Brasília – Dois artigos publicados recentemente na grande imprensa listam números e elencam os desafios que, se de um lado ajudam a retórica de governos com viés conservacionista, de outro, expõem a fragilidade da existência de um plano real de políticas que detenham a destruição de biomas brasileiros – quer pela ação humana, quer por fenômenos climáticos atribuídos ao aquecimento global. Quanto isso custa? Quem pagará a conta?
Pelo menos, há números compilados para começar a enfrentar o desafio, deixando de lado os discursos repetitivos e partir para a tarefa de viabilizar o que precisa ser feito. É o que diz Pablo Acosta, economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois e seus dois colegas do Banco Mundial, Marek Hanusch, economista líder de programa no Grupo de Práticas para Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições, e Jon Strand, economista e consultor, que assinam juntos o artigo “Quanto devemos pagar para preservar a Amazônia?”.
No trabalho, os três articulistas apresentam um estudo: A Balancing Act for Brazil’s Amazonian States: An Economic Memorandum (Um Ato de Equilíbrio para os Estados Amazônicos do Brasil: Um Memorando Econômico), publicado no Open Knowledge, que adverte: “A região [nove estados amazônicos do Brasil, aqui referidos coletivamente como Amazônia, incluem alguns dos ecossistemas mais ricos do mundo, incluindo a floresta amazônica e partes da savana do Cerrado e dos pântanos do Pantanal] também está entre as mais pobres do Brasil socioeconomicamente. Como resultado, o desenvolvimento sustentável e inclusivo da Amazônia exige o aumento dos padrões de vida enquanto protege as florestas naturais.
O estudo explora como uma abordagem de desenvolvimento recalibrada pode atingir esses objetivos. No curto prazo, há uma necessidade urgente de deter o desmatamento – uma destruição maciça da riqueza natural que representa riscos para o clima e a economia. Destaca ainda que a Amazônia é o ponto quente do desmatamento do Brasil, e a floresta amazônica está se aproximando de pontos de inflexão em perda florestal ampla e permanente.
Reverter o recente aumento do desmatamento requer uma governança mais forte da terra e das florestas, incluindo a regularização da terra e uma aplicação da lei mais eficaz.
A longo prazo, tanto o Brasil quanto a Amazônia precisam de um novo modelo de crescimento. Este modelo seria ancorado na produtividade em vez da extração de recursos e diversificaria a cesta de exportação além das commodities.
Uma transformação estrutural mais equilibrada exige que os setores urbanos atrasados, como manufatura e serviços, se intensifiquem para promover o crescimento econômico, reduzir a pressão na fronteira agrícola e gerar empregos para as populações em grande parte urbanas do Brasil e da Amazônia.
O valor do bem público das florestas da Amazônia poderia gerar financiamento de conservação ligado a reduções verificáveis no desmatamento. Tal financiamento apoiaria uma nova abordagem de desenvolvimento, combinando proteção florestal, produtividade, transformação estrutural equilibrada, técnicas de produção sustentável (incluindo a bioeconomia) e outras medidas para atender às necessidades das populações urbanas e rurais da Amazônia.
Essa abordagem também deve atender às necessidades e interesses das comunidades tradicionais da Amazônia. Dado o valor e a fragilidade dos ecossistemas da Amazônia, juntamente com as consideráveis necessidades socioeconômicas locais, as apostas são altas — para a Amazônia, o Brasil e o mundo, conclui o sumário do estudo.
Risco global
Pablo Acosta, Marek Hanusch e Jon Strand, no preâmbulo do artigo, escreveram posicionam o Brasil no contexto histórico e sua importância global: “O Brasil corre o risco de perder a Amazônia. Desde o surgimento da agricultura, há cerca de 12 mil anos, os humanos vêm gradualmente alterando — e destruindo — as paisagens naturais do planeta. Apenas cerca de 13% da terra ainda permanece em seu estado selvagem.”
No Brasil, a fronteira agrícola continua avançando cada vez mais rumo ao “pulmão do mundo”, destruindo ecossistemas milenares, que abrigam uma biodiversidade excepcional e 300 mil indígenas, colocando em risco o clima regional e global. Felizmente, muita atenção tem sido dada à proteção do bioma, inclusive com o apoio de mais de 60% da população do Brasil, país que abriga dois terços da Amazônia.
Com áreas protegidas e territórios indígenas em seus nove estados amazônicos, o Brasil é pioneiro na conservação florestal. Diversos municípios foram incluídos em listas de exclusão, enquanto produtores de soja e pecuaristas comprometeram-se a criar zonas livres de desmatamento. O sistema brasileiro de monitoramento por satélite em tempo real permite ao país detectar rapidamente o desmatamento ilegal e mobilizar as autoridades.
