PF indiciará Bolsonaro e mais cinco auxiliares do primeiro escalão de seu governo

Destino dos seis está nas mãos da PGR, a quem cabe decidir se a denúncia vai ao STF
Cinco membros da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro negam as eleições de participação no suposto plano de golpe de Estado, no 8 de janeiro de 2023

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Encrencado em pelo menos quatro inquéritos que correm no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e mais seis de seus principais auxiliares do governo encerrado em 2022, serão denunciados pela Polícia Federal no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado, após a derrota para Lula nas últimas eleições presidenciais.

Além do ex-presidente, os ex-ministros e generais Augusto Heleno, Walter Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira; o ex-comandante da Marinha e almirante Almir Garnier Santos; e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, também serão indiciados no mesmo inquérito.

De acordo com a Polícia Federal, os investigadores têm elementos que mostram a participação dos cinco na suposta trama golpista colocada em prática ao longo de 2022, e, em especial, após o resultado do segundo turno da eleição daquele ano.

Mensagens encontradas recentemente pela PF ligam Bolsonaro à minuta golpista que implementava instrumentos jurídicos que permitiriam contestar o resultado das eleições, à margem da Constituição. No texto, encontrado posteriormente com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, constava o decreto de Estado de Sítio e de uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem.

A situação do ex-presidente se complica, sendo agravada pela confirmação dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Força Aérea Brasileira (FAB), tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior, de que Bolsonaro os pressionou a aderir a um golpe de Estado para se manter no poder.

O ex-comandante da Marinha Almir Garnier foi o único dos três chefes militares a, segundo a investigação da PF, colocar suas tropas à disposição para uma intentona golpista. O ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, é listado como pertencente ao núcleo de oficiais de alta patente que teriam se valido do cargo “para influenciar e incitar o apoio aos demais núcleos de atuação, por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas, para a consumação do golpe de Estado,” afirma a PF.

Já Anderson Torres, fora a omissão no 8 de Janeiro – quando ele, mesmo sendo secretário de Segurança e sabendo do risco de invasão das sedes dos Três Poderes, decidiu tirar férias e deixar Brasília –, será indiciado por ter servido, nas palavras dos ex-comandantes militares, como “tradutor jurídico” da minuta golpista.

Contra o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, uma das principais provas encontradas pela Polícia Federal foram anotações de teor golpista em uma agenda apreendida em sua casa. O compilado reunia medidas que poderiam ser adotadas pelo governo Bolsonaro, por exemplo, para frear a Polícia Federal e o Supremo, prevendo até a prisão de delegados que se dispusessem a cumprir ordens judiciais consideradas ilegais pelo governo.

A PF encontrou provas documentais e colheu depoimentos confirmando que o ex-ministro da Defesa e candidato derrotado à Vice-Presidência, Walter Braga Netto, tentou pressionar o ex-comandante do Exército, Freire Gomes, a aderir ao golpe de Estado. Numa das mensagens, ele chama o general de “cagão” por não ser golpista.

No celular de Braga Netto, também foram encontradas mensagens trocadas em dezembro de 2022 entre ele e Ailton Gonçalves Moraes Barros, amigo de Bolsonaro, com orientações para que o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior fosse atacado, pela mesma razão.

Diante da resistência de Baptista Júnior em aderir aos planos golpistas, Braga Netto o classificou como “traidor da pátria”, enquanto fazia elogios a Garnier, comandante da Marinha em concordância com o golpismo bolsonarista.

Todos os seis negam que tenham participado de qualquer plano ilegal ou golpista.

O inquérito das joias

Outro inquérito, praticamente concluído pelas autoridades da Polícia Federal, indiciou doze envolvidos, entre eles o ex-presidente, no chamado inquérito das joias sauditas. Foram encontrados indícios de que eles “atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente para posteriormente serem vendidos no exterior”.

Bolsonaro pegará entre 10 e 32 anos de reclusão se for condenado nesse processo, de acordo com a legislação vigente.

A PF enviou o relatório ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, relator do caso. Depois, caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) definir se oferecerá denúncia ou se pedirá o arquivamento do caso.

