A falta de recursos cada vez mais acentuada coloca em risco o funcionamento dos cursos superiores ligados ao ProCampo, programa do Ministério da Educação (MEC) das Licenciaturas no Campo, administrado pela SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) e financiado via SESU (Secretaria de Educação Superior). O número de estudantes matriculados nessas licenciaturas hoje é de 7.500 discentes, o que representa metade do que foi projetado inicialmente e o horizonte de expectativa também não é dos melhores.
Essa preocupação foi externada por educadores, ativistas e estudantes durante o I Encontro da Região Norte dos Estudantes de Licenciatura em Educação do Campo, realizado em Marabá (PA), na sede da Fundação Agrária do Tocantins Araguaia (Fata), na semana passada. O encontro reuniu centenas de docentes e discentes do Pará e também de outros Estados, notadamente do Norte e Nordeste do Brasil. As realidades de cada localidade são diferentes. Mas eles têm em comum uma coisa: a incerteza.
Membro do Fórum Nacional de Educação do Campo, a professora Maura Pereira dos Anjos, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), lembra que os cortes de recursos atingem todas as universidades, mas os cursos mais novos e os que têm especificidades, como é o caso da Educação do Campo, acabam sofrendo mais, porque – por exemplo – os estudantes precisam se deslocar das localidades em que moram para estudar um período na universidade e depois voltam para sua comunidade, de modo que precisam de apoio para permanecer no curso.
“Então, com o fim dos editais ProCampo, esses estudantes podem não conseguir permanecer dentro da universidade, não porque eles não gostariam de estudar, não porque eles não achem importante, mas porque esses recursos são fundamentais para a permanência dos estudantes ao longo dos quatro anos de curso”, explica.
Alternância pedagógica comprometida
Ela observa que o projeto político da licenciatura prevê a alternância pedagógica, metodologia que prevê que eles estudem em diferentes tempos e espaços educativos, com tempo de estágio, tempo de pesquisa e tempo com a comunidade, que é feito na localidade onde os estudantes moram e ainda o tempo de estudo que é com as disciplinas com os professores na universidade. Para permitir esse movimento de diferentes espaços educativos da alternância pedagógica é preciso ter recursos que ajudem a manter esse princípio, essa forma de fazer a educação no campo. Então, a proposta de formação dos professores é específica pra garantir que esses sujeitos permaneçam na universidade, e o corte dos recursos coloca essa metodologia em xeque.
Ainda de acordo com ela, com o fim do edital ProCampo, que previa um repasse equivalente a R$ 4 mil por aluno/ano, o prejuízo é considerável, até porque essa perda se alinha outros recursos cortados das universidades, com contingenciamento que o MEC fez e com a chamada PEC do Teto que não permite a expansão de novas vagas, novos recursos.
Comunidades tradicionais em xeque
Também presente ao Encontro da Região Norte dos Estudantes de Licenciatura em Educação do Campo, a pedagoga Fátima Barros, liderança quilombola da Ilha de São Vicente, no município de Araguatins, região do Bico do Papagaio no Estado do Tocantins, entende que todo esse desmonte da educação superior é, de certa forma, um projeto de precarização gradativa das comunidades tradicionais. “E nesse processo de precarização, quando você trabalha a parte ideológica, que é a parte da formação do sujeito, aí você retira possibilidades de reação”, observa.
Integrante da Articulação Nacional de Quilombo, Fátima Barros vê na situação dos quilombos um microcosmo daquilo que ocorre com a educação destinada às comunidades tradicionais no País, um quadro histórico de parco desenvolvimento, que agora se agrava ainda mais: “Você tem menos de 150 escolas quilombolas no Brasil para atender um universo de cinco mil quilombos, então isso é bastante grave, isso carece sim de uma denúncia. Pensar que no Estado do Tocantins nós temos 44 comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, e temos apenas duas escolas quilombolas”.
Estudantes falam em luta por direitos
Presente ao encontro, a estudante Tamires Vieira, que saiu de Araguatins (TO), para estudar em Marabá, entende que, diante do quadro dado pelo MEC, hoje, o curso de Educação do Campo é um espaço de militância política também: “O nosso curso é fundamental pra garantir muitas outras coisas, pra garantir o acesso à terra, pra garantir que filhos de agricultores possam sim ter acesso a educação de qualidade. Eu, pelo menos, não me sinto privilegiada por estar na universidade, mas eu represento um pouco daqueles que não tiveram acesso á universidade”.
Natural da cidade de Imperatriz, no Maranhão, a estudante Mayara Silva, que também cursa licenciatura em Educação do Campo, vê a necessidade de envolvimento do estudante com os movimentos sociais para formar uma rede de enfrentamento ao desmanche da educação superior voltada para esta parcela da comunidade. “Na medida em que você vai ingressando no curso, vai entendendo a importância que ele tem pra tua comunidade, a importância que ele tem para os povos do campo, se faz necessário que você se identifique com essa luta, que você tome esse posicionamento de também militar a favor de uma educação do campo que seja feita realmente para o sujeito que está lá no campo”, argumenta.