Brasília – A polêmica Medida Provisória (MP 910/2019) que trata da regularização fundiária no Brasil, enviada pelo presidente Bolsonaro ao Congresso Nacional perde os efeitos nesta terça-feira (19). A MP chegou a ser analisada na sessão virtual da quarta passada, mas por falta de acordo, a oposição, reforçado por alguns partidos do Centrão, conseguiram obstruir as discussões, derrubando a matéria no Plenário Virtual.
Ontem, deputados participaram de uma reunião técnica na Câmara para discutir sobre o projeto de regularização fundiária que desta vez tramitará como projeto de lei que foi apresentado pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG). Silva foi o relator da Medida Provisória 910/2019, que pode ser votado no Plenário nesta quarta-feira (20) caso haja pedido de urgência, defenderam a ampliação dos limites de terras previstos no texto por considerar que os médios e grandes proprietários rurais estão sendo discriminados.
Os deputados que participaram do debate se dividiram entre os que apoiam a MP do governo e os que acreditam que o projeto é um avanço — e há os que não acham o assunto relevante durante este período de pandemia.
O secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura e Pecuária, Nabhan Garcia, disse que o apelido dado à medida provisória, de MP da Grilagem, faz parte de um discurso “bolivariano”.
Já o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), relator da nova proposta, disse que estranhou a crítica do governo, que, segundo ele, mostrou-se favorável à substituição da MP na semana passada. Ramos afirmou que o projeto vai regularizar propriedades de até 6 módulos fiscais, o que corresponde a 92% do total.
Ele lembrou que a ideia é permitir que esses terrenos possam ser regularizados por autodeclaração e sensoriamento remoto — o que segundo os ambientalistas é uma “porta aberta para a grilagem de terras, especialmente na Amazônia. Terrenos maiores poderão ser regularizados, mas passarão por vistoria presencial, que é a regra antiga.
O deputado federal Joaquim Passarinho (PSD-PA) discorda totalmente da postura adotada pela banca verde e criticou a matéria não ter sido aprecida na forma de MP na semana passada: “O texto da MP era bom, resolveria de imediato 80% dos problemas fundiários e agrários do país, e poderia ser emendado para melhorar ainda mais”, reclamou.
“Estes 92% significam 47% da área em processo de regularização; enquanto os 8% que sobram, acima de seis módulos fiscais, representam 53% da área. Sob a lógica do tamanho de área regularizada, talvez seja tímido, mas sob a ótica do ser humano, do trabalhador rural, daquele que precisa da titulação da terra para ter acesso ao crédito, para ter acesso à assistência técnica, para ter a quem cobrar pela recuperação das suas vicinais para retirar a produção, nós estaremos, com a aprovação do PL 2633, atendendo 92% dessas pessoas”, justificou.
Nabhan Garcia afirmou, porém, que as regras devem ser iguais para todos e que a Constituição permite a regularização de terras públicas até 2.500 hectares. Isso daria uma média de 50 módulos fiscais, segundo ele. O módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares.
“Nós não estamos aqui para regularizar grileiro de terra, não. Grileiro está na mente dos bolivarianos, daqueles que perderam a eleição e não souberam perder. Daqueles que seguem o bolivarianismo da Venezuela. Falta de respeito, de consideração com famílias que perderam até entes queridos quando foram enfrentar o Norte do Brasil”, rebateu o secretário.
Nabhan Garcia foi acompanhado em sua defesa pelo ex-deputado Aldo Rebelo e por Muni Lourenço, representante da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil. Ambos disseram que os agricultores estão injustamente sendo ligados à grilagem e ao desmatamento.
Rebelo, que relatou na Câmara o novo Código Florestal, fez uma comparação, dizendo que ninguém faz regra para bancos tirando o Itaú e o Bradesco. Ele defendeu o aumento do limite do projeto para dez módulos fiscais na Amazônia Legal porque o Código Florestal só deixa utilizar 20% do terreno na região.
Mudanças no texto que constava na MP
Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, elogiou as mudanças do projeto e disse que a MP incentivou várias irregularidades como terras sendo vendidas na internet:
“É possível ver que existe uma tendência grande de definir grandes conjuntos de áreas, que têm características de serem do mesmo imóvel, parceladas em blocos de 15 módulos fiscais. Já talvez esperando uma facilitação. É comum também observar Cadastros Ambientais Rurais que indicam a existência de um imóvel com dois registros do Incra dentro deste mesmo imóvel, o que não seria possível.”
A opinião do professor da UFMG foi semelhante à de Elias D’Angelo Borges, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
O texto do projeto beneficia apenas os proprietários que estavam no imóvel até 2008 e não 2014, como prevê a MP.
Lobby ambientalista
O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), afirmou que é importante reconhecer os avanços no texto, como a redução dos módulos rurais e o novo marco temporal. Ele criticou, no entanto, a votação do tema em meio à pandemia de Covid-19, sem que haja uma discussão ampla com a sociedade civil.
Entre as críticas feitas ao projeto, Agostinho citou a possibilidade de as novas regras gerarem conflito com indígenas e com quilombolas. Ele também lamentou haver uma “renúncia fiscal”, com a previsão de pagamento de valores simbólicos pela regularização de grandes propriedades, em um período de crise nas contas públicas.
Para o deputado, é preciso diferenciar o produtor rural sério daqueles que querem se apropriar e vender terras públicas.
Ele relatou ainda a situação precária de órgãos relacionados à regularização fundiária e fiscalização ambiental, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo Agostinho, esses órgãos estão “sucateados, falidos e sem as equipes técnicas” necessárias ao seu trabalho.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.