A pena mais rígida é a de associação criminosa (art. 288-A, do Código Penal). Quando três ou mais pessoas se associam para prática criminosa, poderão pegar entre cinco e dez anos de reclusão e multa.

Caso fique comprovado que Bolsonaro ocultou ou dissimulou “a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal,” poderá ser condenado entre três e dez anos. Há ainda previsão de pagamento de multa para lavagem de dinheiro.

Por fim, o crime de peculato está previsto no artigo 312 do Código Penal. “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio,” diz a lei. Para o crime, a pena varia entre dois e doze anos de reclusão.

Além do ex-chefe do Executivo, foram indiciados o chefe da Secretaria de Comunicação Social da gestão Bolsonaro, Fábio Wajngarten, o advogado Frederick Wassef, e outros nove investigados:

  • Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, ex-ministro de Minas e Energia – indiciado por peculato e associação criminosa;
  • José Roberto Bueno Junior, ex-chefe de gabinete de Bento Costa – indiciado por peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa;
  • Julio Cesar Vieira Gomes, ex-chefe da Receita Federal – indiciado por peculato, lavagem de dinheiro, crime funcional de advocacia administrativa perante a administração fazendária;
  • Marcelo da Silva Vieira, capitão de corveta da reserva, ex-chefe do setor de documentação histórica da presidência no Rio de Janeiro – peculato e associação criminosa;
  • Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator – peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa;
  • Marcos André dos Santos Soeiro, ex-assessor do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque – peculato e associação criminosa;
  • Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro – lavagem de dinheiro e associação criminosa;
  • Mauro César Lourena Cid, general pai de Mauro Cid – lavagem de dinheiro e associação criminosa; e
  • Marcelo Costa Câmara, coronel ex-ajudante de ordens de Bolsonaro – lavagem de dinheiro.

O que diz Fabio Wajngarten

Fabio Wajngarten classificou seu indiciamento pela Polícia Federal no caso das joias sauditas como uma iniciativa “arbitrária, injusta e persecutória”. Enquadrado pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa, ele diz que foi indiciado “por cumprir a lei”. “Conselho jurídico não é crime,” reagiu.

O ex-advogado de Bolsonaro postou um longo texto em seu perfil no X endereçando pesadas críticas à PF e ao delegado que o indiciou, de quem não citou o nome. “Recorrerei a todas as instâncias da Justiça para conter o abuso de poder e essa atitude arbitrária de um integrante da PF, que não pode ser confundido com a corporação como um todo”, narrou.

Ele sustenta que foi indiciado por “defender um cliente”.

“Sendo específico: fui indiciado pela razão bizarra de ter cumprido a Lei! Explico. Minha orientação advocatícia foi a de que os presentes recebidos pelo ex-presidente da República fossem imediatamente retornadas à posse do Tribunal de Contas da União, em defesa de qualquer dúvida sobre questionamentos em relação ao interesse público. E conselho jurídico não é crime. Minha sugestão foi acolhida e os presentes entregues imediatamente e integralmente recolhidos ao TCU”, narrou.

Wajngarten afirma que vai recorrer à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para “garantir seu direito constitucional de trabalhar sem intimidações”.

“A PF sabe que não fiz nada a respeito do que ela apura, mas mesmo assim quer me punir porque faço a defesa permanente e intransigente do ex-presidente Bolsonaro. Se a intenção é a de me intimidar, não conseguirão”, diz.

O que diz Frederick Wassef

“Como advogado de Jair Messias Bolsonaro, venho a público reafirmar que não foi Jair Bolsonaro e nem o coronel Cid quem me pediram para comprar o Rolex. Eu estava em viagem nos Estados Unidos por quase um mês e apenas pratiquei um único ato, que foi a compra do Rolex com meus próprios recursos, para devolver ao governo federal. Entreguei espontaneamente à Polícia Federal todos os documentos que provam isto. Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatório final, o que choca a todos, o vazamento à imprensa de peças processuais que estão em segredo de justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro.”

Reservadamente, autoridades do Judiciário dizem que a justificativa de Frederick Wassef não passa de confissão de culpa por ter participado de uma “operação de resgate” do relógio vendido num leilão no exterior.

Por Val-André Mutran – de Brasília

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