Brasília – Dados das pesquisas lideradas pelo cientista alemão Frank Mitloehner, especialista em qualidade do ar do departamento de ciência animal da Universidade da Califórnia, em Davis, foram apresentadas no Brasil, em maio, durante o fórum sobre metano promovido pela JBS — maior empresa produtora de proteína animal do planeta. O pesquisador da Universidade da Califórnia — que nas redes sociais se intitula um guru dos gases de efeito estufa — fez a primeira apresentação do evento e não teve dificuldades em prender a atenção da plateia cheia de representantes do agro. O título de sua palestra foi “Não precisamos eliminar a pecuária para parar o aquecimento global”, apresentando conclusões que surpreenderam a audiência.
O cientista alemão argumentou que o metano — gás emitido pelo arroto do boi— tem um tempo de vida menor na atmosfera e suas moléculas são destruídas em pouco mais de uma década, enquanto o CO2 não.
O pesquisador não negou que a pecuária seja uma das causadoras das mudanças climáticas, mas defendeu que os maiores vilões são os combustíveis fósseis, disse em entrevista aos jornalistas após a sua apresentação no evento.
O “guru”, na verdade, enxerga um duplo potencial para o metano. Segundo ele, diminuir as emissões provocaria uma relevante queda no nível de gases na atmosfera, já que as moléculas liberadas há dez anos estariam sendo destruídas também.
Durante sua apresentação Mitloehner usou a metáfora da banheira. Pelo raciocínio, não seria preciso “fechar a torneira” das emissões para reduzir o nível de aquecimento global, mas garantir que haja mais metano “saindo pelo ralo” do que entrando na atmosfera.
“Podemos fazer da agricultura parte de uma solução climática e isso não é papo de greenwashing”, diz. “Para o Brasil, há uma oportunidade real.”
Frank Mitloehner refutou a tese de ambientalista que defendem eliminar a pecuária para enfrentar as mudanças climáticas. Ele citou que a pecuária é muitas vezes descrita como uma das principais fontes de gases de efeito estufa que causam mudanças climáticas. “É verdade que a pecuária é fonte desses gases, mas eles estão, de longe, mais presentes nos setores de combustíveis fósseis que incluem transporte, produção e uso de energia. Nos Estados Unidos, esses setores geram 80% dos gases de efeito estufa, sendo que todos os animais juntos geram 4%.”
O pesquisar destacou que: “Embora o CO2 não seja tão potente em reter o calor do sol quanto o metano, ele tem uma vida útil de 1.000 anos. Todas as vezes que você dirigiu um carro na vida, você colocou CO2 no ar — e tudo isso ainda está lá.”
No caso do metano é diferente. “O metano é um potente gás de efeito estufa, tem um forte impacto por molécula, mas ele não é apenas produzido, também é destruído por um processo químico na atmosfera chamado oxidação. São moléculas que destroem o metano, e isso geralmente acontece dentro de uma década.”
“Por causa do fato de que o metano é potente por um lado, mas também de curta duração, eu o chamo de gás “Velozes e Furiosos.”
“O que realmente importa é que o metano oferece uma oportunidade real para uma redução imediata no aquecimento. Quando reduzimos as emissões, reduzimos imediatamente o aquecimento. O mesmo não acontece com o CO2: quando reduzimos, apenas desaceleramos o aquecimento”, comparou.
Ao se questionado, seguindo esse raciocínio, não deveríamos então atacar primeiro o metano em vez do CO2?
“Não, porque estamos ficando sem tempo. Não temos tempo para fazer uma coisa primeiro e depois a outra. O elefante na sala é o combustível fóssil e o CO2 relacionado”, salientou.
“Isso não significa que podemos relaxar em outras fontes, como o metano do gado. Precisamos fazer isso concomitantemente”, recomendou.
COP26
Frank Mitloehner citou que recentemente, na COP26, um compromisso sobre o metano foi assinado por mais de 100 países. Eles concordaram em reduzir as emissões em 30% cada. No entanto, mesmo que 100 países alcancem o objetivo, isso provocaria uma redução do aquecimento adicional em 0,1 ºC.
“As reduções de metano terão um impacto, mas esse impacto não nos levará aonde precisamos chegar. Precisamos reduzir agressivamente — e depois eliminar — o uso de combustíveis fósseis.
Sobre as propriedades do metano, que é um gás de fluxo e não um gás de estoque. Qual a diferença? O CO2 se acumula na atmosfera toda vez que queimamos combustível fóssil. Adicionamos novo carbono ao estoque existente do dia anterior, da semana anterior, do mês anterior, do ano anterior, da década anterior. É o que chamamos de gás de estoque.
O pesquisador disse que: “Atualmente o metano é tratado nas políticas públicas como se fosse um gás de estoque. Mas isso não é verdade, porque o metano não é apenas produzido, mas também destruído quase em taxas iguais em todo o mundo.”
“Se uma vaca arrota hoje, uma quantidade quase igual de metano que foi emitida há 10 anos também é destruída. Portanto, não há adição de metano e aumento do aquecimento. Isso não significa que o metano não importa. Não queremos ver aumentos nos rebanhos de gado, o que levaria a quantidades crescentes de metano na atmosfera e causaria um aquecimento maior. Eu gosto de usar uma analogia. Imagine uma banheira que tem apenas uma torneira, mas sem ralo. Se abrirmos a torneira no fluxo baixo, médio ou alto, o resultado será sempre o aumento dos níveis de água. É o que acontece com o CO2. Não importa o quanto de combustível fóssil queimamos, isso sempre leva a níveis crescentes de carbono. A segunda banheira é a do metano, onde há uma torneira e um ralo, que está sempre aberto. O ralo, claro, é a analogia para a destruição do metano.”
