Petróleo: Impasse na exploração da Foz do Amazonas coloca em risco autossuficiência energética do Brasil

Poucos representantes do Pará no Congresso Nacional têm se manifestado sobre o assunto
Vista da região da Foz do Amazonas, no Amapá. Local a ser pesquisado está a 500 milhas de distância do local da foto, mar adentro

Continua depois da publicidade

Ao assumir a presidência da Petrobras, Magda Chambriard declarou, em sua primeira coletiva à imprensa, que o Brasil precisa acelerar a exploração de petróleo para repor as reservas do pré-sal, que em seis anos entrarão em declínio. Isso significa, ainda de acordo com ela, que as decisões políticas sobre o assunto não podem mais ser adiadas, sob o risco do país abrir mão de garantir sua autossuficiência energética na produção de petróleo. O governo do presidente Lula será forçado a tomar uma decisão definitiva sobre o assunto, “arcar com o ônus ou bônus da escolha, e o Brasil seguir em frente”.

O tempo trabalha contra a indecisão do governo, porque se trata de sua maior contradição: a de se equilibrar entre duas narrativas conflitantes –  explorar petróleo na cobiçada Amazônia brasileira, ou manter as coisas como estão, e abrir mão de bilhões de dólares que financiariam a transição energética precificada por Lula na campanha eleitoral de 2022.

Com um Congresso Nacional refratário a grande parte da sua agenda, mas maleável quando a pauta econômica atende a interesses alinhados com o liberalismo econômico, valorização do empreendedorismo e oportunidade de garantir ao país recursos ainda não dimensionados, Lula teria o apoio dos parlamentares para tocar a empreitada de produzir petróleo a 500 km da Costa da Foz do Amazonas, ignorando a gritaria ambientalista fundamentalista defendida pela ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva.

Estratégia

Ao que parece, a opção de Magda Chambriard, numa jogada ensaiada após a demissão do antecessor, caminha para uma solução legal: incumbir o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de arbitrar a questão. Trata-se claramente de uma tentativa de “despolitizar” a mais do que provável decisão do presidente Lula em favor do Ministério das Minas e Energia, de Alexandre Silveira, que defende a exploração na região, em detrimento da opinião da pasta de Marina Silva, obviamente resistente ao projeto.

Fontes palacianas e vozes de congressistas próximos ao presidente garantem que ele já tomou sua decisão, mas conduzirá o processo sem margem de questionamento.

Lula vai autorizar a extração de petróleo da Margem Equatorial, onde está localizada a Bacia de Foz do Amazonas, sem correr o risco de perder Marina Silva, seu passaporte de credibilidade internacional para o meio ambiente. A trava que impede a perfuração dos primeiros poços não são pareceres técnicos do Ibama – cujas exigências, a bem da verdade, descem a níveis inconcebíveis de detalhe –, mas a questão é política.

A quinze meses do início da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), convocada entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025, em Belém do Pará, maior metrópole da Amazônia, o governo não pode mais esperar.

Um conjunto de obras de novos espaços irão contribuir para melhorar a qualidade de vida da população do Pará durante e após a COP 30 (Foto: Divulgação/ Agência Pará)

Durante a COP 30, 50 mil pessoas são esperadas em visita ao Pará. Para cumprir as expectativas, o Executivo estadual tomou medidas que vêm dando resultados. Focando nas soluções para que a capital possa sediar o encontro mundial, o governo contratou uma consultoria especializada, além de um escritório de projetos para garantir o cumprimento de prazos, e criou um comitê estadual focado no acompanhamento das ações previstas. o assunto exploração de petróleo na Amazônia será um desafio com eco internacional para o governo Lula.

O maior indício de um encaminhamento definitivo é que a nova presidente da Petrobras foi bastante específica ao divulgar, como sua prioridade de gestão, acelerar a exploração de petróleo para repor as reservas do pré-sal. Portanto, na prática, a executiva declarou oficialmente reaberta a campanha da companhia pela perfuração de poços exploratórios na Bacia de Foz do Amazonas.

O compromisso do Brasil com a descarbonização não significa interromper da noite para o dia a busca por novas reservas de petróleo. O combustível fóssil continuará ditando a geração de energia por muitas décadas e, para países como o Brasil, pode representar uma mudança de patamar econômico e social, além de ser uma ferramenta fundamental de financiamento da transição energética, que custará muito caro.

Chambriard era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), quando foram leiloados 65 blocos de petróleo na Bacia de Foz do Amazonas, em 2013, de um total de 289 blocos da 11ª rodada da ANP. Todas as áreas foram aprovadas previamente por um grupo técnico formado por Ibama, Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

A proposta de envolver o CNPE talvez ajude a pôr fim ao impasse. Afinal, dez ministros de Estado integram o colegiado, incluindo Marina e Silveira. O placar dificilmente será favorável a Marina Silva, e Lula terá de assumir o ônus da decisão final. De preferência, ainda na primeira metade de seu mandato.

O fim vai e vem?

Em declarações recentes, Magda Chambriard afirmou que o atraso na licença para pesquisa, que antecede a exploração propriamente dita, é frustrante e pode estagnar o Brasil. A CEO da petroleira insiste na exploração, mesmo após o Ibama dar uma série de sinalizações de que não vê a empreitada como viável. Para atingir o objetivo, ela pediu ao presidente Lula que interferisse no caso.

