A segunda-feira (25), foi um dia festivo que marcou o início da vasta programação em comemoração do bicentenário do Senado Federal. Uma sessão especial reuniu no Plenário da Casa representantes dos Três Poderes. Na ocasião a Empresa de Correios e Telégrafos lançou uma série comemorativa selos em alusão à data. No Império, o Senado foi criado pela primeira Constituição brasileira, outorgada em 25 de março de 1824 pelo imperador Dom Pedro I.
Após a sessão especial no Plenário, perto dali, o Centro de Convenções Ulysses Guimarães lotou para o concerto “Senado 200 Anos: uma jornada histórica rumo ao futuro”. O espetáculo teve regência do maestro João Carlos Martins, que conduziu a Orquestra Bachiana Jovem Sesi-SP executando obras sobre a história e a cultura brasileira.
João Carlos Martins conduziu o repertório sinfônico, com a abertura do “Guarani”, uma obra que “ficou no ouvido de todos os brasileiros durante décadas e décadas na abertura da Voz do Brasil”. “Trenzinho do caipira” e o Prelúdio das “Bachianas brasileiras n. 4”, de Villa-Lobos, compuseram o roteiro que ainda incluiu obras de Chiquinha Gonzaga, Dorival Caymmi, Zequinha de Abreu, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Chico Buarque e até da roqueira Rita Lee.
É inegável a importância da instituição na história da democracia brasileira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD)-MG), afirmou que, desde a sua criação, o Senado brasileiro defende o Estado de Direito e a cidadania e, atualmente, é um dos guardiões das liberdades, direitos e garantias da Constituição Federal de 1988.
“O Senado é uma Casa plural, garantidora dessas liberdades. O Senado atua realizando a boa e a verdadeira política, aquela que busca diálogo, aquela que busca consenso, num ambiente de divergências absolutamente natural”, discursou.
Pilar da democracia nacional
Em 200 anos de existência, o Senado Federal foi essencial na solução de crises que ameaçavam destruir a democracia e até o próprio país. O período da Regência, no Império, foi marcado por rebeliões e guerras civis que ameaçavam levar à fragmentação territorial do Brasil.
Entre as revoltas, estão a Cabanagem, na Província do Grão-Pará, que matou grande parte da população da Amazônia, e a Farroupilha, que declarou o Rio Grande do Sul e Santa Catarina independentes.
Diante da crise, o Senado decidiu em 1840 antecipar a maioridade de D. Pedro II, que assumiu a Coroa aos 14 anos de idade.
A figura do jovem imperador no poder funcionou como um símbolo da união do Império, ajudando a conservar a integridade territorial do Brasil.
No pós-guerra, no século XX, em 1955, a União Democrática Nacional (UDN) e parte das Forças Armadas não aceitaram a vitória presidencial de Juscelino Kubitschek eleito pelo Partido Social Democrata (PSD) e apoiado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), JK havia obtido 36% dos votos nas eleições daquele ano.
A UDN e os militares consideraram a porcentagem baixa demais e conspiraram para impedir a posse de JK.
Tanto o presidente Café Filho quanto o presidente interino, deputado Carlos Luz, embarcaram na trama golpista contra JK.
A democracia só foi salva porque o Senado e a Câmara aprovaram o impeachment de Café Filho e Carlos Luz.
O governo foi transferido para o presidente do Senado Nereu Ramos, que concluiu o mandato de Café Filho e passou a faixa para JK em 1956.
Em 1960, o presidente Jânio Quadros tentou dar um autogolpe. Após poucos meses no governo, ele renunciou ao mandato imaginando que o Congresso, as Forças Armadas e o povo implorariam que permanecesse na Presidência.
Pelos seus planos só aceitaria mudar de ideia e ficar no governo caso lhe permitissem governar sem o Congresso, com poderes autoritários. Ao receber o aviso de Jânio, o Senado imediatamente aceitou a renúncia e não pediu ao mandatário que ficasse no cargo.
O Senado abortou o golpe de Estado e deu posse ao vice João Goulart, salvando a democracia.
O vice, João Goulart, afilhado político de Getúlio, se encontra na China comunista, em viagem oficial. Os ministros militares avisam que não permitirão a posse do vice.
No Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola (PTB) se alia a uma parte do Exército e promete recorrer às armas para barrar o golpe. O Brasil se encontra à beira de uma guerra civil.