“Se você abrir a torneira normalmente, uma quantidade igual de água que entra também é retirada pelo ralo. Como resultado, os níveis de água permanecerão estáveis. Se você girar a torneira, você põe menos água e isso significa que os níveis vão diminuir, e essa é a oportunidade real que temos para o metano. Se reduzirmos o metano, reduzimos o aquecimento. E na pecuária podemos fazer isso através de aditivos alimentares, gestão do estrume, captura de carbono e outras coisas.”
Sobre as florestas e as árvores que o seriam o ralo da banheira de CO2, o pesquisador concorda. “Sim, e essa é uma excelente pergunta. Existem drenos para o CO2, como florestas e oceanos, mas que são o pano de fundo natural. Eles sempre reduzem uma quantidade semelhante. Não mudam.
O que é mais importante é quando digo que não há remoção atmosférica de CO2. A molécula de CO2 não é destruída. A molécula de metano é literalmente destruída.”
Diferenças de perfil
O Brasil tem um perfil de emissões muito diferente dos EUA. Um terço vem da agricultura e pecuária, principalmente fermentação entérica, e, se colocarmos o desmatamento na conta, mais de 70% das emissões estão ligadas ao agro. Como você vê esse cenário e como poderíamos reduzir essas emissões?
“Em primeiro lugar, não posso confirmar os números porque não os estudei. Então vou aceitar sua palavra. A maneira como vejo isso é que, antes de tudo, vocês [Brasil] ainda são uma economia emergente. O Brasil não é como os Estados Unidos ou o Reino Unido, mesmo sendo um país forte.
Quanto menor o desenvolvimento de um país, mais importante é o setor agrícola no perfil de emissões. Um país como o Paraguai tem duas vezes mais gado do que pessoas e poucas indústrias. Um país como a Etiópia tem drasticamente mais gado do que pessoas e praticamente nenhuma grande indústria.
Em alguns países, os gases de efeito estufa do gado chegam a 90%. Isso não significa que o gado deles seja terrível em emissões, significa apenas que os outros setores são relativamente menos desenvolvidos.
O que é realmente importante para o caso brasileiro é que, em função de o metano ser o maior culpado das emissões agrícolas, vocês têm uma oportunidade significativa. Se o Brasil reduzir o metano, de preferência agressivamente, estará imediatamente retirando carbono da atmosfera, e isso reduz o aquecimento.
Se as indústrias agrícolas levarem a sério, essas reduções de metano gerarão um aquecimento negativo. Se o país reduzir o metano em 20 ou 30%, não apenas poderá compensar outras emissões agrícolas, mas eventualmente chegar a um ponto de neutralidade climática, em que essas indústrias não causam mais aquecimento adicional. Para o Brasil, há uma oportunidade real”, apontou.
Ao analisar o perfil do Estados Unidos, o pesquisador citou o caso do mais rico da América do Norte, a Califórnia.
“A Califórnia conseguiu uma grande redução nas emissões de metano recentemente. Como isso foi possível? Temos uma nova lei na Califórnia que exige uma redução de 40% do metano até 2030. No início, nossos agricultores pensaram que isso nunca seria possível, até descobrirem os incentivos financeiros para as reduções. Os formuladores da política fizeram parceria com a indústria de laticínios para colocar coberturas sobre o armazenamento de resíduos nas fazendas.
Imagine uma grande lagoa onde o estrume é armazenado. Isso costumava ser aberto e os gases eram liberados para o ar. Agora eles estão cobertos e os gases são capturados. Depois esse biogás é convertido em combustíveis para transporte, que abastecem caminhões, ônibus e assim por diante.
Com isso, estamos reduzindo as emissões da indústria de laticínios e impedindo que caminhões e ônibus queimem diesel fóssil. É o que chamamos de golpe duplo.
O estado da Califórnia paga aqueles que se envolvem neste caminho com créditos de combustível de baixo carbono. Eles podem chegar a quase metade do valor que uma fazenda recebe pela venda de leite.
Tudo começou há cerca de quatro anos. Até agora, a indústria de laticínios da Califórnia reduziu 25% de seu metano. Isso é sensacional considerando o pouco tempo.
É por isso que estou tão otimista, tão entusiasmado com as reduções de metano. Eu sei que elas são possíveis e, quando alcançarmos, teremos um impacto de curto prazo no clima.
Podemos fazer da agricultura parte de uma solução climática e isso não é papo de greenwashing. É a realidade, algo que devemos ajudar nossos agricultores a alcançar”, ressaltou.
Indagado se não capturar o metano como a Califórnia está fazendo é, portanto, não só uma perda de energia, mas de dinheiro também?
O pesquisador insistiu. “Com certeza. Lembre-se sempre disso: quando você alimenta uma vaca, cerca de 10% da energia que você fornece a ela se perde como metano. Isso é o mesmo que viver em um clima frio e deixar as janelas e portas abertas no inverno.
Atualmente é isso que fazemos com nosso gado. Estamos deixando o metano escapar e olhando para ele como um problema, quando deveríamos olhar para ele como uma oportunidade”, ensinou.
Frank Mitloehner, 53
É professor e especialista em qualidade do ar do departamento de ciência animal da Universidade da Califórnia em Davis. Natural da Alemanha, mudou-se para os Estados Unidos há 25 anos e, atualmente, também é diretor do Clear Center, centro que estuda sustentabilidade da agricultura animal.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.