Aprovado pela Assembleia Legislativa no dia 11 de junho deste ano, o projeto que cria uma nova lei de terras no Pará, de iniciativa do Executivo, chamou atenção da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) para inconstitucionalidades que não poderiam existir na matéria, que substituiu a legislação até então existente no estado sobre o assunto, com a revogação da Lei nº 7.289/09 e do Decreto-Lei nº 57/69.
Em nota técnica enviada ao governador Helder Barbalho no dia 26 de junho, a PFDC alertou: a nova lei repassava “parte considerável” do patrimônio fundiário do Pará para a iniciativa privada com possibilidade de preço até nove vezes inferior ao do mercado de terras, “sem grande expectativa de contrapartida social e ambiental”.
O documento foi assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos integrantes do grupo de trabalho da PFDC sobre Reforma Agrária, os procuradores Júlio Araújo, Sadi Flores, Daniel Medeiros e Raphael Bevilaqua. Também assinaram o documento os procuradores da República Nathália Pereira, Ricardo Negrini, Isadora Chaves, Ubiratan Cazetta e Felipe Palha.
Pelo o que foi analisado pelo grupo, o projeto aprovado pela Alepa, onde recebeu várias emendas parlamentares, também iria facilitar a legalização de terras públicas ocupadas ilegalmente, impactaria na grilagem de terras, e, consequentemente, promoveria aumento da violência no campo. A sugestão dada pela PFDC foi para que o projeto retornasse ao Legislativo, para novamente analisar o conteúdo da iniciativa governamental.
No dia 1º deste mês, Helder Barbalho se reuniu com representantes de movimentos sociais, entre os quais a Federação dos trabalhadores Rurais (Fetagri) e a Comissão Pastoral de Terras (CPT), para tratar sobre o texto da nova legislação. Do encontro, participaram o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Bruno Kono; o procurador-geral do Estado, Ricardo Sefer; os deputados estaduais petistas Carlos Bordalo e Dilvanda Faro e o deputado federal Beto Faro.
Na conversa, o governador informou estar de acordo com vetos aos pontos contestados do projeto. E foi o que Helder Barbalho fez. Publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) desta terça-feira, 9, a Lei nº
8.878/19, que dispõe sobre a regularização fundiária de ocupações rurais e não rurais em terras públicas do Pará, foi sancionada com vetos a quatro incisos – dos artigos 5º e 16 – e a dois parágrafos – também do artigo 5º e do artigo 27.
Mensagem sobre vetos
Na mensagem à sanção da lei encaminhada ao presidente da Alepa, deputado Daniel Santos (sem partido), o governador reconhece que os pontos vetados contrariam o interesse público. “Isso porque os incisos XXVI e XXVIII do art. 5º, ao conceituarem os institutos de título de posse e título provisório, poderiam criar inadequada impressão de recriação desses instrumentos há muito extintos do ordenamento jurídico paraense justamente por sua ligação com a grilagem de terras e ainda incorreria no risco de se pretender interpretação jurídica no sentido desses serem fonte legal para matrícula de propriedade”, diz Helder Barbalho, na justificativa.
Sobre os incisos V e VI dos parágrafos 2º e 3º ao artigo 16, introduzidos no texto por emendas parlamentares, acabaram por repetir norma já prevista no artigo 10 do próprio projeto, que prevê entre os requisitos para regularização fundiária a posse mansa e pacífica. “Desta forma, não há razão jurídica para a repetição da disposição”, diz o governador.
Os movimentos sociais se viam criminalizados por esses parágrafos por vedar a eles o direito à regularização fundiária. Helder Barbalho concordou e justifica na mensagem que esses pontos da lei previam procedimento administrativo para apuração de atos que poderiam, em tese, configurar infração penal por criar embaraço desproporcional às ações de regularização de terras “em favor de pessoas participantes de movimentos sociais historicamente alinhados a essa pauta de luta”.
Quanto ao parágrafo 1º do artigo 27, o chefe do Executivo esclareceu que foi vetado porque esticou de forma desnecessária, para além de três anos, o prazo para que os detentores de títulos provisórios de terra solicitassem a conversão em títulos definitivos, quando o período “já se mostrava suficientemente longo para tal desiderato”, à vista da segurança jurídica.
Retorno à Alepa
Como houve vetos, a lei irá voltar à Alepa para ser votado com as modificações apresentadas pelo Executivo. No total, são 34 artigos que compõem a nova lei de terras do Pará. O último prevê: “O cumprimento e a implementação das disposições desta lei poderão ser avaliados de forma sistemática pelo Tribunal de Contas do Estado do Pará, sem excluir as atribuições constitucionais da Assembleia Legislativa.”
Na reunião com os movimentos sociais, o presidente do Iterpa, Bruno Kono assegurou que a nova lei prevê ação efetiva do Estado no combate ao desmatamento, com estímulo a projetos sustentáveis.
Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém