“Fora da realidade”. “Não está muito realista”. Com pequenas variações em torno da mesma avaliação, foi assim que especialistas em contas públicas reagiram ao avaliar o PLOA 2025 (Projeto de Lei Orçamentária) que estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro do ano que vem. Confira o texto principal e os anexos aqui. No caso da União, a PLOA deve ser enviada ao Congresso até o dia 31 de agosto de cada ano. Deve ser aprovada pelos congressistas até o dia 22 de dezembro, mas não chega a adiar o recesso parlamentar se não for aprovada até lá.
A maior parte dos recursos virá de programas especiais de renegociação de dívidas de empresas (R$ 30 bilhões) e da retomada do voto de desempate do governo no Carf (R$ 28,5 bilhões). Entretanto, essas despesas não são garantidas, é apenas uma previsão da equipe econômica do governo.
Enviado ao Congresso Nacional na sexta-feira (30) à noite, o projeto está digerido pelo mercado após detalhado em entrevista coletiva na segunda-feira (2). Como algumas medidas dependem de votações no Congresso e das negociações para prorrogar a desoneração da folha de pagamento, o governo pode enviar medidas adicionais caso haja frustração de receitas.
Despesas
Do lado das despesas, o governo pretende reduzir as despesas obrigatórias em torno de R$ 26 bilhões. O plano de revisão foi anunciado na semana passada pelos Ministérios da Fazenda e do Planejamento.
Segundo o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, o Orçamento de 2025 está em linha com o dos últimos anos, com o governo buscando corrigir distorções tributárias que favorecem os mais ricos e impactam a arrecadação.
“O Orçamento não é um ponto fora da curva. Se a gente começou o ano passado com uma estratégia consistente, a gente vem repetindo essa estratégia, a importância do equilíbrio fiscal para a cidadania brasileira. A gente começou a fazer isso ano passado, cobrando de quem não paga. O Orçamento de 2025 não pode fugir dessa linha”, declarou.
O secretário ressalta que outro fator que contribuirá para a alta das receitas no próximo ano são as medidas aprovadas em 2023, que estão surtindo efeito no médio prazo.
“A gente tem visto o crescimento da receita real [acima da inflação] 9% acima de todas as despesas federais. Quando o país cresce 2,9%, este ano 2,5%, um pouco mais, vemos a receita cresce 9% Se olhar a variação nominal, o crescimento é quase 15%. O resultado de um esforço feito no ano passado pelas instituições brasileiras, tanto do governo federal, como pelo Congresso e pelo Judiciário”, comentou.
Desoneração da folha
Em relação à desoneração da folha de pagamento, a proposta de Orçamento prevê o reforço de R$ 26 bilhões no próximo ano, considerando que o Congresso não conseguirá aprovar a tempo o projeto de lei que compensa o incentivo para 17 setores da economia e para pequenos municípios. Caso o acordo fechado com o Supremo Tribunal Federal prospere e o projeto seja aprovado até 11 de setembro, o orçamento reduziu a arrecadação para R$ 18 bilhões, porque nesse caso a folha será reonerada gradualmente até 2027.
Em caso de aprovação do acordo, os R$ 8 bilhões de diferença na arrecadação, informou Durigan, virão de projetos a serem enviados ao Congresso que instituirão a taxação para grandes empresas de tecnologia e redes sociais (bigs techs) e a taxação de 15% para as multinacionais defendida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na semana passada, o secretário havia anunciado que pretendia enviar o projeto ainda no segundo semestre.
Outras medidas alternativas, caso haja frustração nas negociações, são a continuidade na agenda de revisão de gastos, o ajuste no ritmo de execução do Orçamento para cumprir a meta de déficit primário zero e o “empoçamento” de recursos – verbas com vinculações autorizadas, mas que não conseguem ser gastas nem remanejadas, como emendas impositivas.
Aumento de impostos
Na última sexta-feira (30), o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que eleva em um ponto percentual a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para a maioria das empresas e em dois pontos percentuais para as instituições financeiras. A proposta também prevê o aumento, de 15% para 20%, do Imposto de Renda cobrado dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), forma de distribuição de lucro por meio da qual o acionista é tributado.
A proposta pretende reforçar a arrecadação em R$ 17,9 bilhões no próximo ano. Desse total R$ 14,9 bilhões virão da CSLL e R$ 3 bilhões do Imposto de Renda sobre a JCP. Em relação a declarações recentes do presidente da Câmara, Arthur Lira, de que o projeto dificilmente será aprovado, Durigan disse que o governo e o Congresso poderão construir alternativas, sem citar, porém, quais são essas alternativas.
