A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou arquivar o inquérito sobre ‘fakenews’ contra o STF aberto pelo presidente da Corte, Dias Toffoli. Na decisão do arquivamento, Dodge destaca a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que determinou que a revista digital “Crusoé ” e o site “O Antagonista” tirassem do ar uma reportagem intitulada “O amigo do amigo de meu pai”.
Ela enviou nesta terça-feira (16) ao Supremo Tribunal Federal (STF) um ofício mandando arquivar o inquérito aberto para apurar ataques contra a Corte e os ministros. Segundo a procuradora-geral, não foi delimitado o alvo da investigação, nem tampouco os alvos das apurações. Mesmo que o ofício dela seja imperativo, cabe apenas ao relator, o ministro Alexandre de Moraes, decidir se arquiva a investigação. Ele não pediu, no entanto, a opinião da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso.
O inquérito foi aberto em 14 de março pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Ele designou o ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso. Normalmente, um inquérito é aberto no tribunal a pedido da PGR. Esse inquérito nasceu de forma diferente, com base em artigo do Regimento Interno da Corte.
No ofício, Dodge explicou que não há sentido um inquérito para investigar ataques ao STF tramitar no próprio tribunal. “Note-se que a competência da Suprema Corte é definida pela Constituição tendo em conta o foro dos investigados e não o foro das vítimas de ato criminoso. Ou seja, a competência do Supremo Tribunal Federal não é definida em função do fato de esta Corte ser eventual vítima de fato criminoso”, escreveu.
De acordo com a PGR, a providência tem como fundamento “o respeito ao devido processo legal e ao sistema penal acusatório estabelecido na Constituição de 1988, segundo o qual o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal, fato que provoca efeitos diretos na forma e na condução da investigação criminal”.
No documento, Raquel Dodge afirma que as medidas de buscas e apreensão e a censura a Revista “Crusoé” e ao site “O Antagonista” foram tomadas sem a atuação do Ministério Público Federal (MPF), titular da ação penal.
Dodge cita como uma das medidas tomadas pelo Supremo sem anuência do MPF, a decisão do relator do inquérito, Alexandre de Moraes, que determinou na segunda-feira (15) que a revista digital “Crusoé ” e o site “O Antagonista” tirassem imediatamente do ar uma reportagem intitulada “O amigo do amigo de meu pai” .
A procuradora também criticou o fato de Toffoli ter designado o relator para o inquérito, sem sortear um nome, como determina a praxe. Ainda segundo ela, a forma como o inquérito foi instruído “ferem o sistema penal acusatório e a Constituição”.
A PGR enfatizou a importância da separação das funções no processo penal, destacando que tem defendido de forma intransigente o modelo adotado na Constituição Federal, por ser uma garantia do indivíduo e da sociedade, essenciais para construir o Estado Democrático de Direito.
“O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas trinta anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque ela fortalece a justiça penal”, pontua em um dos trechos da manifestação.
A decisão de Dodge ocorre no âmbito do inquérito em que o ministro Alexandre de Moraes determinou à Polícia Federal uma operação de busca e apreensão em oito locais nesta terça-feira. Um dos alvos da operação de hoje é o general da reserva Paulo Chagas.
A ordem de busca e apreensão sustenta que há indícios de que os investigados cometeram crimes previstos na Lei de Segurança Nacional (LSN), editada em 1983. Os investigados também são suspeitos de cometer crimes de calúnia, injúria e difamação. Nenhum deles tem foro especial no STF, mas estão sob investigação da Corte.
A procuradora-geral cita ainda um entendimento do ministro Celso de Mello, decano do STF, de que o arquivamento do MPF é “irrecusável”.
“Há notícia de proibição de exibição de matéria jornalística por ordem judicial emanada deste inquérito, sem manifestação prévia do titular da ação penal “, assinala Dodge na peça de sete páginas encaminhada nesta terça-feira ao ministro relator do caso.
Dodge lembra que a Constituição prevê que cabe ao Ministério Público o papel do titular da ação penal –– de órgão acusador, portanto –– e que nenhuma das medidas determinadas por Alexandre de Moraes no âmbito do inquérito poderia ter sido implementada sem prévia manifestação do Ministério Público Federal.
Em seu despacho a procuradora-geral aponta ainda que até hoje o MPF não teve acesso aos autos da investigação instaurada por ordem do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, O que provocou vícios “insanáveis”.
“O ordenamento jurídico vigente não prevê a hipótese de o mesmo juiz que entende que um fato é criminoso determinar a instauração da investigação e designar o responsável por essa. investigação”, aponta a PGR na peça.
No caso do inquérito, o presidente do Supremo indicou que sua relatoria ficaria com o ministro Alexandre de Moraes durante a sessão plenária da corte. Foi no âmbito dessa investigação que foi determinada censura à reportagem da revista “Crusoé” que cita Toffoli.
Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília