Vinte milhões de reais. Esse é o valor que está sendo cobrado judicialmente da Celpa em três ações civis públicas interpostas por uma equipe de procuradores e defensores públicos federais e estaduais que montaram uma força-tarefa para investigar as denúncias contra a empresa mais reclamada pelos consumidores em todo o Pará, e que, em uma das ações, é acusada até de enriquecimento ilícito à custa de abuso na relação de consumo.
Em quatro meses de investigações, os procuradores e defensores constataram prática de cobranças excessivas, cortes irregulares de energia e falta de transparência nas contas, um quadro de abusividade que provocou 17 mil reclamações contra a Celpa no Procon, Defensoria e Ministério Público somente em 2018, ano em que o Poder Judiciário recebeu mais de dez mil novas ações contra a empresa.
“Como é de conhecimento público e notório, desde que o Grupo Equatorial adquiriu o comando acionário a Celpa vem realizando a mais agressiva política de recuperação de consumo já vista no Pará, imputando Consumo Não registrado a milhões de paraenses, recuperando valores não pagos em anos e ciclos anteriores. São milhões de reais cobrados e recebidos sob pena de corte administrativo diariamente”, diz a ação que trata da cobrança do consumo por estimativa impetrada na 9ª Vara Cível e Empresarial da Justiça Estadual, em Belém.
Na 1ª Vara Cível da Justiça Federal, a segunda ação civil pública mostra práticas abusivas na lavratura do Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI), usado para notificar o consumidor da presença de irregularidades na conta de energia. As investigações afirmam que, neste caso, a energia é cortada sem que seja dada chance de defesa ao consumidor.
Já na 2ª Vara Cível da Justiça Federal, a ação trata do enriquecimento ilícito da Celpa por cobrar pelos desvios de energia popularmente conhecidos como gatos – chamadas de perdas não-técnicas – de todos os consumidores paraenses, inclusive de quem paga as contas regularmente.
Nas duas ações que tramitam na esfera federal, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) figura como ré, acusada de permitir as práticas irregulares e ilegais da concessionária. Os processos são assinados pelos procuradores Bruno Soares Valente e Nathália Souza Pereira (da União); por César Mattar Junior e Frederico Oliveira, promotores de Justiça de Defesa do Consumidor; e pelos defensores públicos Raphael Soares (da União) e Cassio Bitar (do Estado).
Cobrança irregular
Conforme observado pela força-tarefa, na última revisão tarifária de energia aprovada pela Aneel, em 2015, a Celpa foi autorizada a cobrar do consumidor, pela perda de energia, percentual de compensação de 34%. E sem trajetória de redução, o que significa que, mesmo que a empresa regularize a rede de fornecimento de energia, poderá continuar a cobrar esse percentual de todos os consumidores até a próxima revisão tarifária, prevista para agosto deste ano.
“Como se já não bastasse a lógica perversa descrita acima, a análise do Módulo 2 da Revisão Tarifária de Energia Elétrica revela que o cálculo para estipulação do valor da perda e sua efetiva cobrança não leva em conta os percentuais e valores recuperados pela concessionária em sua agressiva política de recuperação de consumo”, afirma o texto da ação.
O resultado dessa política é que até os bons consumidores pagam por aquilo que não devem, para recuperação de consumo pela Celpa, com a incidência de juros, encargos e multas “abarrotando o cofre da concessionária como nunca visto na história das concessões”, garantem os procuradores e defensores públicos.
De janeiro de 2017 a dezembro de 2018, as cobranças de recuperação levadas somente à Defensoria Pública do Pará chegaram a quase R$ 800 mil. “Se levarmos em conta o número de consumidores que não prestou reclamação ou ainda que procurou os demais órgãos de defesa do consumidor, esse valor tende a quadruplicar no mesmo período”.
Para os procuradores e defensores, “está claro que a concessionária recebe duas vezes por conta do mesmo fato as perdas técnicas, na medida em que onera em até 34% a fatura dos consumidores regulares, e ainda recebe os valores recuperados em cobranças diretas sob pena de corte administrativo, não havendo qualquer critério de compensação dos valores”.
Tal situação, concluem, “implica em cristalino enriquecimento ilícito pela concessionária a despeito da população paraense que padece com a 2ª tarifa de energia mais cara do País, onde muitos consumidores estão com a totalidade de seus salários comprometidos com o custo de serviço essencial e ainda acumulam dívidas que superam o próprio valor do imóvel. A situação merece reparo com urgência, e, diante disso, as instituições autoras, reconhecendo gravidade do caso, socorrem-se ao Poder Judiciário para a obtenção da respectiva tutela”.
Sem transparência
Conforme a Resolução 414/2010 da Aneel, as informações que devem estar contidas nas faturas de consumo devem ser claras e objetivas ao consumidor. Difícil é encontrar alguém que saiba exatamente o que são perdas técnicas e não técnicas, pois a empresa não discrimina nenhuma informação nas contas, o que levanta suspeitas do Ministério Público de haver cobrança ilegal.
“Os consumidores paraenses que pagam suas contas em dia pagam pelos desvios de energia em milhares de unidades consumidoras em todo o Estado e, sequer, fazem ideia de que isto acontece, tendo flagrantemente seus direitos à Informação e transparência violados”, diz uma das ações judiciais.
Na ação, é solicitada a suspensão imediata da cobrança de valores relativos a perdas não técnicas nas faturas de energia elétrica dos consumidores do Pará “em razão de sua ilegalidade e de sua cobrança duplicada para lucro da concessionária” ou que a Justiça proíba a Celpa de cobrar recuperação de consumo por CNR (consumo não registrado) e outros meios, por caracterizar enriquecimento ilícito e por ausência de transparência com o consumidor, sob pena de multa de R$ 50 mil reais por cada cobrança.
É também solicitado, entre muitas outras medidas, que a Celpa apresente em juízo o demonstrativo dos valores cobrados e recuperados através de cobrança de consumo não registrado e acúmulo de consumo desde 2015 e que proceda a devolução aos consumidores, mediante compensação em faturas futuras, dos valores cobrados nas faturas a título de perdas não técnicas nos últimos cinco anos.
Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém