Com três frentes abertas, nos campos político, econômico e científico, permanece o silêncio das autoridades ambientais brasileiras sobre a liberação ou proibição definitiva da licença de pesquisa para estudos do potencial de petróleo e gás nas quatro bacias sedimentares que se estendem por cerca de 2,2 mil quilômetros, desde o Estado do Amapá, na Região Norte, até o Estado do Rio Grande do Norte, no Nordeste. A ideia de averiguar o verdadeiro potencial dos poços de gás e óleo consta no planejamento da Petrobras, que prevê um investimento de US$ 3 bilhões nessa região até 2027.
O ‘’novo capítulo’’ não tão novo assim, uma vez que foi tema em 2018, durante a realização do 49º Congresso Brasileiro de Geologia, no Rio de Janeiro, envolve a contestação científica apresentada pelo professor titular do Departamento de Geologia Marinha da Universidade Federal Fluminense (UFF), Alberto Garcia de Figueiredo Junior, que vem desmascarando, desde 2018, a narrativa criada pelo Greenpeace e outras ONGs internacionais, que estão difundindo campanhas milionárias em setores da mídia nacional e internacional de que há corais na Amazônia, na tentativa de impedir que o governo brasileiro, através da Petrobras, explore a região em benefício da nação.
O especialista contesta as imagens propagadas de corais “que não são da Margem Equatorial”.
“O que tem lá são algas calcárias e alguns rodolitos, que na sua grande maioria são mortos. Há rodolitos, também [outros] carbonatos de 17 a 20 mil anos”, afirma o autor do estudo “Mitos e Verdades sobre os Corais da Foz do Amazonas”, apresentado durante o 49º Congresso Brasileiro de Geologia, em 2018, no Rio de Janeiro.
O professor avalia que as notícias falsas feitas pelas ONGs internacionais, de que há vida marinha abundante de corais na plataforma continental da Amazônia, contribuiu para o Ibama não liberar o licenciamento ambiental da Petrobrás, que busca perfurar um poço que fica a cerca de 160 km da costa do Oiapoque (AP), a 500 km da Foz do rio Amazonas e a 2.800 metros de profundidade.
“Certamente, corais e algas calcárias vivas são importantes e deve-se tornar um cuidado, é fundamental. Eu sou a favor da preservação ambiental. Mas no caso, criou-se esse mito de uma variedade de vidas lá que não é real. E, sobre a questão da segurança, nós temos muito mais vidas na borda de plataforma da Bacia de Campos, na Bacia de Santos, do que a da Amazônia. Essas plataformas e os campos de petróleos estão muito mais próximos, mas não existe notícia de que derramamento de óleo tenha atingido a borda de plataforma [continental] derivado desses campos”, frisou o professor.
“Sou a favor da preservação. Temos que preservar sim. Mas o que não é admissível é ter isso como um mito e prejudicar o desenvolvimento da nação”, afirmou Alberto Garcia de Figueiredo Junior.
A palestra do geólogo Alberto Garcia, que foi concedida na quarta-feira, 23 de agosto, ao Canal do Youtube do consultor e professor da PUC-RJ, Armando Cavanha, com participação do geofísico sênior Jairo Marcondes de Souza, que trabalhou por 42 anos na Petrobrás. Assista aqui.
Alberto Garcia destaca que há cerca de três anos ele vem participando da chamada Rede Amazônia Azul, um projeto composto por várias universidades, “principalmente do Norte e Nordeste, e algumas universidades do Sul, onde nós criamos essa rede para mostrar que realmente nós temos muita informação da plataforma continental [da Amazônia]”. Chama-se de plataforma continental, a porção do fundo oceânico que margeia os continentes.
“Uma das informações que nós temos, por exemplo, mostra uma série de imagens do fundo marinho, fotografia tirada do fundo marinho, onde a gente vê pela parte mais ao norte, na costa do Amapá, o fundo é lamoso, não aparecendo nada daquilo do que foi mostrado na mídia. Descendo um pouquinho mais em frente, já em frente à Foz do Amazonas, em frente da Ilha de Marajó, lá na borda da plataforma também mais lamoso. E indo em direção ao Maranhão, também é mais lamoso”, ressaltou.
“Na verdade, a plataforma continental tem menos lama à medida que a gente vai para Ceará e Rio Grande”. “Colegas que participam da rede Amazônia Azul fizeram mergulhos com submarino e radiografia multifeixe, que mostra em detalhe o fundo marinho”, acrescentou.
