O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quarta-feira (27) por 6 votos a 5 que o ensino religioso em escolas públicas pode ter caráter confessional, ou seja, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica.
O Supremo tomou a decisão ao julgar uma ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República, que queria que as aulas de religião oferecessem uma visão plural sobre as diferentes religiões.
Votaram contra o pedido da Procuradoria, e a favor do ensino confessional, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e a presidente do STF, Cármen Lúcia. Os ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello concordaram com a ação da Procuradoria e entenderam que as aulas em escolas públicas não poderiam ter conteúdo de apenas uma religião.
O STF analisou uma ação de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o acordo entre o Brasil e o Vaticano e dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação, que preveem o ensino religioso nas escolas públicas. O acordo com o Vaticano e o artigo 33 da LDB afirmam que o ensino religioso “constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas”.
Enquanto a LDB proíbe “quaisquer formas de proselitismo [doutrinação]”, o acordo com o Vaticano proíbe “qualquer forma de discriminação” e diz garantir “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil”.
A Procuradoria defendia que o ensino de religião nas escolas públicas deve contemplar informações sobre a história e doutrina das diferentes religiões, sem tomar partido entre uma delas. O ensino religioso é previsto na Constituição Federal, que diz que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.
Em seu voto, contrário ao pedido da ação, o ministro Dias Toffoli afirmou que a própria Constituição autoriza que o ensino religioso seja confessional. “Ocorreu, portanto, uma autorização expressa e consciente do constituinte de que o modelo de educação religiosa em sala de aula fosse sim o confessional”, afirmou. “O Estado brasileiro não é inimigo da fé. A separação entre Estado brasileiro e a igreja não é uma separação absoluta. A neutralidade diante das religiões encontra ressalvas”, disse Toffoli.
Gilmar Mendes ironiza Estado laico Ao votar a favor da possibilidade do ensino confessional, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a religião está presente na cultura nacional. “Aqui me ocorre uma dúvida interessante: será que precisaremos em algum momento chegar ao ponto de discutir a retirada da estátua do Cristo Redentor do Morro do Corcovado [no Rio de Janeiro], por simbolizar a influência cristã em nosso país”, perguntou o ministro.
“Ou a extinção do feriado nacional da padroeira Nossa Senhora Aparecida? A alteração do nome dos Estados? São Paulo passaria a se chamar Paulo? Santa Catarina passaria a se chamar Catarina? Espírito Santo poderia se pensar em Espírito de Porco ou qualquer outra coisa”, disse Gilmar. Relator, Barroso defendeu o Estado laico.
O julgamento começou na sessão de 30 de agosto, com o voto do ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, contra a possibilidade de que as aulas tenham caráter confessional, ou seja, sejam ministradas com caráter de doutrinação religiosa, como nas aulas da catequese católica, por exemplo. Isso quer dizer, segundo o voto de Barroso, que os professores não poderiam atuar em sala de aula como representantes de uma determinada religião. Barroso afirmou que, apesar de o ensino religioso estar previsto na Constituição, seria preciso interpretar a questão a partir do princípio de que o Estado é laico.
“O ensino religioso convencional viola a laicidade [do Estado] por que identifica Estado e igreja, o que é vedado pela Constituição”, disse.
“Uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar a sua fé. Isso seria uma recaída no velho patrimonialismo brasileiro de apropriação privada do espaço público”, afirmou Barroso, que teve seu voto derrotado pela maioria.
Primeiro a divergir do voto de Barroso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, ao prever o ensino religioso, a Constituição quis que as aulas apresentassem a visão de mundo religiosa e não uma espécie de história das diferentes religiões.
“O Estado, substituindo os dogmas da fé por algo pasteurizado, algo histórico, algo neutro, na verdade ele está impondo o que ele acha que é ensino religioso, contra o que todas as religiões entendem ser ensino religioso, que são os dogmas da fé”, disse Moraes. “A ação pretende criar de forma ficta, de forma artificial, uma doutrina religiosa do Estado”