Num momento em que o Governo Federal não consegue desatar o nó orçamentário e fiscal, que está segregando seus planos, uma vez que precisa arrecadar para poder gastar; senadores da Bancada de Costumes: Evangélicos, Cristão Católicos, Ultraconservadores, da Extrema Direita e até da Extrema Esquerda, acreditam que têm votos suficientes para derrubar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o projeto de lei (PL n° 2.234/2022), que permite a instalação de cassinos em polos turísticos ou complexos de lazer, como hotéis de luxo, restaurantes, bares ou locais de reuniões e de eventos culturais. O texto ainda legaliza o jogo do bicho, que hoje é uma contravensão penal.
A matéria era destaque da pauta da CCJ nesta quarta-feira (12), mas foi adiada por uma manobra do grupo que quer derrubar a proposta. Um dos indícios foi a repentina mudança de postura dos senadores contrários à aprovação do PL, que, como por “milagre”, nesta quarta-feira passaram a defender a votação da matéria na principal comissão da Casa.
O senador Carlos Vianna (Podemos-MG) disse que tem a convicção de eles agora têm os votos necessários para rejeitar a medida na CCJ. O pedido dos senadores contrários à matéria indica um possível risco de o PL ser rejeitado.
Com isso, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Rogério Carvalho (PT-SE) pediram mais tempo para analisar as alterações apresentadas pelo relator, o senador Irajá (PSD-TO). O presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (União-AP), decidiu então adiar mais uma vez a votação.
“Eu não estou atendendo quem apresentou o requerimento [de adiar a votação] e retirou. Não estou atendendo quem apresentou no momento e achava que ganhava e que hoje mudou de posição. Eu estou tentando ser fiel à presidência da comissão, tentar, da melhor maneira possível, o encaminhamento [do projeto]”, disse.
Segundo Alcolumbre, esse projeto está há mais de um ano na Comissão e esse será o último adiamento. A votação está prevista para a próxima quarta-feira (19), prometeu o senador amapaense.
O adiamento foi elogiado pelo relator da matéria, senador Irajá, que disse precisar de mais tempo para analisar novos pedidos de mudanças no texto: “Nós recebemos mais cinco emendas, que eu também não vou entrar no mérito, se elas são factíveis ou se não são factíveis, mas que requer um tempo pra que a gente possa fazer uma avaliação serena e equilibrada.”
Na verdade o senador tentar reunir forças entre os membros da CCJ e reverter a suposta maioria obtida pelos opositores do projeto.
Rejeição na Câmara foi superada
O PL 2.234/2022 foi aprovado na Câmara dos Deputados, na véspera do Natal de 2022, sob protestos, alguns exagerados, feito por deputados evangélicos, que chegaram ao Parlamento através de eleitores que só votam em pastores de Igrejas, um segmento do eleitorado que só cresce no Brasil.
Na ocasião, o Plenário da Casa rejeitou na sessão daquela quinta-feira (24/12/2023) sete destaques e concluiu a votação do projeto de lei. A proposta seguiu então para análise do Senado, e já houve três adiamentos. Ainda em 2022, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) vetaria o projeto se ele fosse aprovado pelo Senado. Bolsonaro é católico, mas conta, entre seus principais apoiadores, setores de denominações pentecostais (evangélicos).
No Senado, assim como na Câmara, o texto sofre resistência de parte dos parlamentares e de organizações religiosas, que destacam os riscos de jogos de azar, como endividamento e vício em apostas.
Em seu relatório, o senador Irajá defende que os jogos de azar já são uma realidade no Brasil e que o projeto permite o controle do Estado, mitigando eventuais vínculos entre os jogos de azar e o crime organizado. “Não conheço, e se vocês conhecerem me digam, qual o país adotou a regulamentação estatal dos jogos, que se arrepende isso”, indagou para uma plateia muda, que apenas olhou disfarçando para os lados, para cima e para baixo, coçando a ponta do nariz com o dedo e engolindo a seco.
“O mercado de jogos de azar movimentaria [segundo estimativas] de R$ 14,34 bilhões a R$ 31,5 bilhões em 2023. Ou seja, mesmo na contravenção, os jogos de azar já constituem uma atividade econômica relevante e, como tal, devem estar sujeitos à regulamentação pelo Estado”, disse Irajá.
O senador do Tocantins acrescentou que o PL define limites para a quantidade de estabelecimentos de jogos de azar, facilitando a fiscalização pelo Ministério da Fazenda. Além disso, defendeu que o vício no jogo (chamado de ludopatia) seja tratado como problema de saúde pública, “com o direcionamento de parte da arrecadação para mitigar essa externalidade negativa”.
Irajá completou que a legalização dos cassinos em resorts pode estimular o desenvolvimento regional ao estimular o turismo e os investimentos no setor de hotelaria. O senador citou estudos que apontam que seriam gerados 250 mil empregos diretos com a aprovação da matéria.
Em posição contrária, o senador Carlos Vianna defendeu que os novos cassinos podem levar patrimônios inteiros de família à ruína.
“Nós não queremos a aprovação do jogo em nosso país, nós não queremos a possibilidade de lavagem de dinheiro para tráfico de drogas, não queremos a possibilidade de sonegação, não queremos a possibilidade que a sociedade brasileira se afunde ainda mais em problemas de endividamento”, afirmou.
Um senador ouvido em reserva pela reportagem do Blog retrucou: “A fala do colega que não quer isso, nem aquilo, é uma piada se não fosse trágica, e eu te digo que não diria que seja hipocrisia: tudo isso que ele disse que nós não queremos […], acontece embaixo do nariz dele e ele nada pode fazer para impedir. Então, trata-se de uma postura que eu respeito, mas não passa de querela para atiçar a militância”, criticou.
“Ele poderia dizer também, como o governo vai arrecadar. Gastaram tudo, não tem mais nada, exceto as verbas carimbadas e obrigatórias do Orçamento”, concluiu.
Com o adiamento, foram analisadas outras matérias, num total de 17 projetos que constavam na pauta.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.