Brasília – A decisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de banir o aplicativo de troca de mensagens e comunicação Telegram no Brasil, na sexta-feira (18), é inconstitucional, e ao fazê-lo o ministro incorreu em quatro crimes. “Ou o Senado para Moraes ou vem coisa muito pior por aí”, opinou o jornalista Augusto Nunes, durante debate sobre o tema em programa da Rádio Jovem Pan, de São Paulo (veja a íntegra aqui).
A ordem do juiz mobilizou as redes sociais e será o assunto do final de semana sem prazo de validade pela gravidade e alcance da determinação considera desproporcional, inconstitucional, autoritária e sem eficácia.
O blogueiro Allan dos Santos, principal alvo de Alexandre de Moraes e citado na ordem do ministro, foi entrevistado no programa e disse: “Fui citado na sentença como uma das desculpas para o ministro exorbitar e banir o aplicativo. Não tem processo aberto no qual eu possa recorrer contra essa perseguição”, explicou.
“Há um inquérito ilegal aberto pelo ex-presidente do STF, Dias Tofolli, baseado num item do Regimento Interno que se refere a crimes cometidos dentro das dependências do Tribunal e que ele ‘canetou’, expandindo essas dependências para todo o território nacional, a decisão de Alexandre de Moraes se baseia nesse inquérito inconstitucional”, defendeu-se.
Já o jornalista Augusto Nunes listou quatro crimes supostamente cometidos por Alexandre de Moraes ao prolatar a sentença: “Violação de cláusula pétrea da Constituição ao cercear a liberdade de expressão. Atentado ao estado democrático de direito que ele acusa outros de praticar incessantemente. Abuso de autoridade, prevaricação e advocacia administrativa. O que falta os senadores reagirem a esse ministro?”, cobrou o jornalista.
Nunes se refere aos senadores porque, de acordo com a Constituição, somente o Senado pode abrir um procedimento de impeachment contra um ministro de corte superior.
Durante o programa, o presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos alvos ocultos da perseguição do TSE e do STF, telefonou para Augusto Nunes e desmentiu Alexandre de Moraes. Na sentença, o ministro alega que sua decisão foi atendendo pedido da Polícia Federal. “Alexandre de Moraes mentiu. A PF não pediu o bloqueio do Telegram”.
Há dezenas de pedidos engavetados no mandato de dois presidentes do Senado para investigar fatos considerados faltas graves de ministros do STF. Os primeiros pedidos de investigação contra os ministros do STF, chamado de “Lava-Toga”, foi engavetado pelo ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Outros pedidos que se enfileiraram na Mesa do Senado foram engavetados pelo sucessor de Alcolumbre, o advogado criminalista e agora senador e presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
“A decisão de Alexandre de Moraes é vergonhosa”, comentaram diversos especialistas e professores da Ciência da Computação. A medida é facilmente burlada quando o usuário utilizar um acesso à internet via VPN (rede privada) que pode ser conectada a um provedor fora do país. “Qualquer leigo pode aprender a utilizar um VPN ao assistir um tutorial de dois minutos de duração”, confirmam os especialistas consultados pela reportagem.
“Hoje o bloqueio do Telegram no Brasil dificilmente encontra respaldo na legislação e poderia ser pouco efetivo por conta da forma que os usuários podem burlar o bloqueio da internet”, diz Guilherme Klafke, pesquisador do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação na FGV (Fundação Getulio Vargas).
Segundo ele, não existe uma lei que criminalize a conduta dos usuários de aplicativos como o Telegram, especialmente no que se refere a desinformação.
“E o quê é desinformação? Onde está tipificado o que isso”, pergunta o jornalista Guilherme Fiuza no programa da rádio paulista.
“Não é pacífico que exista lei que autoriza bloqueio de aplicativo. Tanto não é pacífico que o Supremo ainda não terminou de julgar as ações sobre o bloqueio do WhatsApp, que também não cumpriu decisões judiciais alegando que tinha uma criptografia de ponta a ponta”, avalia o especialista da FGV Guilherme Klafke.
Ele explica que está previsto no Marco Civil da Internet que em caso de crime a plataforma tem o dever de remover o conteúdo.
O especialista também cita que o Código de Processo Penal e as leis de investigação de organizações criminosas também preveem que as plataformas compartilhem informações com a Justiça em casos que envolvam a segurança pública. Entretanto, este não seria o caso do Telegram.
“Não existe o crime de desinformação, o tipo penal. O que existe é uma infração na legislação eleitoral que você comete quando divulga fatos sabidamente inverídicos durante o processo eleitoral, que ainda nem começou”, afirma.
A decisão de Alexandre de Moraes soma-se a outros fatos protagonizados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal que elegantemente está sendo chamada de “ativismo judiciário”. “Na verdade, é um golpe que se está sendo gestado na mais alta Corte do país disseram em coro”, na sexta, deputados alinhados com Bolsonaro em suas redes sociais.
A apresentadora Miriam Leitão é citada como exemplo do “ativismo judiciário” em curso. Postagem em sua conta no Twitter no dia 16 de março, ela conclama os jovens que estão completando 16 anos a tirar seu título eleitoral nesse ano e votar. “Dá pra fazer tudo de forma virtual. “O voto dos jovens será decisivo, por isso entre no #RoledasEleicoes”, diz textualmente a postagem.
Empregada de uma empresa de comunicação que faz oposição sistemática contra o presidente, a postagem foi curtida pelo TSE, uma prova cabal do que se passa no ambiente pré-eleitoral, na qual uma corte superior que planeja, executa e proclama o vencedor de uma eleição, trabalha contra um candidato, no caso, a possibilidade da reeleição do presidente da República. Algo gravíssimo e nunca visto na história do Brasil.
Há meses do TSE ameaça banir o Telegram do país (leia aqui). Jair Bolsonaro convocou uma reunião fora da agenda para tratar do assunto.
Será que são as águas de março encerrando o Verão?
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.