Brasília – Ao contrário da maioria da população que sofre com problema de moradia, dentre outros desafios ainda mais perversos, essa realidade é oposta, dado o nível de regalias que deputados e senadores têm a disposição. Um dos exemplos emblemáticos dessa vergonha nacional é a existência de um prédio fantasma totalmente desocupado há 15 anos. Propriedade da União, está cedido à Câmara para moradia dos deputados. Mas os parlamentares rejeitaram o bloco de 24 apartamentos — avaliados em R$ 3 milhões cada um — por causa do barulho dos carros que passam pelo Eixo Norte.
Considerando o valor do auxílio moradia pago a deputados que não contam com apartamento funcional, o prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 18 milhões. Como há outro bloco na mesma situação ao lado, desocupado há seis anos, a conta para o contribuinte fecha em R$ 25 milhões.
O prejuízo aos cofres públicos quando o assunto é a gestão de um prédio fantasma, cuja destinação seria utilizada como apartamento funcional — a moradia dos deputados federais com mandato é inaceitável. Desabitado, caindo aos pedaços e com risco de desabamento, o prédio é motivo de preocupação dos vizinhos que não sabem mais a quem recorrer para ver a situação solucionada.
Localizado numa das áreas mais nobres de Brasília, no início da Asa Norte, cujo metro quadrado – R$ 9.136,00 – é um dos mais valorizados da América Latina, a Câmara mantém um símbolo ao desperdício de dinheiro público e péssimo exemplo de administração pública.
Só em 2026
Após longos anos de prejuízos, a Câmara deu início a reforma desses apartamentos. Mas a obra estará concluída somente em 2026, no final da próxima legislatura, se tudo der certo. Os projetos básicos da reforma de quatro blocos estarão finalizados até o segundo semestre de 2023, prevê a Câmara. Ocorrerá, então, a primeira licitação para a contratação da obra, iniciando pelos dos blocos “K” e “L” da Super Quadra Norte 202 — justamente os prédios fantasmas.
São 24 apartamentos por bloco. Mas a reforma fará a divisão dos 96 apartamentos originais em 192 apartamentos menores. A primeira etapa — reforma dos blocos “K” e “L” — terá início apenas em 2023, com previsão de duração de 16 meses. A segunda parte, blocos I e J, está prevista para começar no final de 2024, com término em 2026, com duração de 16 meses. Para 2023, a previsão orçamentária da reforma é de R$ 15 milhões. Mas o valor real para as licitações das reformas de todos os blocos somente será calculado quando os projetos básicos estiverem finalizados.
Prédio fantasma
O bloco “L” ficou vazio em junho de 2007. Nos sete anos anteriores, a média de ocupação do bloco era de apenas 10%. Segundo afirmou a Câmara, a localização em frente ao Eixo L Norte resultou no índice de rejeição ao longo dos anos. Assim, poucas melhorias foram demandadas. Com o passar do tempo, as condições se mostraram muito precárias, indicando que ações paliativas de manutenção não resultariam em maior ocupação do bloco. O prédio foi, então, interditado para uso residencial até a realização de reforma geral, com instalação de esquadria com proteção acústica, para evitar o barulho dos carros que passam na rua.
A Câmara informou ainda que o processo de desativação total do bloco “L” teve início em 2017. Até aquele ano, ainda havia móveis e funcionários para manutenção e movimentação desses móveis para apartamentos funcionais de outros blocos. No caso do bloco “K”, o processo de desativação teve início em 2019. Nesse bloco, a média de ocupação de 2000 a 2016 era de 65%. Em 2017, caiu para apenas 4%. O bloco foi sendo contemplado com melhorias e pequenas reformas em apartamentos, o que garantiu um bom índice de ocupação durante alguns anos, até o surgimento de problemas estruturais em caixas d’água, elevadores e tubulações.
Poeira, banheiras arrancadas, ferragens expostas
O prédio está numa região valorizada, distante apenas cinco quilômetros do Congresso Nacional. O apartamento 602 do bloco “L” da SQN por exemplo, está em péssimo estado de conservação.
Duas banheiras haviam sido retiradas dos banheiros e estavam nos corredores, tomadas pelo pó. Os banheiros estavam imundos, com paredes parcialmente sem azulejos, vasos e pias cobertos de pó. A enorme sala servia como depósito de móveis vindos de outros apartamentos. As cortinas estavam rasgadas, o assoalho de madeira corroído, a parede lateral com ferragens expostas e o teto com infiltrações.
A Câmara não autoriza o acesso ao prédio, mas pessoas familiarizadas com as condições do imóvel garantiram que uma infiltração de água na garagem do prédio, poderia comprometer a sua estrutura. “Esse problema já foi resolvido”, segundo a direção da Câmara.
Da calçada do Eixo Norte, é possível visualizar armários quebrados e paredes com tijolos expostos.
Quando o prédio ainda era ocupado, a Câmara dos Deputados tinha despesas de cerca de R$ 1,3 milhão por ano com os blocos “L” e “K — com o pagamento de porteiros, faxineiros, água, energia elétrica e manutenção. Os dois blocos contavam juntos com apenas três moradores. A Câmara tem hoje 373 apartamentos funcionais espalhados pelo Plano Piloto. Apenas 25 estão desocupados e 48 foram desativados para entrar em reforma. Como são 513 deputados, 136 recebem auxílio-moradia de R$ 4.253 — o equivalente a 7 Auxílios Brasil. No ano passado, a despesa com auxílio-moradia chegou a R$ 6 milhões.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.