Brasília – A proposta de Emenda à Constituição (PEC 199/2019) que prevê o cumprimento de pena após condenação em segunda instância deve enfrentar dificuldades para ser aprovada pelo Congresso. O texto enfrenta resistências de diferentes campos ideológicos. Em audiência virtual sobre o assunto, o ex-ministro Sergio Moro lamentou a falta de empenho do governo para aprovar a proposta de emenda constitucional que muda definitivamente o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
A cada dia que passa fica claro a sabotagem que muitos parlamentares com contas a prestar na Justiça e a ala que defende “Lula Livre” para implodir a matéria.
Segundo o relator da proposta, deputado Fábio Trad (PSD-MS), há resistências tanto por parte dos partidos de esquerda quanto dos aliados do governo. Por isso, foi preciso incluir, no substitutivo ao projeto original, que a mudança só valha para novos processos e que a ampliação para a esfera não penal fique para um segundo momento. Com isso, o ex-presidente Lula da Silva e membros de seu governo condenados por corrupção, lavagem de dinheiro dentre outro rosário de crimes continuariam livre do alcance da lei e seus crimes sem punição.
“Não conseguiremos obter mais de 100 votos se fizermos com que a incidência dos efeitos se implemente imediatamente em todas as áreas, penal e não penal”, disse o relator ao justificar porque foi praticamente obrigado a mudar o parecer original que previa efeitos retroativos da nova lei caso venha a ser aprovada.
A constatação foi feita durante seminário virtual na terça-feira, 27, promovido pela Secretaria de Relações Internacionais da Câmara. O debate se concentrou na chamada “PEC da Segunda Instância”. Os participantes defenderam a aprovação da proposta como instrumento de combate à corrupção.
O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, lamentou que o governo não esteja empenhado no tema. Ele é de opinião que a modificação na lei já valha para os casos pendentes, mas afirma que o marco temporal pode ser modificado para facilitar a aprovação. Moro acrescentou que o grande número de recursos sobrecarrega o sistema, relatando que 300 mil novos processos chegam por ano ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e 50 mil ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não se justifica travar toda a efetividade do sistema, gerando impunidade — e normalmente é uma impunidade seletiva, nós normalmente estamos falando aqui em impunidade dos poderosos, política e economicamente — em detrimento dos direitos da vítima e da sociedade. Isso vale para todos os crimes: crimes de sangue, crimes de colarinho branco, crimes patrimoniais, enfim, todo o espectro aí da criminalidade”, disse Sergio Moro, ex-xerife da Lava-Jato e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.
Moro reiterou que a prisão depois da segunda instância não afeta a presunção de inocência garantida pela Constituição. Ele fez comparações com os sistemas judiciais da França e dos Estados Unidos, onde a regra é ainda mais rígida, uma vez que a prisão ocorre depois de condenação no primeiro julgamento.
O juiz Bruno Bodart, que também participou da discussão, detalhou o sistema norte-americano, onde as regras sobre a prisão provisória variam de estado para estado e onde há o sistema chamado “plea bargain”, os acordos criminais negociados. Moro quando foi ministro da Justiça encaminhou esse artigo na Lei Contra o Crime Organizado, mas os parlamentares retiraram o artigo.
“Uma vez condenado, é muito raro que o réu, nos Estados Unidos, permaneça em liberdade. Os recursos são escassos, não há um direito constitucional a recorrer e a decisão da corte recursal normalmente é definitiva. Não existe ou é muito raro um recurso ir para a Suprema Corte, o que acaba abreviando o caminho recursal no processo penal americano”, explicou o juiz Bruno Bodart.
O representante da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, afirmou que a corrupção no país é sistêmica e que o Estado, ao mesmo tempo, viola direitos da parcela mais vulnerável da sociedade, enquanto garante impunidade à elite. Ele lembrou que os compromissos que o país fez em fóruns internacionais anticorrupção serão reavaliados em 2021 e que o bom funcionamento do sistema judicial também atrai grandes investimentos.
Durante o seminário, o autor da proposta de emenda à Constituição que prevê prisão depois da condenação em segunda instância, deputado Alex Manente (Cidadania-SP) também reforçou que vários setores políticos tentam deixar a proposição em “banho-maria”. O parlamentar, que é o secretário de Relações Internacionais da Câmara, apontou que a mudança na lei também atinge crimes como homicídios e tráfico de drogas e citou o episódio recente do habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio de Mello ao traficante André do Rap.
“Se não tomarmos as medidas cabíveis aqui na Câmara dos Deputados, aqui no Congresso Nacional, nós continuaremos vendo a cada caso midiático, a cada situação que nós nos deparamos com essa sensação de impunidade, com um tema latente que a Câmara precisa, vez por todas, resolver”, disse o autor da PEC.
Os deputados cobraram o retorno das atividades da comissão especial que examina a proposta. Os trabalhos foram interrompidos por causa da pandemia do coronavírus e dependem de um projeto de resolução para serem retomados. O deputado Rodrigo Maia faz de conta que não é com ele e até o momento não sinalizou que vai reativar a comissão.
“O que me parece é que além da sabotagem há também a sensação que em razão da pandemia e com o povo em casa, a ausência de protestos populares nas ruas estão beneficiando os sabotadores”, disse, com pedido de reserva do seu nome, um deputado da Bancada do Pará.
Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.