Em algumas áreas, “então, foram encontrados arenitos capeados por carbonatos. A gente vê uma série, como se fossem agulhas no fundo do mar, na verdade são áreas sobre elevadas do fundo marinho, que são arenitos e, por cima desse arenito, um pouco de carbonato, que foram gerados durante o nível de mar mais baixo”, explicou o pesquisador, destacando que “os carbonatos que estão lá hoje, sua grande maioria está morta. Não tem algas calcárias e corais muito menos”.
Os recifes de corais são formados por uma estrutura de deposição de carbonato deixada por organismos marinhos e animais invertebrados, portadores de esqueleto calcário. Esse ecossistema marinho de alta biodiversidade tem dificuldades de se desenvolver na plataforma continental da Amazônia porque, explica o especialista Figueiredo Junior, “a pluma de sedimento do Amazonas interfere com a proliferação de algas calcárias ou qualquer outro tipo de vida carbonática”.
Greenpeace alerta para negacionismo científico
A existência do Grande Sistema de Recifes do Amazonas é reconhecida e registrada por vasta literatura científica. E é lá que estão os Corais da Amazônia, que, quando descobertos, deixaram pesquisadores do mundo inteiro impressionados. É o garante a Organização Não Governamental multinacional Greenpeace.
A ONG diz que o primeiro e importante aspecto, é que eles (os corais) são capazes de se desenvolver em uma região onde as águas turvas do rio Amazonas encontram o Oceano Atlântico, o que, a princípio, não era considerado provável. Mas, apesar disso, os Corais da Amazônia se adaptaram de uma forma única à mistura da água doce e salgada!
Mas o que mais a ciência diz sobre os Corais da Amazônia? Como a informação é uma grande aliada da defesa da biodiversidade, nós preparamos uma lista de indicações com algumas das principais pesquisas e artigos publicados sobre o assunto.
‘’Afinal, os Corais da Amazônia existem e precisam da nossa proteção!’’, garante a ONG. Veja o artigo completo aqui.
Licença foi negada pelo Ibama
O pontapé desse megaprojeto ocorreria na Amazônia, com a exploração do poço Morpho, localizado no bloco FZA-M-59, na bacia Foz do Amazonas, a cerca de 175 quilômetros da costa do Amapá. A área foi arrematada pela British Petroleum (BP) e a Petrobras em um leilão, em 2013, e, desde então, está no centro de intenso debate técnico, político e até científico. Uma das razões da controvérsia é a suposta existência de recifes de corais denominados como Grande Sistema Recifal do Amazonas (GARS, de acordo com a sigla em inglês), conforme artigo publicado por um grupo de mais de 30 pesquisadores na revista “Science Advances”, em 2016.
A descrição sobre o ecossistema marinho chamou atenção para a falta de conhecimento sobre esses organismos e a necessidade de sua preservação, que foram o mote de diversas campanhas de uma Organização Não Governamental (ONG) ambiental. Os questionamentos sobre os riscos do empreendimento aliado à lentidão do processo de licenciamento acabaram afastando a BP do negócio, que foi assumido integralmente pela petrolífera brasileira e ainda não conta com licença de exploração, mesmo após dez anos.
Algas
Os estudos de impacto envolvem diversas medidas para mitigação de riscos biológicos, ambientais e sociais do poço, porém os corais ainda estão entre as principais pautas. Cientistas que defendem a existência do GARS sustentam que o habitat marinho é sensível à eventual exploração e dispersão de óleo.
Por outro lado, há pesquisadores que contestam os dados sobre as características e vulnerabilidade do GARS no contexto de uma possível atividade petrolífera na Amazônia. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutor em Geologia e Geofísica Marinha, Alberto Figueiredo, diz que os organismos seriam “algas mortas” e que não há nada de excepcional na presença deles na região.
A maioria é muito antiga, com até 17 mil anos. No meio dessas algas você pode encontrar um ou outro indivíduo vivo, mas não é essa exuberância toda que foi colocada. Essas algas calcárias geralmente estão colocadas na borda de plataforma. Elas se estendem por todo o Caribe, foz do Amazonas e vão até o litoral do Estado de Santa Catarina (no Sul do Brasil). Então, elas estão inclusive em outras regiões onde há produção de petróleo como as bacias de Campos (no Rio de Janeiro) e de Santos (em São Paulo), onde a existência dessas algas calcárias é até maior do que no Norte brasileiro”, afirma Figueiredo.
