Aos 50 anos de idade, José de Souza Bezerra Filho está tão eufórico quanto um jovem que dá um beijo na namorada pela primeira vez. No caso dele, a relação de amor é com uma nova perspectiva que se abre para sua vida, depois de ter conseguido uma nota no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que lhe garantiu uma vaga no curso de Letras da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará).
Cego desde os 4 anos de idade, José era aluno do CAP (Centro de Atenção Psicossocial) e também do CEEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos), que funcionam lado a lado na Rua Ubá, em frente à sede da Justiça Federal, na Agrópolis do Incra, em Marabá. Ele é natural de Santa Inês-MA e chegou a Marabá pela primeira vez em 1982, aos 14 anos de idade.
Uma palavra pode definir bem a sua biografia: SU-PE-RA-ÇÃO. Assim mesmo, em maiúsculo e com cada sílaba pronunciada separadamente para dar ênfase aos muitos desafios que já enfrentou em meio século de (r)existência.
Aos quatro anos de idade, em Santa Inês, José sofreu um acidente doméstico que lhe marcaria para toda a vida. Um grupo de pessoas manipulava palhas de coco babaçu para cobrir uma casa e ele atravessava correndo a rua, quando a ponta de uma palha furou o seu olho direito e ele ficou cego por seis meses, mas depois conseguiu recuperar a visão.
Aos 23 anos foi a São Paulo fazer uma cirurgia de catarata do olho esquerdo e ficou enxergando razoavelmente. Aos 33, sofreu um descolamento de retina do olho que havia sido afetado pela ponta da palha. Foi a Terezina-PI, fez cirurgia e voltou a enxergar normalmente. Três anos depois o nervo óptico do mesmo olho estourou e ele perdeu a visão totalmente, embora tenha se submetido a nova cirurgia.
Em 2013, José retornou para Marabá e conheceu o CAP, onde sua vida ganhou um novo rumo com o auxílio de uma equipe multidisciplinar de profissionais que o ajudaram a melhorar seus conhecimentos. “Com tantos problemas na vista ao longo de minha vida, eu só havia estudado o básico, em casa. Sabia ler, escrever e fazia as quatro operações básicas de matemática”, confessa.
José Bezerra diz que conseguiria andar sozinho pela cidade, mas que teme ser assaltado. Para ir ao CAP três vezes por semana, por exemplo, conta com ajuda de um ônibus da SEMED, que passa na Folha 7, onde ele reside e o leva ao Centro de Apoio. “Aqui eu me sinto em casa, seguro. Na rua, meu celular fica entocado porque tenho medo de ser roubado”.
Com o auxílio do professor Edinaldo Bonfim Sales, do CAP, José foi alfabetizado em Braille. E foi com essa ajuda que ele estudou o ensino fundamental, ensino médio e, no final do ano passado, fez a prova do ENEM, conseguindo aprovação para o curso de Letras na Unifesspa. “Mas também recebi apoio de vários outros professores, como a Lucilene de Souza”, relembra.
Para responder a prova do Exame Nacional, ele precisou da ajuda de duas leitoras, que se revezavam na leitura das questões e também nas respostas. “Mandaram a prova em Braille, mas o livro era muito grosso e cinco horas não seriam suficientes para responder a tudo”, diz, orgulhando-se de ter conquistado a primeira vaga daquela universidade pública para pessoa com deficiência.
Ele já calcula que deverá sair da Unifesspa com 55 anos de idade e avalia o conhecimento que adquirir vai ajudá-lo a escrever mais livros de poesias, uma nova conquista alcançada enquanto aluno do CAP. “Eu já escrevi um livro, que foi ‘A minha vida em poesia’, que tem versão em Braille e em Língua Portuguesa”. Além disso, dois poemas meus foram selecionados para uma coletânea de poemas de todo o Estado.
Mas o grande desafio de José, segundo ele mesmo, é encontrar o amor de sua vida. E isso está manifestado claramente em praticamente todos os poemas de “A minha vida em poesia”. Isso pode ser confirmado no poema “Os olhos do coração”:
“Os meus olhos não podem te ver
As minhas mãos não podem te alcançar,
Mas o meu coração
pode te sentir e te desejar.
Espero ansioso que um dia
o meu amor possa, enfim, te tocar.
E quando o seu coração
Esse grande amor aceitar
Juntos, então, ficaremos unidos por esse amor.
Em um só nos tornaremos
E enfim, no paraíso, por toda a eternidade
Com alegria brindaremos a nossa felicidade”.
Nas palavras de José Bezerra, “cada poesia é um convite para encontrar o amor da minha vida. Por último, já me disseram que seu não casar na faculdade, não caso mais nunca (risos!)”.