Brasília – O Blog do Zé Dudu publicará uma série de reportagens especiais que vai revelar os bastidores da maior preocupação do governo: os esforços da equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para garantir uma base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Há sinais de que haverá grande dificuldade na aprovação de pelo menos cinco medidas provisórias encaminhadas entre janeiro e fevereiro ao Congresso Nacional e que não foram bem recebidas, até por congressistas que apoiam o governo.
No sistema presidencialista brasileiro, o Executivo precisa de uma coalizão mínima para a aprovação de sua agenda no Congresso Nacional. Reside aí o problema.
Ciente das adversidades, o próprio governo já acenou com cargos no primeiro, segundo e terceiro escalão para quebrar a resistência de partidos fisiológicos e que tem se mostrado refratários. Não se importam quem é o governo da hora, mesmo assim o apetite se mostra maior do que a oferta.
No ano passado, no curso da campanha política, a experiência de Lula apontou um único caminho para derrotar a máquina do governo: união. Foi construída, então, uma ampla frente de partidos. A estratégia deu certo e, pela primeira vez na história, um Presidente da República no cargo não conseguiu se reeleger, em mais um ineditismo que marcou, até aqui, a carreira política de Jair Bolsonaro (PL) em sua rápida passagem pelo Executivo.
Definido o novo presidente, Lula não consegue folga nos números de apoio que precisa para governar. O mundo mudou desde suas últimas passagens (2003 até 2006, e de 2007 até 2011): a direita veio para ficar e hoje, diferente de ontem, não tem mais vergonha de escancarar sua ideologia.
O primeiro capítulo do terceiro governo começa a se desenhar com um teste de fogo do governo. A partir da próxima semana, uma série de acontecimentos interconectados darão o tom de como será a relação do Palácio do Planalto com o Palácio do Congresso. Uma relação que é o prenúncio de sucesso ou fracasso do governo.
Como pano de fundo, cinco medidas com poder de grandes estragos, como a detonação de uma banana de dinamite, vão testar quem está e quem não está com o governo. As Medida Provisórias dos Combustíveis, da Esplanada, da Funasa e do Carf, podem impor uma derrota histórica – o governo sabe disso e corre para mudar o rumo. Não quer estrear com derrota.
Capítulo I
Nos capítulos que começam a ser escritos, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) será uma das protagonistas. Com encontro marcado para a próxima quinta-feira (16), às 8h, para definição dos trabalhos iniciais do colegiado neste ano, a Medida Provisória nº 1.154/2023, conhecida como MP da Esplanada, deve ser destaque na pauta dessa primeira reunião de trabalho.
Na última quarta (8), a senadora Soraya Thronicke (União-MS) e o senador Efraim Filho (União-PB) foram eleitos, por aclamação, para a presidência e vice-presidência da comissão.
A CRA tem 17 senadores membros titulares e 17 suplentes e lhe compete opinar sobre proposições pertinentes aos seguintes temas:
- Planejamento;
- Direito agrário;
- Acompanhamento e execução da política agrícola e fundiária;
- Agricultura;
- Pecuária e abastecimento;
- Agricultura familiar e segurança alimentar;
- Silvicultura;
- Aquicultura e pesca;
- Comercialização e fiscalização de produtos e insumos;
- Inspeção e fiscalização de alimentos;
- Vigilância e defesa sanitária animal e vegetal;
- Irrigação e drenagem;
- Uso e conservação do solo na agricultura;
- Utilização e conservação, na agricultura, dos recursos hídricos e genéticos;
- Extensão rural, organização do ensino rural, entre outros temas.
A reunião será realizada na sala 13 da ala Alexandre Costa, no Senado.
Na ocasião, Thronicke prometeu pautar os trabalhos da CRA na busca da harmonia entre agronegócio e meio ambiente, e defendeu ainda o enfrentamento da questão fundiária.
“Chega de demonizar o produtor rural, chega de jogar uns contra os outros, e chega de batalhas ideológicas estéreis. Nós podemos expandir o setor agropecuário e preservar o meio ambiente, podemos exportar e alimentar o brasileiro, gerar emprego e renda no campo,” disse.