Estudo
Além disso, segundo o docente que é autor de um artigo intitulado “Mitos e verdades sobre os ‘corais da Amazônia’” (leia mais aqui), os seres encontrados não podem receber essa denominação, pois precisariam ter acesso à luz para serem caracterizados como corais. Outro fator importante é que não haveria uma construção de recifes, como alegado por outros cientistas.
Uma ONG internacional começou a colocar na mídia várias imagens e fazendo um marketing efetivo sobre a existência de corais na foz do Amazonas e eu acredito que estão utilizando imagens do Caribe porque são águas límpidas. Isso me deixou indignado como conhecedor da região”, acrescenta Alberto.
Destaques do projeto da Margem Equatorial brasileira:
– A Petrobras deverá investir cerca de US$ 3 bilhões no período de 2023 a 2027;– Serão perfurados 16 poços em quatro bacias sedimentares: Foz do Amazonas (seis blocos), Pará-Maranhão (dois blocos), Barreirinhas (cinco blocos) e Potiguar (três blocos).
No final do mês de setembro (confira aqui), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) liberou a primeira licença para o início da exploração de petróleo nos blocos da Margem Equatorial, com a perfuração de novos poços já prevista para a expansão da produção e comercialização do combustível no Brasil. A Margem Equatorial é considerada o novo Pré-Sal do Brasil.
O potencial da bacia Pará-Maranhão é de até 30 bilhões de barris de petróleo
O debate acadêmico é apenas um dos elementos de uma história com incertezas e expectativas. As previsões são animadoras para a área, visto que reservas petrolíferas têm sido descobertas em diferentes localidades das margens continentais que circundam o Oceano Atlântico, incluindo os países vizinhos da América do Sul e outros do Oeste da África.
Em uma nota técnica, Allan Kardec Barros, professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra; e Pedro Zalán, consultor em exploração de petróleo, argumentam que, do ponto de vista geológico, as margens africanas são semelhantes às brasileiras e, portanto, as mesmas condições petrolíferas existentes lá se repetiriam aqui.
Os pesquisadores estimam que apenas o potencial da bacia Pará-Maranhão seria da ordem de 20 a 30 bilhões de barris de óleo cru. Para se ter uma ideia dessa dimensão, as bacias de Campos e de Santos têm reservas comprovadas e contingentes de 40 bilhões de barris de óleo.
Os planos da Petrobras contemplam a bacia Pará-Maranhão e outras três localizadas na costa — Foz do Amazonas, Barreirinhas e Potiguar. De acordo com a empresa, 16 poços seriam perfurados nos próximos cinco anos e ajudariam a segurança e a soberania energética do país em um contexto de busca por matrizes de energia limpa.
Transição
Para o doutor Alberto Figueiredo, o investimento em combustíveis fósseis é necessário para a transição energética, sobretudo levando-se em conta que a capacidade de produção das reservas do pré-sal entrará em queda a partir da próxima década. Ele enfatiza que mesmo matrizes mais limpas possuem problemas e que as soluções tecnológicas encontradas pelo Brasil tornam a exploração mais segura em comparação a países onde há queima de carvão ou craqueamento do petróleo.
“Tem que ser uma mudança gradual, ao longo do tempo. Nós não estamos ainda preparados para essa mudança radical como se apregoa por aí, como se desligasse um botão e passamos a usar um novo tipo de energia. Nós temos que conviver com os combustíveis fosseis por um bom tempo até passar para novos tipos de energia”, analisa.
O interesse pela Margem Equatorial não é recente, mas ficou em maior evidência com as descobertas de jazidas de óleo e gás em países vizinhos ao Brasil que também compartilham territórios sobre a área. Nos últimos oito anos, Colômbia, Trinidad e Tobago, Guiana, Suriname e Guiana Francesa já encontraram 92 reservas na Margem Equatorial. Entre eles, o principal expoente é a Guiana, com 42 descobertas de óleo e gás e uma produção estimada de 360 mil barris por dia, que fez a receita governamental bater US$ 1 bilhão no ano passado. As projeções indicam que o país deve acumular US$ 157 bilhões até 2040.
