Prazo para votação da PEC da Transição se aproxima de ponto sem volta

Congressistas alertam que negociação não pode passar desta semana
Milhões de beneficiários serão enganados se proposta não for votada até 23 de dezembro quando o Congresso entra em recesso

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Brasília – Se a negociação para a aprovação do texto da PEC da Transição — principal medida do governo de transição — não for concluída nesta semana, “o projeto não terá como ser votado”, alertam congressistas de diferentes legendas. O rito da tramitação é estabelecido pelo Regimento Interno do Senado, onde a proposta tem dee ser votada em 1º turno em até 29 de novembro, caso contrário a matéria será arquivada e um “terremoto” balançará um governo que sequer assumiu o comando do país.

O alerta foi feito pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) e pelo relator do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).

O texto da proposta de emenda constitucional foi entregue pela equipe de transição no último dia 16, mas enfrenta resistências de partidos aliados ao atual governo, que rejeita a possibilidade de o Auxílio Brasil ficar fora do teto pelos próximos quatro anos.

A equipe do governo eleito tenta costurar com a base aliada do presidente Jair Bolsonaro (PL) um acordo para aprovar, o mais rapidamente possível, o texto da PEC. Aquilo que, de início, parecia contar com a colaboração e boa vontade do Centrão, diante da urgência na tramitação, empacou.

A futura oposição ao governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antecipou a ida para outro lado do balcão e já colocou os primeiros obstáculos. Na semana passada, os líderes na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), deixaram claro que a atual base do governo não dará todos os pontos da PEC de mão beijada ao PT.

Apesar do consenso para aprovação do Auxílio Brasil de R$ 600 — o Orçamento enviado pelo governo Bolsonaro prevê o pagamento de um benefício menor, de R$ 400 —, a equipe de Bolsonaro discorda da pretensão do governo eleito de colocar toda a verba para o benefício permanentemente fora do teto de gastos. Além disso, Barros disse durante a semana que a promessa do presidente eleito de colocar um bônus de R$ 150, no Bolsa Família, para cada criança de seis anos por família, é inviável.

O senador Portinho, por sua vez, apontou que o Auxílio Brasil fora do teto permanentemente será “muito difícil”. Fontes do atual governo afirmam que “não tem chance” de a gestão Lula conseguir apoio para aprovar a PEC nesses termos. A base bolsonarista argumenta que a PEC não pode se tornar “um cheque em branco” para o governo eleito, que atribui a formatação da proposta de emenda ao Orçamento enviado por Bolsonaro ao Congresso.

Terremoto

Se o novo governo não conseguir aprovar a PEC como enviou ao Congresso, um terremoto vai abalar sua credibilidade antes mesmo de assumir, de fato e de direito o comando do país. “Como ficará a situação dos milhões de brasileiros que dependem do benefício para sobreviver?”, questionam congressistas de vários partidos.

O relator do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), defende que a proposta seja aprovada. “Colocar medidas fora do teto de gastos é necessário, independentemente do vitorioso nas urnas”. Ele classificou o texto remetido pelo governo de transição ao Congresso como “PEC da salvação”, enquanto que os partidos da base do governo chamam a proposta de “PEC da Gastança”. O senador destacou, ainda, diversos pontos de defasagem que o Orçamento enviado pelo atual governo possui.

Na área da saúde, estão previstos cortes de R$ 3,3 bilhões. Programas como o Farmácia Popular, além de tratamentos para HIV e câncer, serão duramente impactados caso o Orçamento não sofra alterações. Na educação, a merenda escolar não é reajustada desde 2017 devido a um veto de Bolsonaro para corrigir tais recursos pela inflação. Também há um bloqueio de R$ 796,5 milhões para a compra de livros didáticos — cerca de 70 milhões de instrumentos de ensino para alunos e professores dos primeiros anos do ensino fundamental deixaram de ser comprados. Cerca de 12 milhões de estudantes correm o risco de iniciar as aulas em 2023 sem material didático.

Castro também faz diversas críticas ao Orçamento previsto para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Segundo o senador, a autarquia não terá capacidade de manter as estradas com o orçamento previsto de R$ 6 bilhões. A peça orçamentária para 2023 prevê R$ 63 bilhões a menos nos gastos para despesas obrigatórias em comparação ao ano de 2016, quando o Congresso aprovou o teto de gastos no governo do presidente Michel Temer.

Negociação

A tramitação da PEC começará no Senado. Castro estima que a votação na Casa ocorra dia 29. Além das divergências no Legislativo sobre o teor do texto, há pressão do mercado financeiro, que pode levar a um enxugamento ainda maior da proposta.

A expectativa é que a tramitação no Senado seja rápida. Na Câmara, deve ser apensada à PEC 24/2019, já sujeita à deliberação do Plenário, segundo Castro. A matéria deve ser aprovada até 16 de dezembro para ir à sanção presidencial.

Prazo está no limite

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta segunda-feira (21) que o tempo para que o Congresso discuta a PEC para furar o teto de gastos é exíguo. Ele disse também que não poderia opinar sobre o assunto, pois ainda não há um texto pronto sobre a medida. O anteprojeto foi entregue ao Legislativo pelo vice-presidente eleito e coordenador da equipe de transição, Geraldo Alckmin (PSB), em 16 de novembro. A tramitação da PEC vai começar pelo Senado.

“A PEC está posta num anteprojeto e começará pelo Senado. Ainda não temos texto nem assinaturas. O que temos é um tempo exíguo de 17 dias para discutir um texto desse. Sem entrar no mérito, não tivemos uma reunião depois do segundo turno com os líderes, nossas pautas encaminhadas demandam muitas discussões, e a PEC da transição quem toca é a equipe, e não houve reunião entre Câmara e Senado também”, afirmou o deputado.

O prazo é curto porque o período de recesso do Legislativo vai de 23 de dezembro quando encerrará esse legislatura de 2022 e só volta em 1º de fevereiro de 2023 quando dará posse aos novos congressistas eleitos esse ano.

Durante evento realizado pela Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad) nesta segunda, Lira também defendeu as emendas de relator (RP 9) — o chamado “orçamento secreto” — e opinou que seria uma forma “mais democrática” de destinar os recursos, já que a definição sobre a verba não seria dada por apenas um ministro.

O presidente da Câmara criticou o fato de essas emendas serem denominadas como “orçamento secreto”. Adotado em 2020, o modelo utiliza as emendas de relator (identificadas pelo código RP-9) dentro do Orçamento para ampliar a quantia de recursos públicos que congressistas podem enviar a seus redutos eleitorais. Mas não é possível identificar quem foi o autor da indicação da verba.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.