No entanto, ao longo dos últimos sete anos, o desmatamento voltou a crescer, fazendo com que a Amazônia deixasse de ser um sumidouro de carbono e se transformasse num emissor líquido desse gás. Há o risco real de que cheguemos a um ponto de inflexão que desencadearia a morte permanente de grandes extensões florestais.
Quanto custaria fornecer incentivos para deter o desmatamento? O primeiro passo é estimar o valor monetário da Amazônia. É impossível avaliar todos os componentes da floresta em pé, mas fizemos uma estimativa a partir de valores mínimos.
Custos estimados
Os valores privados incluem o turismo e a produção sustentável de madeira, castanha-do-pará, borracha e outros bens. Já os valores públicos regionais envolvem benefícios ecossistêmicos para todo o continente, por meio da regulação do clima local e da precipitação (os “rios voadores” nascidos na Amazônia, que beneficiam todo o continente), da polinização e da proteção das florestas intactas contra incêndios.
São valores públicos globais aqueles que representam a maior parte do valor da Amazônia, em grande parte devido a sua enorme capacidade de armazenar CO2, que, segundo uma avaliação conservadora, vale US$ 40 por tonelada. Além disso, um considerável “valor de opção” — uma espécie de arca do tesouro medicinal para a indústria farmacêutica, por exemplo — está associado à biodiversidade da Amazônia.
Os cálculos mostram que a Amazônia gera um valor anual de pelo menos US$ 317 bilhões, o que supera largamente as estimativas do valor associado ao corte dessas florestas para extração de madeira, pecuária, soja ou mineração, algo entre US$ 43 bilhões e US$ 98 bilhões.
Como esse valor pode ser monetizado? Recursos de doação (como o Fundo Amazônia, apoiado pela Noruega e pela Alemanha) podem ser de grande ajuda. Em termos globais, parece haver apoio para isso: as estimativas indicam que os brasileiros estariam dispostos a pagar US$ 120 milhões por ano, ao passo que os americanos pagariam US$ 340 milhões, e os canadenses, US$ 38 milhões. Além disso, os mercados de carbono oferecem oportunidades crescentes para financiar a conservação.
Uma grande parte do financiamento deve ir para os governos do Brasil e dos estados da Amazônia Legal para proteger a floresta e promover desenvolvimento sustentável.
Quanto devemos pagar?
A Amazônia brasileira encolhe a uma taxa de 0,3% ao ano. Os pagamentos podem ser feitos apenas para a parte da floresta que corre risco real de desmatamento, vinculando a compensação necessária pelo desmatamento evitado ao valor de oportunidade de conversão da floresta para outros usos.
Se a área estimada da floresta em risco em determinado ano fosse de 12.200 km² (área perdida em 2021) e se essa área fosse totalmente protegida, de US$ 5 bilhões a US$ 10 bilhões precisariam ser desembolsados, além do custo de aplicação das leis de proteção florestal.
São incentivos consideráveis. Um valor intermediário de, digamos, US$ 7 bilhões corresponde a 0,4% do PIB nacional. Contudo, se considerarmos apenas os nove estados da Amazônia Legal brasileira, o valor equivale a 6% do PIB da região, ou 23% dos orçamentos anuais desses estados, o que é muito significativo.
Preservar essa riqueza natural é valorizar a diversidade sociocultural e ecológica, além de incentivar a redução das desigualdades regionais em um bioma vital para o planeta, conclui o artigo.
A distância entre o querer e o fazer
Numa outra abordagem, também publicada na grande imprensa (Valor, 10/07/23), é exposto a (in)capacidade dos “ donos das canetas” no que vamos chamar de “boa vontade” de sucessivos governos e do Congresso Nacional em não entregar o que o país não pode mais esperar. Chega a ser uma poesia épica (epopeia) como se dão as coisas no Brasil quando o assunto é a (in)capacidade de realização, do projeto à sua efetiva execução. É o caso do Programa de Recuperação de Florestas.
A epopeia começou quando o Brasil se comprometeu a recuperar 12 milhões de hectares de terras degradadas até 2030 que deverá esbarrar na escassez de mudas e sementes. Definida em 2015, ainda no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a meta também depende do funcionamento do mercado regulado de créditos de carbono, cujo projeto tramita a passos lentos no Congresso Nacional.
O ambicioso programa de reflorestamento é um dos principais desafios impostos ao biólogo Garo Joseph Batmanian, que assumiu em março o cargo de Diretor-Geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), ligado ao Ministério do Meio Ambiente. Com experiência de quase 20 anos no Banco Mundial, ele também presidiu a filial brasileira da ONG ambiental WWF.
Sempre que tem oportunidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva menciona a recuperação dos 12 milhões de hectares de terras como uma das principais saídas para o Brasil atingir as metas de carbono zero sem prejudicar sua produção agrícola. A sete anos do prazo final para o cumprimento do compromisso, no entanto, o plano pouco avançou.