O banho de sangue só não ocorre graças às negociações feitas dentro do Legislativo. O senador Auro de Moura Andrade (PSD-SP), na condição de presidente do Congresso, encarrega uma comissão de senadores e deputados de propor uma solução. O grupo oferece a saída parlamentarista, que prevê a posse de Jango, mas com o presidente com poderes esvaziados, dividindo o governo com um primeiro-ministro. A emenda constitucional é aprovada pelo Senado e pela Câmara e em poucos dias Jango sobe à Presidência. A medida, em setembro de 1961, adormece o golpe militar.
“É merecedora dos maiores aplausos a maneira como o senador Moura Andrade vem conduzindo os nossos trabalhos nestes dias em que a nação foi abalada e se agitaram todos os representantes do povo num transe terrível”, discursa o senador Heribaldo Vieira (UDN-SE).
“Os partidos esqueceram por um momento suas rivalidades e saíram ombro a ombro para a peleja maior que era a da democracia”, elogiou.
No plebiscito de 1963, os brasileiros optam pela volta do presidencialismo e Jango consegue poderes plenos. A crise volta a se instalar. Em 1964, os golpistas finalmente alcançam o que desejam desde o governo de Getúlio Vargas.
O Senado também tem peso na derrocada da ditadura militar. Nas eleições de 1974, o regime é surpreendido pela vitória avassaladora do partido oposicionista do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) na renovação de um terço das cadeiras do Senado. Das 22 vagas em disputa, o MDB vence 16. A Arena, partido do governo, obtém 6 assentos. O resultado é claro: o país rejeita o regime. Leia mais aqui.
Pacheco fala de novos desafios
Em seu discurso na sessão especial, o presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco disse que o Senado tem como desafios para os próximos anos aprofundar a democracia constitucional no país.
“Nós queremos um país moderno, nós queremos um país inclusivo, nós queremos um país socialmente justo. Nós queremos, nas palavras da primeira senadora negra do Brasil, a senadora Laélia de Alcântara: ‘uma democracia verdadeira, em que o povo terá a sua vez de falar’. Uma democracia substantiva, em que os direitos sociais não sejam meras aspirações. Uma democracia concreta, em que os princípios e os objetivos fundamentais não sejam vistos como promessas, mas como os mais importantes programas de Estado e de governo.”
Pacheco acrescentou que, recentemente, o país e suas instituições resistiram a ataques contra o processo eleitoral, contra a normalidade democrática e contra a transição pacífica de poder, o que evidenciou o vigor do sistema legal brasileiro e a força do compromisso democrático.
“O Senado tem a glória de completar seus 200 anos como um farol da vida pública brasileira, um farol e um esteio. O farol se manteve aceso, mesmo quando as forças da política relegaram o país à escuridão de autoritarismos. O esteio se manteve firme, mesmo quando os abalos da História fizeram o mundo trepidar”, disse.
Documentário e selos
Na primeira parte da solenidade, o Hino Nacional foi interpretado pelo tenor Jean William, e foi exibido um trailer da série documental de sete episódios “Senado, a história que transformou o Brasil”, produzida em parceria com a TV Cultura. A obra é escrita e dirigida por Luiz Bolognesi, com codireção de Laís Bodanzky, e é apresentada pela cantora e atriz Larissa Luz. A série aborda o papel do Senado na estabilização democrática, na manutenção do território brasileiro, na representação dos estados e na recepção das demandas da sociedade, como explicou Rodrigo Pacheco.
“Da discussão e da votação das leis abolicionistas até o Estatuto da Igualdade Racial; da conquista do voto feminino à lei que garante igualdade no mercado de trabalho para homens e mulheres; do Código de Menores ao Estatuto da Criança e do Adolescente; a série vai mostrar como a atuação do Senado transformou e ainda transforma a vida de todos os brasileiros”, citou o presidente do Senado.
Houve, também, o lançamento de selos comemorativos dos Correios, alusivos aos 200 anos do Senado, e o anúncio de parceria com a empresa Google que incluiu passeio virtual pelo Senado na ferramenta Google Arts & Culture.
Pacheco e o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, fizeram a obliteração dos selos, ou seja, o carimbo para que esses emblemas não possam ser copiados. Os três selos referentes ao bicentenário do Senado, disse Pacheco, representam os palácios que já abrigaram o Senado: o Palácio Conde dos Arcos, o Palácio Monroe, e o Palácio do Congresso Nacional. Também foram lançados selos referentes às Constituições de 1824, 1934 e 1988.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.