Por Fernando Torres – Valor Econômico
Quase todo mundo já deve ter ouvido um amigo ou familiar dizendo que conseguiu viajar de graça nas férias. O motivo: a passagem foi paga com pontos ou milhas acumulados em programas de fidelidade e a pessoa não precisou desembolsar caixa para adquirir os bilhetes. Mas, se é sabido que não existe almoço grátis – expressão comum no mercado financeiro -, por que haveria voo gratuito de avião?
O passeio fica sem custo para o passageiro, de verdade, somente quando os pontos são obtidos apenas com viagens, e quanto estas são custeadas pelo empregador ou por um terceiro qualquer. Como se fosse um presente.
Nas outras hipóteses, custeando do próprio bolso as passagens que geraram as milhas, acumulando pontos no cartão de crédito ou em postos de combustíveis, os clientes pagam – direta ou indiretamente – para ter direito aos pontos, que posteriormente podem ou não ser convertidos em viagens e outros produtos e serviços.
Muita gente tem noção disso. Mas há uma distância entre saber que existe um custo e aprender a calcular quanto vale cada ponto. O assunto ganhou mais visibilidade no começo deste mês, depois que uma mudança na política de conversão de pontos dos cartões do Itaú Unibanco fez balançar as ações da Multiplus (programa de fidelidade da TAM). Como saber se vale a pena usar os pontos imediatamente ou pagar a passagem e guardá-los para uma oportunidade futura? E quando é mais vantajoso encarar custos adicionais com tarifas para acelerar a acumulação de pontos?
A depender do canal por meio do qual se obtém os pontos, o valor pago indiretamente pelas viagens pode variar. Uma boa referência, no entanto, pode ser obtida nos números da Multiplus, empresa de capital aberto controlada pela TAM e que administra seu plano de fidelidade. Em média, a própria companhia área, bancos emissores de cartões e redes de postos de combustíveis pagaram cerca de R$ 215 por 10 mil pontos da Multiplus em 2012 (até setembro), ante cerca de R$ 200 no ano anterior.
Esse é um referencial interessante, já que com 10 mil pontos – seja na Multiplus ou no Smiles – normalmente é possível fazer um trecho de viagem em território nacional pela TAM ou pela Gol, sem necessidade de haver promoção. Se companhias aéreas, bancos e redes de postos pagam esse valor para Multiplus e Smiles e posteriormente repassam os pontos adquiridos aos clientes, é porque imaginam ter recebido como contrapartida um montante próximo deste. Eles não fariam isso como um simples favor à clientela.
Assim, se você tiver que pagar muito mais do que R$ 215 para obter os 10 mil pontos e consequentemente a passagem, está caro. Da mesma forma, significa que, se as passagens à venda estiverem acima desse valor, vale a pena pagar com milhas.
Não é simples calcular quanto se paga pelos pontos ou milhas, já que isso varia bastante em decorrência do canal de aquisição. E muitas vezes o preço já está embutido no bem ou serviço primário que se contrata. Por exemplo, um passageiro não pode pedir desconto na passagem se não quiser acumular milhas. O máximo que existe, por critério das próprias companhias aéreas, é um acúmulo maior ou menor de pontos conforme a tarifa paga, se promocional ou não. Mas dentro de cada classe de tarifa, não há negociação. O mesmo vale nos postos de combustíveis: a gasolina não ficará mais barata se o cliente abrir mão dos pontos.
Em outros canais, entretanto, o custo das milhas fica mais claro. No caso dos cartões de crédito, alguns bancos cobram anuidades diferentes para plásticos com ou sem acesso ao programa de fidelidade. Na mesma linha, cartões que dão pontuação “turbinada” nos programas de fidelidade têm anuidades igualmente reforçadas, sempre para cima.
Cabe a cada um fazer a conta para saber se a diferença vale a pena. Uma dica neste caso específico é, dado que a anuidade é fixa, quanto mais se gastar no cartão por ano, menor é o custo de compra das milhas adicionais.