“O que aconteceu é que esse compromisso nem foi mencionado durante os quatro anos do governo anterior. Então, hoje em dia a gente está partindo do zero já na metade do prazo”, disse Batmanian. “Só não diria totalmente ‘do zero’ porque existem algumas iniciativas por parte da iniciativa privada”, ponderou o diretor-geral do SFB.
Bolsonaro e alocado no Ministério da Agricultura. O orçamento deste ano, consequentemente, ainda reflete aquela estrutura. Segundo Batmanian, foram destinados R$ 28 milhões para o trabalho. “Em 2017, para você ter uma ideia, eram R$ 67 milhões”, conta.
No cargo há cinco meses, ele pretende entregar até dezembro um mapa detalhado das áreas que serão objeto de recuperação e reflorestamento. São considerados terrenos degradados aqueles que sofreram desmatamento, garimpo, queimadas, agricultura extensiva ou predatória, entre outras intervenções.
O mapeamento das áreas, segundo o diretor, será fundamental para a estruturação de uma “indústria” de mudas que dê conta do programa. Em um cálculo preliminar, ele estima uma demanda de cerca de 5 bilhões de mudas de várias espécies. A produção atual está em torno de 150 milhões de mudas por ano.
“Não temos muda suficiente hoje em dia. A cadeia de produção que leva à restauração, que leva à recuperação ambiental na escala necessária, nós não temos essa cadeia funcionando. Porque a cadeia é baseada no mercado”, explicou Batmanian. “Num primeiro momento, vai ser possível tocar com o que tem no mercado, mas num segundo vamos ter que levar isso (a escassez de oferta) em conta também”, completou.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem falado que o programa de recuperação de terras degradadas tem potencial para gerar quase 300 mil postos de trabalho no país. O diretor do SFB vai além e estima que, com o mercado de mudas estabelecido, o número pode chegar a 1 milhão de empregos na zona rural Brasil afora.
Fases para viabilizar o programa
Em uma primeira fase do plano, explicou, cerca de 1 milhão de hectares de terras da União devem ser repassados ao setor privado para projetos de reflorestamento, visando o mercado de créditos de carbono. “Ao fazer isso, você diminui o custo do empresário, que não teve que comprar a terra, e tem um conforto jurídico maior em relação à posse do terreno”, diz Batmanian, que não detalhou como essas áreas serão repassadas.
Em seguida, devem entrar no radar do programa as terras públicas não destinadas — áreas sem título que não pertencem a nenhuma categoria de posse especificada por lei —, os assentamentos, as terras públicas estaduais e também as áreas privadas. Este último caso pode contemplar situações nas quais houve desmatamento além do que é permitido no Código Florestal, demandando a recuperação.
“Ele [setor privado] quer fazer o investimento em um lugar que tenha a cadeia dominial da terra bem estabelecida, pois são investimentos de longo prazo. Para ele receber crédito de carbono, a árvore tem de continuar crescendo”, completou Batmanian.
As estimativas sobre o custo financeiro do programa de reflorestamento variam conforme a estratégia a ser adotada. Isso porque há áreas que podem se recuperar sozinhas, com o mínimo de intervenção. Outras precisarão de um trabalho mais complexo de recuperação do solo. Quanto mais intervenção, maior o custo.
“Se é um lugar que o garimpo destroçou tudo, que tá aquela terra nua, vai demorar muito tempo se deixar a natureza tomar conta. Mas se é um lugar que pegou fogo e, no outro ano, não pegou mais, é outra conversa”, exemplificou ele, que estima algo em torno de R$ 30 bilhões para o custo da recuperação dos 12 milhões de hectares acordados.
Apesar do prazo apertado para o cumprimento da meta, Batmanian lembra que o avanço dos últimos meses com as concessões florestais permite uma avaliação otimista. Pelo instrumento, os concessionários administram a área e são autorizados a realizar atividades como manejo de madeira, venda de créditos de carbono e também exploração de produtos florestais como folhas, raízes, cascas, óleos, entre outros.
Atualmente, 11 concessões florestais fazem parte do Programa de Parcerias de Investimento (PPI), ao lado, por exemplo, de aeroportos, estradas e ferrovias. A ideia é replicar o modelo para o plano de reflorestamento e chegar a 5,3 milhões de hectares concedidos até o fim de 2026.
“A gente sabe que concessão florestal está funcionando. Vamos expandir a parceria com o BNDES para a concessão de restauração, onde a gente faz a parte técnica e a modelagem financeira fica com o banco”, afirmou o diretor. “Temos que desmistificar a lógica de que manejo florestal é desmatamento”, completou.
Por Val-André Mutran – de Brasília