uma vez, demonstra ter enorme dificuldade em separar o que é interesse público do que são seus próprios interesses. O pronunciamento para promover a pessoa do presidente da República e o ‘nosso governo’ citado outras tantas transformou o que deveria ser um espaço institucional em propaganda política e pessoal,” diz trecho do comunicado assinado pelo presidente nacional da sigla, Marconi Perillo (GO), e pelo deputado federal Aécio Neves (MG).
Interpretações
Há diferentes interpretações de advogados especialistas em legislação eleitoral – todos concordam que haverá desdobramentos legais, mas discordam da gravidade dos atos de Lula e das punições que podem acarretar aos dois. Como as candidaturas ainda não estão registradas, as infrações supostamente cometidas seriam de menor potencial a ponto de desequilibrar a disputa eleitoral pela prefeitura que detém o terceiro maior orçamento público do Brasil. Enquanto outra corrente de advogados opina que os supostos crimes foram deliberadamente planejados e uma afronta à Constituição.
Lei eleitoral
O pedido explícito de votos a um pré-candidato é proibido pela Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). O artigo 36-A diz que não configura propaganda eleitoral antecipada “a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos”. No entanto, reforça que isso só é permitido “desde que não envolva pedido explícito de voto”. No ato de quarta-feira, o discurso do presidente Lula pediu votos a Boulos, chamando o deputado de candidato, apesar do período de convenções e registro de candidaturas só começar em julho. O presidente afirmou que “ninguém derrotará” o deputado e disse que os seus eleitores de 2022 deveriam escolher o pré-candidato do Psol nas eleições de outubro.
“Ele está disputando com o nosso adversário nacional, ele está disputando contra o nosso adversário estadual e ele está disputando contra o nosso adversário municipal. Então, ele está enfrentando três adversários e, por isso, eu quero dizer para vocês, ninguém derrotará esse moço aqui se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo nas próximas eleições. E eu vou fazer um apelo, cada pessoa que votou no Lula, em 1989, em 1994, em 1998, em 2006, em 2010 e em 2022, tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo,” disse. Tudo está registrado em vídeo transmitido pelas contas oficiais do governo federal e no perfil do próprio presidente. A justiça atendeu pedido do partido Novo e ordenou a retirada do vídeo, mas o estrago já estava feito.
A campanha eleitoral começa no dia 16 de agosto, ou seja, candidatos e aliados só podem fazer pedidos explícitos de votos a partir desta data.
A Lei das Eleições impede que aliados peçam votos a pré-candidatos, mas permite que eles solicitem apoio ou valorizem as qualidades pessoais dos políticos que pretendem disputar as eleições. Para especialistas em Direito Eleitoral, Lula poderia escapar de uma infração se mudasse o tom do discurso feito no ato em São Paulo.
Pode pedir apoio, não pode pedir voto. Se o presidente tivesse trocado todo o discurso e tivesse pedido apoio ao Boulos, não teria nenhum comprometimento e nenhuma ilegalidade. Ele errou quando pediu voto e a lei diz que, neste momento, não pode fazer pedido explícito de voto.
Punições na pré-campanha
No caso de pedido explícito de voto no período pré-eleitoral, a Justiça Eleitoral prevê a punição com multa de R$ 5 mil a 25 mil. Tanto Lula quanto Boulos podem ser condenados. O petista por ser o autor do pedido de votos e Boulos por ter sido o político beneficiado pelas declarações.
De acordo com Vânia Aieta, coordenadora nacional da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), em entrevista a um jornal de São Paulo, é possível que os dois sejam punidos com o valor mais alto. “Considerando a amplitude de lugar, no dia 1º de Maio, certamente o tribunal pode multar na pena máxima, de R$ 25 mil,” explicou.
Candidatura de Guilherme Boulos
Há duas correntes de interpretações de especialistas da Lei Eleitoral que divergem sobre a possibilidade de a candidatura de Boulos ser cassada por conta do pedido de votos feito por Lula. Após a veiculação do discurso, opositores do governo federal defendem a anulação da campanha do deputado, além da inelegibilidade do presidente por abuso de poder econômico e político.
Para o advogado eleitoral Fernandes Neto, as declarações de Lula não tiveram “gravidade suficiente para justificar uma condenação por abuso de poder político, econômico e dos meios de comunicação”, mesmo com o uso de recursos públicos para custear o evento e a transmissão ao vivo feita pela TV Brasil, veículo oficial do governo e mantido com verbas públicas.
Interpretação diferente do advogado eleitoralista Adriano Soares da Costa, autor do livro “Instituições de Direito Eleitoral”, que avalia que a conduta de Lula foi grave e abre margem para enquadrá-lo nos ilícitos eleitorais de abuso de poder econômico e político e uso indevido dos meios de comunicação, que, por extensão, também atingiriam Boulos por ter sido o beneficiário de eventuais condutas vedadas.
“Isso pode configurar abuso de poder político e de poder econômico pelo uso dos recursos públicos. O uso da TV Brasil gera, em tese, o uso indevido dos meios de comunicação social,” afirmou. “Só a fala do Lula seria mera propaganda eleitoral antecipada e geraria multa. O problema é o contexto da fala. Se ele faz essa fala numa entrevista ou numa reunião que não envolvesse recursos públicos, seria propaganda eleitoral antecipada. Mas tem a utilização de recursos públicos”.
Soares da Costa também apontou que a conduta de Lula foi agravada pelo fato de ter sancionado o reajuste da tabela do Imposto de Renda durante o evento com as centrais sindicais. Ele ainda frisou que os sindicatos são vedados pela lei eleitoral de investir recursos em atividade política, sob o risco de incorrer em gasto indevido cuja pena é a inelegibilidade. “Tanto a Lei Rouanet quanto o gasto sindical não poderiam ser utilizados em evento eleitoral. Foi em ambiente privado, só que ele [Lula] praticou ato público em benefício dos trabalhadores mudando a tabela de imposto. Aquilo que seria eminentemente privado, passou a ser incorporado como evento de governo,” avaliou.
O advogado explica que uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) só pode ser instaurada para apurar o caso após o registro de candidatura de Boulos. Esse tipo de processo pode culminar na inelegibilidade do autor e do beneficiário da infração.
Já para Vânia Aieta, as chances de Boulos ter a candidatura prejudicada são mínimas. A especialista também não enxerga a possibilidade do fato provocar a inelegibilidade do presidente. “Pode ter a incidência de uma conduta vedada, mas eu sustento tese de que continuaria sendo uma pena de multa. Seria uma pena mais arrojada, mas também não chegaria a implicar em cassação da futura candidatura. Também seria um absurdo uma futura inelegibilidade do Lula,” afirmou.
Presente
Sob o ponto de vista político, o discurso do presidente com desdobramentos na justiça eleitoral terá consequências e serão o tema principal dos embates na próxima semana em Brasília. Está convocada desde a semana passada uma sessão conjunta com deputados e senadores para apreciar os Vetos Presidenciais numa pauta que pode ser desfavorável ao governo, que tem grande chance de sair derrotado em várias vedações assinadas pelo presidente Lula.
Os oposicionistas ao governo dizem, reservadamente, que Lula os presenteou com o que chamam de “desatinos”, ao “dar de mão beijada, munição pesada para os ataques que não terão como ser defendidos”, dizem.
Por Val-André Mutran – de Brasília