Veja quais são as atividades exploratórias na Margem Equatorial:
– Brasil: um poço de óleo e gás no Rio Grande do Norte.– Colômbia: onze poços exploratórios e oito descobertas de gás.– Trinidad e Tobago: 37 poços exploratórios e 21 descobertas de óleo e gás.– Guiana: 64 poços exploratórios e 42 descobertas de óleo e gás.– Suriname: 40 poços exploratórios e 19 descobertas de óleo e gás.– Guiana Francesa: sete poços exploratórios e duas descobertas de óleo.
Falta de licenciamento ambiental emperra projeto
Entre os projetos para a Margem Equatorial brasileira, o mais adiantado é o da Foz do Amazonas. Porém, desde que assumiu integralmente o bloco FZA-M-59 em 2021, a Petrobras ainda não obteve a licença para realização da Avaliação Pré-Operacional (APO) no Poço Morpho. Durante a APO seria averiguada a capacidade de resposta da empresa a um evento de derramamento de óleo durante as operações.A estimativa era que o simulado ocorresse no primeiro trimestre deste ano, depois que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) liberou o Centro de Reabilitação de Despetrolização da Fauna, localizado no distrito de Icoaraci, em Belém. Contudo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou a licença e solicitou a adoção de mais medidas para conter danos socioambientais.Fontes ligadas à área petrolífera informaram a um jornal de Belém que a Petrobras já apresentou soluções para todas as demandas do órgão ambiental, que seriam as seguintes:
• a revisão do estudo sobre o impacto da rota das aeronaves em comunidades indígenas;
• a ampliação do plano de emergência e proteção à fauna, com a criação de uma unidade de suporte no município do Oiapoque (AP) e
• a contestação sobre a exigência de realização da Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF), é dispensável nesse processo. A Petrobras aguarda a resposta do pedido de reconsideração desde maio passado.
Reações
Em meio a esse embate, representantes do setor produtivo do Pará e Amapá — estados diretamente relacionados com as operações do Poço Morpho — aguardam uma solução para o impasse em favor do interesse para o desenvolvimento regional.
“Como cidadãos da Amazônia, não podemos aceitar um plano que nos priva do conhecimento sobre o que estamos abrindo mão. A sociedade amazônida não pode continuar a ser tratada como secundária na tomada de decisões que afetam a própria região”, destaca o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Alex Carvalho, em nota pública divulgada após a recente liberação de exploração dos blocos BM-POT-17 e POT-M-762, na Bacia Potiguar, na costa do Rio Grande do Norte, onde a companhia mantém seu único poço ativo na Margem Equatorial.
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção do Estado do Amapá, Glauco Cei, ressalta a diligência da Petrobras em projetos em alto-mar e, por isso, não vê justificativa para as negativas que não sejam relacionadas a questões políticas ou a tentativas de favorecer segmentos econômicos de outras regiões em detrimento do Norte.
“Existe tecnologia para contenção de qualquer tipo de dano ambiental que porventura venha a acontecer. Por que toda essa preocupação só na costa do Amapá? A Petrobras tem um conceito excelente em questão de exploração com preservação de meio ambiente. Então, não se justifica isso. Nós acreditamos que esse trabalho da Petrobras vai trazer muitos benefícios para a região, para o Amapá e para o Pará”, pontua o empresário.
Glauco relata ainda a expectativa de uma transformação do perfil da economia local com o avanço da Margem Equatorial, bem como a melhoria da infraestrutura de transporte e logística no Estado, com a implantação de linhas aéreas regulares entre Macapá, a capital amapaense, e o Oiapoque (município do Amapá) e o asfaltamento da rodovia BR-156, que liga a capital ao extremo norte.
“O perfil da economia amapaense hoje é que a gente depende do contracheque e nós precisamos ter um pouco de autonomia. A exploração do petróleo e do gás vai trazer royalties, vai trazer benefícios às regiões de apoio, vai trazer uma migração qualitativa e uma melhor capacitação das empresas locais”, diz Glauco, que vislumbra que a região amazônica poderia alcançar o mesmo nível de crescimento observado em outras localidades onde atividade foi liberada.
“Nós não podemos deixar que outras organizações que são de fora da nossa região decidam o que nossa região deve fazer. O que nós precisamos discutir melhor é o nosso destino e o que nós queremos para nós mesmos porque quem sabe o que é a Amazônia é quem vive nela e não quem imagina ou fantasia ou cria um sonho sobre a Amazônia. Eu temo muito pela transformação da Amazônia num grande zoológico para seres humanos que somos nós mesmos que vivemos aqui. Não podemos deixar isso acontecer. Temos que ter poder de decisão”, frisa.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.