Entidades de classe empresariais e Frentes Parlamentares que defendem a melhoria do ambiente de negócios no país, compostas por senadores e deputados e suprapartidárias, estão com suas equipes técnicas esmiuçando para posterior posição, mas, o Blog do Zé Dudu apurou que não querem nem ouvir falar em aumento de impostos, que é o que o governo entregou no PL anexado ao PLOA 2025.
Numa declaração de efeito, Dario Durigan disse na coletiva: “O presidente Lira [Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados], justiça seja feita, é um dos grandes parceiros da agenda econômica do país. Graças a ele, a reforma tributária tramitou no Congresso Nacional com prioridade. No ano passado, todas as nossas propostas que a gente apresentou foram tratadas de maneira muito responsável. O presidente Lira é parceiro e certamente vai entender os números e as projeções e nos ajudar com as alternativas”, declarou.
Lira disse nesta terça-feira (3) que é quase impossível aprovar o PL com o aumento de impostos pretendido pelo governo.
Receitas
- Novo programa de solução de litígio: R$ 30 bilhões;
- Voto de desempate do governo no Carf: R$ 28,5 bilhões (redução);
- Controle na utilização de benefícios tributários: R$ 20 bilhões;
- Fim da desoneração da folha, caso haja falta de acordo: R$ 26 bilhões;
- Aumento linear na CSLL: R$ 14,9 bilhões;
- Mudança na retenção de Imposto de Renda sobre JCP: R$ 3 bilhões;
- Outorgas do Ministério dos Transportes: R$ 10 bilhões;
- Dividendos de estatais: R$ 33,8 bilhões;
Total: R$ 166,2 bilhões
Revisão de gastos
- Benefício de Prestação Continuada: R$ 6,4 bilhões;
- Revisão de gastos no INSS: R$ 7,3 bilhões;
- Proagro: R$ 3,7 bilhões;
- Revisão de benefícios por incapacidade: R$ 3,2 bilhões;
- Bolsa Família: R$ 2,3 bilhões;
- Gasto com pessoal: R$ 2 bilhões;
- Seguro defeso: R$ 1,1 bilhão;
Total: R$ 25,9 bilhões
Medidas adicionais, caso haja frustração de receitas
- Tributação de grandes empresas de tecnologia e redes sociais (big techs);
- Tributação global de 15% sobre multinacionais (pilar 2 da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico);
- Continuidade da revisão de gastos;
- Bloqueios e contingenciamentos, se necessário;
- Ritmo de execução do Orçamento para cumprir meta de déficit zero;
- Empoçamento de verbas autorizadas, mas que não conseguem ser gastas (em torno de R$ 20 bilhões).
Excesso de otimismo
Com previsões mais otimistas que as do mercado para o crescimento do PIB e para a inflação, o governo consegue projetar receitas maiores e despesas menores no papel. Qualquer mudança nesse cenário gera a necessidade de bloqueios e contingenciamento de gastos para não ultrapassar o limite de despesas e cumprir a meta fiscal, o que impõe dificuldades na execução do Orçamento.
Os agentes de mercado e especialistas em contas públicas já viram esse filme, e fica difícil acreditar em um projeto que estima arrecadar R$ 166,2 bilhões em receitas extras no ano que vem, das quais R$ 46,8 bilhões dependem da aprovação do Congresso para entrar em vigor, enquanto prevê um corte de despesas bem menor, da ordem de R$ 25,9 bilhões, boa parte por meio da revisão do cadastro de benefícios sociais e assistenciais.
Mantém-se uma confiança digna de fé nos efeitos da retomada do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Para 2025, espera-se arrecadar R$ 28,5 bilhões, bem menos que os R$ 54 bilhões esperados para este ano, mas muito acima dos ínfimos R$ 87 milhões efetivamente gerados pela medida até julho.
São questões amplas, para as quais o governo não tem resposta e que vão muito além da desoneração da folha de pagamento, transformada em bode expiatório a obrigar o Executivo a aumentar a carga tributária para evitar o descumprimento da meta fiscal.
No campo político, desde sexta a oposição começa a fazer barulho nas redes sociais criticando o governo. Essas vozes devem se intensificar ainda mais na próxima semana, especialmente na Câmara dos Deputados, que vai trabalhar em ritmo de esforço concentrado, com votações ao longo de toda a semana, e durante o dia todo.
“Seria o momento de o governo começar a pensar no acionamento dos gatilhos do arcabouço fiscal que ele mesmo elaborou e se propôs a seguir, especialmente o veto à criação de novas despesas obrigatórias. Mas parece ser melhor investir em um misto de teimosia, otimismo e enfrentamento para entregar o déficit zero em vez de reconhecer e lidar com a dura realidade. Quem não acredita não pode ser acusado de estar torcendo contra, escreveu, em editorial nesta terça-feira, um jornal paulista, de grande circulação nacional.
Por Val-André Mutran – de Brasília