Celeiro do futebol brasileiro (para quem já revelou vários craques), Marabá está de volta ao cenário nacional pela mancha da pedofilia na modalidade esportiva mais popular do País. Neste domingo, 27 de Maio, o programa Esporte Espetacular, da Rede Globo, voltou a exibir uma reportagem especial com entrevistas de atletas e ex-atletas que foram vítimas de duas personalidades muito conhecidas no futebol local: Ubiratan Ramos de Carvalho, o Bira Ramos, e Ronildo Borges de Souza, conhecido como “Batata”, os quais foram presos, julgados e condenados pela Justiça por pedofilia e estupro de vulnerável no mesmo ano: 2016.
Bira era radialista e treinador da escolinha Camisa 10, e já acumula 26 anos de prisão por abuso sexual de duas crianças (mas responde a outros três processos). A polícia suspeita que ele tenha cometido esse tipo de crime por mais de duas décadas, já que uma das vítimas, de 25 anos, afirmou ter sido molestada pelo técnico aos 13. Além da escolinha, Ramos organizava campeonatos de base na cidade e no interior do Pará. Ele já havia sido preso em 2009, também por denúncia de estupro de vulnerável.
Batata era um olheiro que levava atletas de Marabá e de outras cidades da região para São Paulo, com permissão dos pais, sob a promessa de torná-los grandes atletas de futebol.
A Reportagem do Esporte Espetacular começou mostrando uma denúncia recente de um jovem e pouco conhecido marabaense Ruan Pétrick Aguiar de Carvalho, que acusou um dos dirigentes do Santos, Ricardo Marco Crivelli, o Lica, de abuso sexual. Depois, o jovem de 19 anos revelou que fora assediado também por Batata.
A FACE OCULTA DE BIRA
Bira Ramos era uma pessoa de destaque e muito conhecida em Marabá. Tinha amigos na política, no esporte e entre empresários da cidade. Embora fossem antigos os boatos sobre pedofilia em sua escola de futebol, muitas pessoas só passaram a acreditar depois da primeira prisão que ele sofreu, em 2009.
As investigações se fortaleceram e o esquema foi desmantelado graças à atuação firme do Ministério Público Estadual, por meio dos promotores Alexssandra Muniz Mardegan e Paulo Morgado. O MP teve dificuldades, mas conseguiu identificar vítimas e sensibilizá-las para dar seus depoimentos. Entre os cinco menores que relataram como foram abusados por Ramos, está uma garota.
Nos últimos tempos, Bira passou a procurar menores no meio da rua. Uma das vítimas (adolescente) foi abordada em uma via no Residencial Tiradentes, próximo a Morada Nova. Atualmente, Bira cumpre pena no CRAMA, onde está preso desde abril de 2016. Em setembro do mesmo ano saiu sua primeira condenação.
FATOR COMUM ENTRE AS VÍTIMAS
Além de serem menores de idade, o fator comum entre a maioria das vítimas de Bira Ramos é que frequentaram sua escolinha de futebol. Mas em regra, todos eram vulneráveis do ponto de vista socioeconômico, o que facilitava a aproximação dele com a família. Além de ser o professor, Bira também fazia às vezes de provedor familiar, proporcionando materiais esportivos e até medicamentos quando o adolescente adoecia. “Ele se rogava nesse papel da pessoa que não apenas contribuía materialmente, mas também proporcionava – na visão da família – uma oportunidade de todos mudarem de vida caso o garoto se tornasse um grande jogador de futebol, famoso como o Neymar”, ressalta a promotora.
Os momentos mais intrigantes eram as viagens promovidas por Bira Ramos para disputar torneios de futebol em outras cidades e estados. E há relatos, segundo Alexssandra Mardegan, de que as vítimas que se sujeitavam aos abusos seriam os atletas que jogariam como titular. Quem não aceitava amargava o banco de reserva. “Ele sempre constrangia os adolescentes à prática sexual em troca dessa possibilidade de jogar primeiro e ficar por mais tempo na vitrine para outros clubes. Isso é muito marcante no depoimento das vítimas”, revela.