Do ponto de vista do emissor do cartão, não é um mau negócio. Como os bancos atuam no segmento de cartões de forma verticalizada, eles não ganham apenas as anuidades – que muitas vezes nem são cobradas de alguns clientes. Eles recebem também a taxa paga pelo lojista sobre o valor da compra, cobram juros quando as empresas querem antecipar recebíveis e ainda tem chance de ganhar com os juros do rotativo dos clientes que não pagam 100% da fatura. Por algum desses caminhos as instituições estão cobrando os R$ 215 que pagam às operadoras de programas de fidelidade pelos 10 mil pontos que viram passagem.
Existe ainda outra forma de os intermediários cobrarem pelos pontos que “dão” aos clientes. Trata-se da tarifa de conversão ou de transferência. Isso porque, com exceção das milhas geradas na própria companhia aérea, os pontos inicialmente são atrelados aos programas de fidelidade próprio banco ou a uma rede de postos de combustíveis, e existe apenas a opção de convertê-los em pontos que permitem o resgate via passagens aéreas.
No caso dos “Km de Vantagens” dos postos Ipiranga, por exemplo, a empresa cobra R$ 49 por um lote máximo de 1 mil Km transferidos (ou R$ 26 num lote de 500 Km). Em caráter promocional, a empresa tem permitido a troca na razão de 1 para 2. Assim, cada 1 mil Km de vantagens acumulados viram 2 mil pontos Multiplus.
Na prática, se uma pessoa quiser 10 mil pontos para viajar apenas um trecho, além de ter que acumular 5 mil Km no programa da Ipiranga, precisa desembolsar mais R$ 245 em tarifa de transferência. Ou seja, mais do que o preço de passagens promocionais e mais do que o preço médio pago pela Ipiranga para comprar os 10 mil pontos da Multiplus. Mas ainda assim pode valer a pena, se a troca for por uma passagem mais cara e se o cliente já tem o hábito de usar o posto.
A Ipiranga diz que, desde que baixou o lote mínimo de troca para 500 Km, triplicou o volume de pontos Multiplus resgatados pelos participantes. Antes o mínimo era de 5 mil Km, número mais difícil de se alcançar, e sem a multiplicação por dois pontos Multiplus. Mas como a transferência do lote de 5 mil Km também custava cerca de R$ 50, o máximo pago extra (além do gasto com combustível) para ter direito a um trecho de viagem ficava em R$ 100.
Outro meio bem claro de se “comprar” pontos é usar o serviço de pagamento de contas de boletos – como mensalidade escolar, aluguéis etc – via cartão de crédito. Os bancos cobram tarifas por esse serviço. A depender do caso, o custo pode ser menor que o benefício recebido em pontos.
O Santander, por exemplo, cobra uma tarifa fixa de R$ 15 por conta paga no cartão de crédito. Se o cliente paga uma conta mensal de R$ 2 mil com cartão, depois de dez meses terá gasto R$ 150 em tarifas e terá acumulado 10 mil pontos adicionais, que lhe garantem a passagem (já que normalmente US$ 1 em gastos equivale a 1 ponto).
Já se a conta mensal paga é de R$ 1 mil, teria que esperar vinte meses para ter os mesmos 10 mil pontos, com gasto de R$ 300 com tarifas, acima do preço médio que o próprio banco paga pelos pontos e um valor próximo ou até mais caro do que de muitas passagens aéreas para trechos curtos. Quanto menor o valor da conta mensal, portanto, vale menos a pena o uso do serviço com o objetivo de acumular pontos (ele ainda pode ser útil para adiar um pagamento, em caso de falta momentânea de caixa).
Outros bancos cobram percentuais pro rata para o serviço de pagamento de boleto com cartão. Neste caso, não faz diferença o valor da conta mensal paga. O que importa é o tamanho dos juros cobrados. Se a taxa for de 1% ao mês, após R$ 20 mil acumulados em pagamentos de boletos o cliente teria juntado os 10 mil pontos para viajar, a um custo de R$ 200. Já se a taxa mensal for de 2%, o custo para comprar os 10 mil pontos adicionais sobe para R$ 400.