Embora o discurso para mitigar o claro antagonismo entre produção x meio ambiente polarizado no Brasil seja protocolar, todos os presidentes da CRA falam a mesma coisa quando tomam posse, mas na prática a história é outra. Há uma guerra silenciosa entre gato e rato, onde o gato são os ruralistas e o rato são os ambientalistas.
Há um outro detalhe: a senadora Soraya Thronicke é membro da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Multipartidário e com 304 membros, é o mais poderoso colegiado do Congresso Nacional e defende o lado dos gatos.
A informação é relevante porque está partindo da FPA a articulação para derrubar a MP da Esplanada, um dos primeiros atos do governo Lula, editada no primeiro dia de governo, quando começou a sua tramitação após a publicação no Diário Oficial da União.
Mas por que a MP da Esplanada como é chamada, preocupa o governo, uma vez que trata “apenas” de um assunto burocrático? Aí é que mora o problema.
Conab e CAR
O texto da MP, que cuida da organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, embute um “jabuti”: a transferência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ao lerem a MP, os congressistas ruralistas descobriram a “pegadinha” e ficaram furiosos.
Há senadores e deputados que acham que a decisão em relação à Conab é uma declaração de guerra do governo contra o setor. “Uma provocação”, é o coro uníssono.
A relação de Lula com o setor produtivo rural não é boa nem antes, nem durante e muito menos depois das eleições. Setores do regimento montado da política do Planalto juram que não vão ceder e que a Conab vai mesmo para o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Os ruralistas entenderam o recado e o assunto virou uma questão de sobrevivência e honra. Derrubar a medida no voto é a palavra de ordem, justamente o que o governo acha que tem, mas não em quantidade suficiente.
Ao abrir o diálogo para evitar o confronto, os congressistas mais jeitosos da FPA tentaram demover o governo da decisão em relação à Conab. Na leitura desses mesmos interlocutores, ficou claro que o governo resolveu dobrar a aposta, entendido como uma decisão deliberada de esvaziar o Ministério da Agricultura, que tinha superpoderes na gestão anterior.
Ainda no âmbito dessa disputa, o governo quer também transferir a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para debaixo das asas de uma arquirrival do setor, a deputada licenciada e ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (REDE).
O Pará tem destaque na FPA. O Senador Zequinha Marinho (PL-PA) é vice-presidente do colegiado, que em suas fileiras conta ainda com os deputados Celso Sabino (União-PA), Delegados Éder Mauro e Caveira, Joaquim Passarinho, os três do PL do Pará, Elcione Barbalho (MDB-PA) e Júnior Ferrari (PSD-PA).
Proposta alternativa
O deputado Zé Silva (SD-MG), coordenador da Comissão de Agricultura Familiar da FPA, apresentou à Presidência da República uma requisição de desvinculação da Conab dos órgãos do governo federal e a sua transformação em Agência de Inteligência do Agro Brasileiro.
Segundo o parlamentar, a Companhia cumpre papel social fundamental, especialmente no suprimento de alimentos aos segmentos mais carentes da população. “A empresa é responsável por políticas agrícolas e de abastecimento que asseguram o atendimento das necessidades básicas da sociedade,” explica.
Antes no Ministério da Agricultura (MAPA), a Conab está hoje vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). “Vejo como é estratégico dar à Conab autonomia e a garantia de recursos para a promoção da segurança alimentar e nutricional, assegurando a todos o acesso à alimentos de qualidade,” justifica o deputado.
Zé Silva destacou ainda que como instituição essencial para o desenvolvimento da agricultura e do abastecimento, além de agente crucial para a segurança alimentar, no Brasil e no exterior, “é fundamental o seu redesenho como organização, desvinculando-a integralmente dos órgãos do governo federal e transformando-a em agência de inteligência do agro brasileiro.”
O parlamentar até o momento não teve resposta quanto à solicitação, enquanto isso, os congressistas contrários à MP da Esplanada, tentam juntar todas as forças para derrotar o governo no voto.
Por Val André-Mutran – de Brasília
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