Afinal, o que é o Pará? A reposta parece ser fácil, mas não é. Neste estado de dimensões continentais cabem inúmeras realidades: há gente que vive bem na capital, gente que luta pelas bordas da grande metrópole, gente que sonha com um futuro melhor em algum canto esquecido. Há uma explosão de manifestações culturais, de problemas sociais. Para costurar de forma sensível e real esse fractal que constrói a identidade local dessa terra, o projeto Geografias Imaginárias se mune da câmera de vídeo. A ideia é produzir oito documentários que revelem facetas do Pará e, consequentemente, dessa tão vasta Amazônia.
O esboço da ideia surgiu em 2010, quando a paraense Lívia Conduru concebeu um projeto para a BCB Produções. Inicialmente, o objetivo era fazer um mapeamento da produção audiovisual do Estado. “Por questões de prioridade, na época tivemos que colocar esse projeto no final da fila. Isso foi bom porque me deu tempo para maturá-lo melhor. Em dois anos ele acabou crescendo e transformou-se em outra ideia: decidimos fazer uma cartografia imaginária do Pará, que costurasse questões mais subjetivas, que mostrassem as pessoas daqui”, conta a produtora executiva.
Ano de 2012, hora de arregaçar as mangas e começar o trabalho. No primeiro semestre, já foram gravados três documentários, todos já em fase de finalização. A fim de garantir olhares diversos sobre as realidades que se assentam no Estado, Lívia convidou cineastas diferentes para cada produção, dando a eles, inclusive, autonomia para escolher o recorte espacial a ser registrado. “A princípio, queríamos brincar com essa coisa do olhar nativo e estrangeiro sobre nossa região. Por isso, os primeiros convidados foram os cineastas Vladimir Cunha, que é paraense, e o paulista João Wainer”, conta Lívia. Até então a cineasta Fernanda Brito, também paraense, completa o time de diretores dos filmes já realizados.
Realidade ou utopia?
E a odisseia começa por dentro. O paulista João Wainer e equipe de filmagem colocaram todo o material de produção no porta-malas de um carro e desceram até o município de Marabá, indo depois para Altamira. No caminho, o foco foi a rodovia Transamazônica e seus desdobramentos. “Chegamos lá em Marabá sem muito planejamento. A ideia era que estávamos livres para ir aonde apontasse uma história. Sendo assim, subimos a Transamazônica nos deixando levar pelas histórias das pessoas e com o olho aberto para coisas interessantes. Pode-se dizer que o fio condutor é a estrada mesmo e as pessoas nela”, conta Brunno Regis, que integrou a equipe e assina imagens adicionais do documentário.
Em contraponto ao clima que o distanciamento da região à capital cria, a equipe usou e abusou da internet – quando o sinal permitia. “A gente encontrava muitas pessoas no caminho, histórias malucas – como o pessoal da ‘Galera 100 limites’, que fazia acrobacias em motos numa pista de pouso abandonada, lá em Anapu – e fotografávamos e postávamos na internet. Essa turma, por exemplo, depois encontrou nossa página pela web e por lá acompanhou nossa viagem. Isso era doido, em um lugar em que a conectividade é tão baixa, as pessoas estão conectadas”, relembra Brunno.
Depois de documentar a explosão do brega na capital paraense, o cineasta Vladimir Cunha resolveu mudar de direção. “Quando acabei o filme ‘Brega S/A’, eu pensei: isso aqui já deu. Essa exploração do audiovisual em Belém e no entorno para mim já tinha se esgotado em possibilidades. Aí surge a chance de sair desse nicho e olhar outra realidade”, considera Vladimir, que gravou para o ‘Geografias’ em Santarém, Itaituba até o trecho onde fica o garimpo do Crepurizinho. Nesse recorte, ele deu prioridade para histórias de pessoas comuns, gente que tenta a vida numa área historicamente esquecida pelo poder público.
PERCURSO
“A grande questão dessa região, ao sudoeste do Estado, é que nunca houve um plano de desenvolvimento claro. Tanto o ciclo da borracha, a construção da Transamazônica, como a soja e o garimpo levaram diversas pessoas de outros estados para lá, cheias de sonhos, e nem tudo deu certo. Pelo contrário, é um espaço esquecido, em que pouco se vê a intervenção estatal. Um lugar de muitos sonhos e poucas realizações. São essas histórias que mostrarei no documentário”, explica o diretor. Nas gravações, personagens como a prostituta que fundou uma igreja à margem da Transamazônica e o homem que há 40 anos trabalha no garimpo e há 20 tenta construir a casa própria.Fechando a tríade, uma produção com outro direcionamento. Para a cineasta paraense Fernanda Brito sobrou a difícil missão de fazer um documentário que aborde as dificuldades e impressões dos realizadores de cinema local.
“Trata-se de um filme que mistura entrevistas dos diretores e realizadores de cinema do Pará sobre as suas próprias obras cinematográficas. Desde Líbero Luxardo, que foi o único cineasta da região a realizar um longa-metragem inteiramente rodado na cidade de Belém na década de 60, passando pelas experimentações de Vicente Franz Cecim – com sua câmera Super 8 na década de 70 – até chegar nos dias de hoje, como a animação de Cássio Tavernard e outras obras realizadas sobre o imaginário local’, disseca Fernanda. No filme, 12 entrevistados conduzem a narrativa.
Em busca de apoio e novas fronteiras
O objetivo agora é finalizar os três documentários e até agosto gravar os demais. O projeto, que inicialmente previa filmagens apenas dentro do Estado do Pará, agora vai em busca de outras fronteiras. “Já estamos em diálogo com os governos do Amapá e Amazonas – estamos em busca de incentivos para realizar os documentários nesses estados. Queremos mostrar caminhos que se comunicam. As histórias partem do Pará, mas ganham maiores dimensões em outros espaços. Por exemplo, para chegar a Macapá, a ideia é que o filme parta de Breves, município da Ilha do Marajó”, conta Karina Jucá, que assina produção executiva junto com Lívia.
O que foi feito até então contou com o apoio da Vivo e recorreu a leis de incentivo como a Semear e a Rouanet. O momento é de buscar novas parcerias e patrocínios para os próximos filmes. “Nossa ideia é lançar todos juntos, que eles possam servir também como produto para TV. E, junto com os filmes, queremos lançar um livro de fotografias, com imagens resultantes das expedições feitas, e também um disco, com a trilha do projeto, assinada pelo duo Strobo”, esclarece Lívia Conduru.
ENTENDA
O projeto já percorreu de Marabá até Altamira, pela rodovia Transamazônica, e de Santarém a Itaituba. Cada viagem originou um documentário. O terceiro é feito de depoimentos de cineastas, numa tentativa de traçar um panorama de como o audiovisual enxerga e representa a Amazônia.
Fonte: Diário do Pará