Brasília – Após acordo entre líderes dos partidos de apoio ao governo e oposição, que resultou num pedido de vista coletivo anunciado na última quinta-feira (13) pelo presidente da Comissão Especial que analisa a PEC 6-A/2019 da reforma previdenciária na Câmara Federal, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) disse que a oposição concordou em não obstruir a fase de debates. E a discussão da matéria será retomada nesta terça-feira (18), numa semana curta em razão do feriado de Corpus Christi.
O substitutivo em forma de relatório apresentado pelo relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), desagradou o ministro da Economia Paulo Guedes. No texto, está previsto impacto fiscal de R$ 1,13 trilhão, que virão do corte de despesas e da cobrança de imposto maior sobre o lucro de bancos que, juntos, somam R$ 913,4 bilhões. Moreira prevê a redistribuição de recursos para compensar alterações negociadas com os partidos.
Além disso, o relatório prevê a redistribuição dos recursos do PIS/Pasep. Parte deles seria destinada aos cofres da Previdência Social. Uma das principais mudanças foi a criação de mais uma regra de transição para o INSS e servidores, que beneficia os que ingressaram no serviço público até 2003. A cláusula foi incluída por pressão de categorias com salários mais altos. Após a exclusão dos estados da reforma, o relator acrescentou medidas que ajudam a equilibrar as contas dos governos regionais. O mercado reagiu bem, mas ações de bancos caíram diante da possibilidade de aumento do imposto.
Na sexta-feira, a realização de sessão no plenário da Câmara abriu a contagem do prazo. Desde novembro de 2017, a Câmara não conseguia atingir o quórum de 51 deputados para abrir uma sessão na sexta-feira. O ato foi classificado como histórico por diferentes parlamentares presentes ao debate. Com a sessão desta segunda-feira (17), o prazo foi cumprido e a discussão já pode ser iniciada amanhã, a partir das 9 horas.
As inscrições para discutir o relatório ainda estão abertas. Até quinta-feira, já havia mais de 130 inscritos.
O ministro Paulo Guedes passou o final de semana discutindo as mudanças do texto com sua equipe e considera que o texto foi desidratado além do razoável. Entretanto, o relator garantiu que a reforma terá um impacto fiscal total de R$ 1,13 trilhão em dez anos. Para atingir esse montante, o deputado apresentou medidas de aumento de receita que incluem elevação de imposto o que, por sua vez, desagradou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que disse que o país não aguenta mais elevação de qualquer tipo de imposto.
Moreira decidiu propor aumentar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de bancos de 15% para 20%. Ele estima um potencial de arrecadação de aproximadamente R$ 50 bilhões nos próximos dez anos com a medida. A desidratação da reforma junto com o aumento do imposto representa uma economia de R$ 913,4 bilhões em dez anos.
O relator também estabeleceu o fim da transferência de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para o BNDES. Esses recursos são financiados com o PIS/Pasep. Atualmente, a Constituição determina que, pelo menos, 40% dessas receitas sejam destinados ao BNDES para financiar os programas de desenvolvimento econômico. A versão original da proposta de Reforma da Previdência do governo previa que esse mínimo seria de 28%. Moreira alterou esse trecho da proposta e passou a prever que ao menos 28% dos recursos do PIS/Pasep sejam destinados aos cofres da Previdência Social. Isso representará um impacto de R$ 217 bilhões.
Governo critica mudanças no texto
Técnicos do governo criticaram as mudanças no texto original da PEC porque não se trata de dinheiro novo, mas que passará a compor a conta do regime geral. Além disso, o FAT está deficitário há alguns anos e precisa de aportes do Tesouro para pagar o seguro-desemprego. Integrantes da equipe econômica consideram que a reforma é para cortar despesas e não para aumentar a arrecadação.
A versão da reforma enviada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro previa uma economia de R$ 1,23 trilhão em uma década. O secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, considerou que o impacto fiscal do relatório é significativo: “O impacto apresentado é significativo, relevante, vai realmente ajudar a diminuir essa deterioração das contas públicas. O ministro (Paulo Guedes) sempre falou em um valor em torno de R$ 1 trilhão. Me parece que está muito próximo do valor”, declarou.
Ao apresentar o relatório, Moreira fez uma defesa da necessidade da reforma, que teve rombo de R$ 290 bilhões apenas na União em 2018. Ele afirma que a Previdência tornou-se o principal fator de desajuste das contas públicas do Brasil e que o país está em “estado falimentar”. Mas as mudanças propostas não têm apenas um caráter fiscal: “A reforma da Previdência é uma necessidade fiscal, não resta dúvida. Mas não é apenas uma necessidade fiscal. É também uma questão de justiça social. Abrir mão da oportunidade que temos hoje de reformar o sistema é, portanto, sabotar o futuro e manter um sistema injusto”.
Segundo o relator, reformar a Previdência é um passo fundamental para fazer o Estado brasileiro voltar a caber em si. “Antigamente falávamos no dragão da inflação. Hoje o gasto público também é um dragão descontrolado, ameaçando o nosso futuro”, comparou Moreira, no parecer.
O relator confirmou que a reforma não irá alterar as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda) e da aposentadoria dos trabalhadores rurais. Também foi excluído o regime de capitalização, pelo qual cada trabalhador contribui com sua própria aposentadoria. A ideia é discutir esse modelo no segundo semestre.
Moreira criou uma regra de transição mais suave, facilitou a aposentadoria de professoras e deixou na Constituição a maioria das normas de aposentadoria. O governo queria que as mudanças fossem feitas por projeto de lei.
Apesar de protestos de servidores, também foi mantida a proposta do governo de estabelecer alíquotas progressivas de contribuição previdenciária, no valor nominal de até 22%.
As mudanças no texto foram bem recebidas no mercado financeiro em razão do potencial fiscal da reforma. Especialistas em contas públicas, porém, criticaram a exclusão de pontos do projeto apresentados pelo governo.
“Acabaram com a capitalização e a desconstitucionalização, pontos que precisavam ser mantidos. Mas o mais grave é terem tirado os estados e municípios”, afirmou Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Em artigo publicado nesse final de semana, o economista Luis Eduardo Afonso, professor da USP, disse que o conteúdo do relatório traz sinais contraditórios, como a exclusão de estados e municípios e da capitalização: “No caso da capitalização, foi a solução fácil para um problema difícil. O receio é de que jamais voltemos a esta discussão, que precisa ser feita”.
Pressão da oposição muda regra do abono
Por pressão da oposição, o novo texto da reforma alterou ainda a regra de concessão do abono salarial, que representa o pagamento de um salário mínimo. Atualmente, ele é concedido ao trabalhador do setor privado que ganha até dois salários. Pela proposta do relator, o abono passará a ser concedido a quem ganha até R$ 1.364,43. O governo havia proposto que o abono só fosse pago para quem ganha um salário mínimo.
“Acreditamos que a adoção de um salário mínimo de rendimento para ter acesso ao benefício é indevida, pois existe um enorme contingente de trabalhadores de baixa renda com salário ligeiramente superior ao salário mínimo e que passaria a ficar de fora do programa” justificou o relator, Samuel Moreira.
Com isso, trabalhadores de estados onde o piso salarial supera o salário mínimo não terão o beneficio cortado.
Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.