Plenário virtual do STF poderá obrigar governo a apresentar plano de vacinação contra a Covid-19 em 30 dias

Tema será discutido pelos ministros na sessão do plenário virtual a partir de 4 de dezembro
Ministro Ricardo Lewandowski é o relator das duas ADIs impetradas por partidos de oposição

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Brasília – O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator das ADPFs 754 e 756, votou para que o governo federal apresente, em 30 dias, um plano de vacinação contra a Covid-19. O plano terá de ser atualizado todo mês até o fim de 2021 e enviado, também, ao Congresso Nacional. As duas ações foram pautadas para a sessão do plenário virtual que se inicia no dia 4 de dezembro.

Lewandowski, que é o relator das duas ações que pedem que o governo federal adquira doses das vacinas Coronavac, contra a Covid-19, entendeu que o Executivo deve apresentar à Corte um planejamento detalhado das estratégias para o enfrentamento à pandemia, com a identificação de datas e recursos para assegurar a “oferta e distribuição tempestiva, universal e gratuita de vacinas, em qualidade e quantidade suficiente para a imunização de toda a população brasileira, segundo critérios técnicos e científicos pertinentes, assegurada a maior cobertura vacinal possível”.

As ações foram ajuizadas pela Rede Sustentabilidade e por partidos da oposição (PCdoB, PT, PSOL, PSB, Cidadania). A sessão do plenário virtual em que as duas ações foram incluídas vai até as 23h59 de 11 de dezembro, horário limite para os ministros juntarem seus votos. 

“Sobretudo neste momento de arrebatador sofrimento coletivo, em meio a uma pandemia que vitimou centenas de milhões de pessoas ao redor do mundo, que não é dado aos agentes públicos tergiversar sobre as medidas cabíveis para debelá-la, as quais devem guiar-se pelos parâmetros expressos na legislação em vigor, pautando-se, tão somente, em evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas em saúde,” escreveu o ministro no voto.

O relator cita autores que tratam do direito à saúde e ponderam que este não se resume à medicina curativa, mas também inclui a preventiva, a qual exige a execução de uma política social e econômica adequada. De acordo com ele, “inexiste qualquer dúvida de que o direito social à saúde se coloca acima da autoridade de governantes episódicos”.

Lewandowski enfatiza ainda que é dever irrenunciável do Estado brasileiro zelar pela saúde de todos, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), concebido como uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços públicos, qualificada pela descentralização, pelo atendimento integral e pela participação da comunidade em sua gestão e controle.

“É nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia decorrente da Covid-19, que se exige, mais do que nunca, uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação,” diz o ministro.

Para Lewandowski, o Estado brasileiro não pode “pautar-se por critérios políticos, partidários ou ideológicos para escolher ou rejeitar determinadas vacinas e respectivos insumos, nem discriminá-las com base apenas em sua origem, e muito menos repudiá-las por razões de caráter subjetivo, não lhe sendo lícito abrir mão de qualquer imunizante que venha a mostrar-se eficaz e seguro contra a Covid-19”.

O relator das ADPFs afirma que a Constituição é clara quando define que à União cabe “executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional”, pelo disposto no art. 16, III, a, e parágrafo único, da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/1990).

O ministro refuta o argumento de que o Judiciário não poderia impor obrigações à administração pública. Ele cita o RE 592.581, que assentou que é lícito impor medidas de obras emergenciais em presídios diante da reiterada omissão do Estado.

“Não obstante, em situações como esta sob análise, marcada por incertezas quanto às medidas mais apropriadas para o enfrentamento da pandemia, em especial no concernente à eficácia do distanciamento social e dos imunizantes em cogitação, assim como por dúvidas acerca de um futuro acesso universal às vacinas, não posso deixar de asseverar, com toda a convicção, que incumbe ao Supremo Tribunal Federal exercer o seu poder contramajoritário, oferecendo a necessária resistência às ações e omissões de outros Poderes da República, de maneira a garantir a integral observância dos ditames constitucionais.”

Ações sobre a CoronaVac

A ação da Rede Sustentabilidade questiona a desautorização do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) quanto ao anúncio da intenção do Ministério da Saúde de adquirir vacinas contra a Covid-19, a CoronaVac.

O partido pede concessão de liminar para determinar que o governo federal assine protocolo de intenções de adquirir as 46 milhões de doses inicialmente previstas da vacina CoronaVac, e que apresente, em até 48 horas, planos de aquisição de vacinas “que contemplem todas as alternativas viáveis com base em critérios científicos de segurança, de perspectiva de disponibilidade e eficácia das vacinas”.

Já PCdoB, PT, PSOL, PSB e Cidadania pedem, na ADPF 756, que o presidente da República e o ministro da Saúde sejam “obrigados a se abster” de qualquer ato que possa “dificultar ou impedir os atos administrativos indispensáveis para que as colaborações destinadas à realização de pesquisas continuem sendo implementadas, expressos ou não em protocolos de intenções”. Os partidos também querem reverter a decisão do governo de desistir de adquirir as 46 milhões de doses de vacinas.

No dia 4 de novembro, o procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, defendeu que não sejam conhecidas as duas ações. Para o PGR, os partidos políticos autores das ações buscam interferir indevidamente no processo de compra de vacinas, que ainda estão em fase de desenvolvimento incerta.

Para Aras, os pedidos envolvem a imposição de obrigações ao governo Federal e à Anvisa, o que, em sua visão, “poderiam ser eficazmente obtidos em via distinta, por intermédio do microssistema de direitos coletivos”, como “a ação civil pública, o mandado de segurança ou a ação popular, instrumentos também contemplados no modelo judiciário definido pela Constituição Federal, com aptidão para questionar a legitimidade de ações ou omissões praticadas pela Administração Pública, inclusive com maior amplitude do que aquela possível em ADPF”.

Um dia antes, a Advocacia-Geral da União (AGU) havia defendido que a compra de vacinas contra a Covid-19 depende de comprovações técnicas de segurança e eficácia, e que não há nenhuma vacina em desenvolvimento que já preencha esses requisitos. A AGU afirmou também que é uma atribuição exclusiva do Executivo, não podendo haver interferência do Judiciário.