E a grande dificuldade para o Ministério Público na investigação é que as vítimas não falavam. Por isso, a equipe do MP criou um protocolo para monitorar escolinhas de futebol espalhadas por todos os cantos da cidade. Passaram a realizar reuniões periódicas com alunos e seus familiares nas escolinhas de futebol para poder conquistar a confiança das crianças e adolescentes e de seus pais. “E foi com esse trabalho que conseguimos reduzir a grande quantidade de escolinhas irregulares, porque chegamos a registrar 32 delas atuando de forma questionável. Havia pessoas sem nenhuma formação, que colocavam uma bola embaixo do braço, chamavam garotos e iam para um campo qualquer treinar esses meninos”, relembra.
Ela explica que o pedófilo e abusador, invariavelmente, busca se envolver com atividades que atraem o interesse de crianças e adolescentes, suas vítimas em potencial. “Quero deixar bem claro que o problema não é com a escolinha de futebol em si, mas com a pessoa que a coordena, que tem contato direto com as crianças. Por isso, os pais e responsáveis têm de ficar atentos, acompanhar de perto o trabalho que está sendo realizado, e ao mesmo tempo orientar bem seus filhos para que não se sujeitem a esse tipo de abuso para se tornar um jogador de futebol”.
As denúncias que foram apuradas até agora são relacionadas a Bira Ramos e alguns de seus auxiliares, aos quais a Promotoria preferiu não revelar os nomes.
Por enquanto, o MP não recebeu denúncias relacionadas a outras escolinhas, mas não significa que não haja casos de abusos escondidos. Por isso, é preciso estimular as vítimas a denunciar. Para ela, esse tipo de caso acontece em todos os lugares, não apenas em Marabá. Todavia, com o trabalho diligente das autoridades foi possível identificar e punir alguns culpados.
O CASO BATATA
Com relação ao caso “Batata”, a promotora Alexssandra ressalta que a equipe do MP chegou a receber duas denúncias por intermédio do Disque 100, mas ao investigar o caso, não conseguiu localizar as supostas vítimas.
Em Marabá, ele atuava até de forma legal, porque os pais autorizavam a viagem dos meninos na companhia de Batata com destino a São Paulo, com a promessa de colocar os atletas em grandes times de futebol. “Não havia exorbitância dentro do poder familiar, porque os responsáveis davam plenos poderes para o suposto olheiro levar os meninos para fazer teste em clubes de renome. Mas quando chegavam a São Paulo, eles eram abusados, mantidos em cárcere privado e sofriam maus tratos. Por isso, repassamos ao Ministério Público daquele Estado as denúncias que recebemos e ele foi preso e condenado”, relembra.
ACUSAÇÕES MÚTUAS
Bira Ramos e Batata eram velhos amigos. Chegaram a ter bom relacionamento por um bom tempo, mas a disputa por jogadores acirrou uma briga e, a partir de então, os dois começaram a se acusar mutuamente e usavam as redes sociais para isso. Bira reclamava em seu blog que Batata denegria sua imagem por meio de perfis falsos no Facebook lhe acusando de abuso sexual, e devolvia na mesma moeda, denunciando que Ronildo Borges era quem cometia esse tipo de crime, inclusive alterando documentos para diminuir a idade de vários jogadores.
PARAÍSO DOS “GATOS”
Segundo denúncias muito comuns contra treinadores e o próprio Batata, jogadores foram estimulados por professores de escolinhas de futebol em Marabá a alterar suas idades para tentar a sorte em grandes clubes. Para isso, o recurso utilizado era quase sempre o mesmo. Os familiares dos atletas eram induzidos a procurar a Justiça de São João do Araguaia, a 45 km de Marabá, ingressando com Ação de Restauração de Registro Público, alegando que os filhos tinham sido registrados no cartório daquela cidade, antes de o prédio que o abrigava pegar fogo e consumir todos os documentos ali existentes no ano de 2000. Era o caminho seguro para se criar um “gato”, expressão usada no futebol para designar atletas que diminuíram a idade para ter destaque entre jogadores mais jovens. E isso é crime.
Vários jogadores de Marabá já foram denunciados por “gato” e alguns deles acabaram confessando que permitiram a mudança de documento, inclusive com outros nomes diferentes do batismo por ocasião do nascimento.
A Reportagem do Esporte Espetacular esperava que outros dois jogadores de Marabá e com destaque no futebol nacional e até internacional dessem depoimento contra Bira Ramos e Batata, mas eles acabaram não aceitando aparecer.
A Reportagem do blog não conseguiu identificar quem são os advogados de Bira Ramos para ouvir a versão sobre as acusações que pesam contra ele.
Por Ulisses Pompeu – de Marabá