Desde que José Martins de Melo Filho (MDB) foi cassado do cargo de prefeito de Jacundá e seu vice, Ismael Gonçalves Barbosa (PSDB) , tomou o poder, o município de 33,9 mil eleitores vive fortes emoções, dia após dia. E quando a paz política aparentemente parece chegar, a tormenta fiscal desencadeia uma série de crises, sendo ela o pano de fundo para, por exemplo, o embate atual entre a prefeitura e o sindicato da educação, que não têm falado a mesma língua nem contabilizado os mesmos números no beabá da administração local.
O Blog do Zé Dudu tem publicado, nas últimas semanas, diversas reportagens sobre a queda de braço entre a Prefeitura de Jacundá e a subsede local do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), o que tem prejudicado os alunos. De acordo com dados do Censo Escolar 2018, a rede municipal é formada por aproximadamente 8,9 mil estudantes da educação básica (da educação infantil ao ensino fundamental).
Neste sábado (16), o Blog resolveu explorar o universo pouco conhecido das contas públicas de Jacundá, cujos balanços mais recentes — o Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) do 6º bimestre e o Relatório de Gestão Fiscal (RGF) do 3º quadrimestre — foram encaminhados ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) pelo governo de Ismael Barbosa no último dia 13.
Prefeitura sobrevive de “doações”
Com 58,5 mil habitantes, 52 mil deles na área urbana, conforme números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia de Jacundá baseia-se no comércio e na agropecuária, cujo rebanho bovino é composto por 172 mil cabeças de gado. A área urbana não tem capacidade para gerar receita própria — ou ainda não se despertou para tal — e, por tabela, as contas da prefeitura sobrevivem de repasses constitucionais. Em 2018, de cada R$ 100 que ingressaram nos cofres administrados por Ismael Barbosa, R$ 96 vieram da União ou do Governo do Pará, o que denota a maneira crítica com que se comportam as finanças do município. As transferências constitucionais são uma espécie de “doação” por imposição legal de outros entes aos municípios para custear serviços essenciais básicos, como saúde, educação, assistência social, habitação, entre outros.
A receita líquida arrecadada durante o ano passado foi de R$ 87,5 milhões, o que coloca a prefeitura na condição de 50ª mais rica do Pará. O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), no valor de R$ 29,33 milhões, e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), de R$ 25,64 milhões, são as maiores fontes de renda. Em seguida, aparecem receitas basicamente saídas do privilégio de ter o Rio Tocantins cortando suas terras: R$ 7,79 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e R$ 6,06 milhões em royalties hídricos.
Jacundá é um dos oito municípios que tiveram terras inundadas pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Tucuruí e, por isso, recebe Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH) distribuída pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O município tem 342,48 quilômetros quadrados de área cobertos pelo lago de Tucuruí, o suficiente para encobrir dez cidades do tamanho de Parauapebas.
Despesa com pessoal sufoca
Mas os problemas de Jacundá nem de longe se resumem à incapacidade de gerar receita própria ou de ser sustentado por recursos da União. Diga-se de passagem, as transferências constitucionais são parte da solução para um problema que é maior que as trocas de farpas entre o Executivo local e entidades de classe. E esse problema se chama folha de pagamento.
No último balanço que mandou ao TCM e à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o prefeito Ismael Barbosa indicou ter gasto R$ 46,92 milhões com o funcionalismo público ao longo de 2018. Isso significa o comprometimento de 53,62% da receita líquida. E significa, também, que seu governo já estourou dois dos três limites preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O primeiro limite, de alerta, é aceso quando o gestor usa entre 48,6% e 51,29% da receita com a folha. O segundo, o limite prudencial, é atingido quando se compromete entre 51,3% e 53,99%. A terceira e mais perigosa faixa, a do limite máximo, é avançada quando o prefeito ultrapassa 54% da receita líquida com pagamento a servidores. A Prefeitura de Jacundá está praticamente saindo do limite prudencial para entrar de mala e cuia no limite máximo, o que poderá trazer graves consequências a Barbosa, do ponto de vista fiscal.
A propósito disso, o Blog rastreou a prestação de contas desde 2017 e percebeu que a situação do município é dramática faz tempo. Ainda com Zé Martins no comando, a prefeitura ultrapassou a lei nos primeiro e segundo quadrimestres daquele ano, com percentuais de 68,04% e 65,55%, respectivamente. No terceiro quadrimestre de 2017 e no primeiro quadrimestre de 2018, em razão do quiproquó político e do entra e sai de prefeito, as prestações de contas ficaram prejudicadas e simplesmente não foram encaminhadas como manda o figurino aos órgãos apreciadores.
Já no segundo quadrimestre de 2018, as contas apresentadas por Ismael Barbosa mostraram que 51,32% da receita líquida apurada até então estavam comprometidos com a folha de pagamento dos servidores da prefeitura. Daí para frente, a limite aumentou mais de dois pontos percentuais e está a postos para atravessar o limiar máximo, tal como foi recebido de herança pelo prefeito cassado.
Os custos com a educação
Apenas as despesas com pagamento de pessoal do magistério do quadro da Prefeitura de Jacundá consumiram R$ 19,93 milhões ao longo do ano passado. Os gastos com professores correspondem à praticamente metade dos R$ 40,83 milhões que o governo de Ismael Barbosa liquidou com educação. Para se ter ideia do peso da folha dos educadores, basta ver que com o serviço de saúde pública, que é essencial e básico, a prefeitura gastou R$ 20,4 milhões.
Apesar do aperreio financeiro, a Prefeitura de Jacundá conseguiu garantir a aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino sobre a receita líquida de impostos. O mínimo constitucional é de 25%, ainda assim o governo de Barbosa aplicou 37,5%.
Não obstante os esforços, a qualidade da educação de Jacundá precisa melhorar. Os números oficiais mensurados pelo Ministério da Educação (MEC) por meio do último Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apurado em 2017, mostram que a rede municipal regrediu da nota 4,4 em 2015 para 4,3 em 2017 nos anos iniciais do ensino fundamental; e de 3,6 para 3,4 nos anos finais. Entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental, aliás, Jacundá não consegue alcançar as metas projetadas pelo MEC.
Este ano, haverá nova rodada de apuração do Ideb, cujo resultado será divulgado ano que vem, três meses antes das eleições municipais. A qualidade da educação de Jacundá, que custa R$ 40 milhões por ano, será posta à prova mais uma vez, o que se refletirá na avaliação administrativa de Ismael Barbosa.