O órgão ambiental barrou a perfuração de poço no bloco 59 da bacia da margem equatorial pela primeira vez em maio de 2023. Desde então, em um vai e vem, a empresa reiterou o pedido para exploração e segue buscando o aval do Ibama, que não deu a palavra final sobre seu entendimento, mas fez novas exigências à estatal.

A última delas foi o pedido, com a Fundação dos Povos Indígenas do Brasil (Funai), de um estudo sobre o impacto da exploração sobre as comunidades indígenas da região do Oiapoque (AP). A Petrobras, nos últimos dias de Jean Paul Prates como presidente, contestou a exigência, mas ainda não se sabe como a nova gestão tratará o tema.

Sob reserva, integrantes da estatal e do Ministério de Minas e Energia veem como descabida a resistência do órgão ambiental, que estaria criando barreiras desnecessárias para o andamento do processo. Já quem está na área ambiental argumenta que todas as decisões são baseadas em laudos técnicos e que as negativas se dão porque a Petrobras não conseguiu comprovar a viabilidade da exploração.

Como Chambriard defende a exploração de petróleo na região há anos, há o receio que a tensão se acirre.

Um dos motivos que levou à queda de Jean Paul Prates da presidência da empresa foi a percepção, por parte do governo Lula, de que as entregas relativas ao plano de investimentos da petroleira não estavam acontecendo como deveriam.

A expectativa é de que a nova presidente consiga dar celeridade a uma série de obras, o que inclui um polo gás-químico em Minas Gerais, a recompra de refinarias vendidas no governo Jair Bolsonaro (PL) e o investimento na indústria naval.

A exploração do petróleo na margem equatorial também consta no plano de prioridades da Petrobras, e Chambriard é antiga incentivadora da ideia.

Em entrevista concedida em fevereiro, ela classificou como “frustrante” a demora no licenciamento para exploração da região. “Assusta ver que a negativa agora põe em dúvida a capacidade da Petrobras de lidar com uma nova fronteira,” declarou.

Em artigo publicado na revista Brasil Energia em 2023, Magda Chambriard ressaltou que não advoga pelo licenciamento “inconsequente”, mas avalia que a demora pode “condenar o Brasil à estagnação”. “O MMA não pode usurpar o poder de concessão da Presidência da República,” avaliou.

Na semana passada, a direção da petroleira anunciou nova ofensiva para tentar licenciar o bloco ainda neste ano. A Petrobras quer retomar as conversas com o Ibama, uma vez que a sonda contratada para perfurar o poço da Foz do Amazonas – atualmente operando em outro bloco, na Região Sudeste – ficará disponível em outubro.

A unidade perfurou dois poços no litoral do Rio Grande do Norte, também na chamada margem equatorial, hoje a principal aposta para renovar as reservas de petróleo do país, e fez a primeira descoberta em águas ultraprofundas da região. Depois, foi enviada para a Região Sudeste.

No seu parecer, o órgão ambiental citou preocupação quanto ao socorro à fauna em caso de acidente e a ausência do estudo chamado Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) como algumas das razões para a negativa à estatal.

A Petrobras entende que já cumpriu todas as exigências feitas pelo Ibama, mas precisa do aval do órgão para iniciar o simulado, última etapa antes da perfuração oficial do poço, localizado no bloco 59 da bacia da Foz do Amazonas.

A estatal defende que a descoberta de novas fronteiras exploratórias é fundamental para evitar que o Brasil volte a importar petróleo na próxima década, e que tem condições de realizar as operações com segurança.

O silêncio da maioria da bancada paraense

A Petrobras tem apoio do Ministério de Minas e Energia, de lideranças políticas do Amapá e de todo o setor de petróleo, mas enfrenta resistências do Ministérios do Meio Ambiente e de organizações ambientalistas.

O Ibama já havia negado à Petrobras outras duas licenças para perfuração de poços na margem equatorial, ambas no litoral do Maranhão.

Prates, ex-CEO da Petrobras, disse que a discussão sobre a exploração de petróleo na Amazônia é “o grande embate da transição energética no mundo”. “Um país autossuficiente [na produção de petróleo], que quer manter sua reposição de reserva para não ter que voltar a importar, que busca uma fronteira distante da costa, distante do ativo ambiental potencialmente ameaçado,” justificou.

A bancada do Pará no Congresso Nacional, exceto os senadores Beto Faro (PT) e Zequinha Marinho (Podemos), não tem se manifestado sobre o assunto. Zequinha é totalmente favorável à exploração, enquanto Beto Faro teve a iniciativa de debater o assunto em comissões temáticas da Casa. Já o senador Jader Barbalho (MDB), até o momento, preferiu o silêncio.

O silêncio de Barbalho é acompanhado pela maioria dos emedebistas do Pará na Câmara dos Deputados. Os três deputados do PL, Joaquim Passarinho, Delegado Éder Mauro e Delegado Caveira (Lenildo Mendes dos Santos Sertão) também são totalmente favoráveis à exploração de petróleo na Amazônia.

Deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), em entrevista ao Blog do Zé Dudu

“O Norte precisa de desenvolvimento. Nós precisamos diminuir as desigualdades, produzir riqueza, gerar renda e trabalho para o nosso povo. A exploração de Petróleo na Bacia da Foz do Amazonas pode ser uma solução,” declarou Passarinho, que preside a Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo, uma das mais influentes do Congresso.

Não se sabe o que pensam os demais deputados da bancada paraense, o que é surpreendente, uma vez que a capital do estado que os elegeu será anfitriã da COP 30.

Por Val-André Mutran – de Brasília

Deixe seu comentário

Posts relacionados