Após um ano de gestão do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu governo não retomou nenhuma das 3.700 obras paradas, da educação. A medida provisória contendo um pacto pela retomada de obras completa um ano em maio, sem resultados. A gestão alega que o processo burocrático é longo.
Diante de tal quadro, o governo Lula se defende sustentando que o remédio (a MP) já foi prescrito, mas falta, como sempre, um culpado, que no caso, é oculto: a burocracia.
O fato é que ainda não foi reiniciada nenhuma das 3.783 obras — número informado pelo governo —, de educação básica, paralisadas em todo país, mesmo após o anúncio de um grande plano para destravar as construções.
O MEC (Ministério da Educação), comandado por Camilo Santana, não conseguiu fechar um único termo de compromisso com prefeituras para permitir a retomada.
Reiniciar obras paradas, sobretudo de creches, é uma promessa do presidente desde início do governo. Lula planeja eventos pelo país para inaugurações e o tema é tratado como prioridade no Palácio do Planalto.
Até agora, no entanto, o MEC não deu início a nenhuma obra com recursos federais desde o início do governo. Somente foram finalizadas construções que já estavam em execução.
O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) diz, em nota, que a demora se deve porque o processo envolve várias etapas burocráticas, dependendo também de agilidade dos municípios. Afirma também que 46 projetos (1%) já estão prontos para assinatura do novo termo com o governo federal.
Ligado ao Ministério da Educação, o fundo é responsável pelas transferências e repactuações dos contratos.
Nesse modelo, o governo federal financia as construções e os processos de contratação são tocados pelas prefeituras e estados — que só conseguem iniciar os trâmites, como licitações, depois de firmar termos com a União.
Essas quase 4.000 obras paradas, e que continuam abandonadas no governo Lula, estão em 1.664 municípios. Ao todo, 80% delas estão nas regiões Norte e Nordeste. O Pará tem um grande acúmulo nesses números. Metade dos esqueletos de construções está em quatro estados: Maranhão, Pará, Bahia e Ceará — que foi governado por Camilo até 2022.
Seis em cada dez obras paradas são de construções de escolas, mas há também quadras, coberturas, reformas e ampliações de salas de aula. Todas essas ações beneficiariam 741 mil alunos, de acordo com dados oficiais.
A construção de creches é um dos maiores desafios do país. Cerca de 2,3 milhões de crianças até 3 anos estão fora de creches por dificuldade de acesso, o equivalente a 20% do total da faixa etária, segundo levantamento do Movimento Todos Pela Educação. A promessa de construção de creches remonta o governo de Dilma Rousseff, e 99% não saíram do papel.
E é da educação infantil o maior volume de construções abandonadas. São 1.317 obras paradas nessa área, o equivalente a 35% do total.
Programa Retomada de Obras
Em maio de 2023, o governo publicou uma medida provisória para permitir a repactuação de obras contratadas com dinheiro federal, considerando reajustes nos valores contratados inicialmente. O ministro já havia mencionado que haveria o pacto pela retomada das obras em abril do ano passado, no Congresso.
Após a medida provisória, prefeituras de todo país cadastraram milhares de obras. Em novembro, uma lei foi sancionada com aquilo que, no geral, estava na medida provisória. Na sequência, mais municípios aderiram ao pacto.
Assim, de 5.600 obras de educação abandonadas pelo país, houve manifestação dos entes para repactuar 3.783. O FNDE, entretanto, não conseguiu vencer todos os trâmites burocráticos de nenhuma delas até agora — uma outra parte de obras entrou no âmbito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A avaliação de integrantes do governo é de que houve falhas de gestão e, sobretudo, falta de equipes no fundo para tocar com agilidade as diligências técnicas. Trabalham nesse tema 30 consultores dentro do FNDE.
“Educação de qualidade demanda também uma operação logística complexa, e é esperado que consigam constituir essa capacidade tanto no nível federal quanto nos estados e municípios”, declarou a presidente do Instituto Singularidades, Cláudia Costin a um jornal de grande circulação em S. Paulo. “Não basta ter vontade política, é necessário competência de gestão”, disse.
A lentidão no MEC e FNDE tem provocado pressões dentro do governo contra o ministro da Educação, segundo relatos colhidos no Planalto e na Casa Civil.
A própria expectativa de Lula com o tema é o que mais infla as pressões. Ele tem falado disso desde a primeira reunião ministerial, em 6 de janeiro de 2023.
Com o diagnóstico e os números na mão, Lula disse na ocasião: “Temos 4.000 obras na área de educação paralisadas”. “A gente vai ter que colocar a mão na massa para que a gente possa produzir e reconstruir melhorando a educação”, prometeu ano passado.
A avaliação no governo é de que o cenário tem desgastado a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba — o cargo é alvo de partidos do centrão. Na semana passada, mais um desgaste de proporções épicas — o órgão atrasou o pagamento de recursos de transporte escolar para todo país. A barbeiragem atinge em cheio as famílias de baixa renda, cujos filhos dependem do transporte escolar para frequentar as aulas em escolas públicas. Esse extrato social é que garantiu a eleição de Lula em 2022.
Com a nova regra de reajuste dos contratos, a estimativa é que a retomada de todas as obras custe R$ 3,9 bilhões. O FNDE já desembolsou R$ 2,3 bilhões nesses projetos interrompidos, mas que continuam ou no papel ou os esqueletos se acabando no tempo inclemente de intempéries.
Os maiores motivos para que obras públicas sejam interrompidas são erros em projeto de engenharia e interrupção de pagamentos por parte do governo federal, mas isso é de conhecimento há anos, seja de governos de direita ou esquerda.
Do total de obras, 90% foram iniciados há pelo menos dez anos (entre 2007 e 2014), ainda nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff. Somente 5% são de contratações feitas após 2019.
O governo Jair Bolsonaro (PL) reduziu orçamentos, travou repasses e não conseguiu mudar a situação. Mas praticamente todas as obras paralisadas atualmente já estavam dessa forma quando ele assumiu.
Em nota, o FNDE afirmou que a repactuação prevê “diligências técnicas iniciais e complementares, além de prazos amplos para que os entes possam ter tempo hábil de resposta”. No início do mês, o órgão publicou ato permitindo novo prazo limite para que os municípios respondam as diligências técnicas.
O Blog do Zé Dudu vem publicando reportagens sobre o tema desde o início do governo. Quando o programa foi lançado (aqui), o FNDE permitiu a retomada das obras (aqui) e quando o prazo de adesão foi prorrogado (aqui).
“A retomada depende em larga medida da proatividade dos entes federativos no levantamento e envio da correta documentação e cumprimento de todas as etapas e diligências”, afirma o FNDE.
O fundo também disse que o lapso temporal entre a perda da vigência da medida provisória e a sanção da lei provocou maior demora no processo. “Atualmente, temos 875 obras em análise pelo FNDE, enquanto 2.662 estão em diligência, que é quando o ente já teve os documentos analisados pelo FNDE, mas precisa retornar corrigindo ou incluindo algo”, justifica nota do FNDE.
Sobre falta de equipe, o órgão afirma que está em processo de contratação de 40 profissionais e também há previsão de 60 contratados de forma temporária.
Desde o ano passado o ministério da Educação tem acelerado o pagamento de recursos atrasados pelo governo Bolsonaro em obras em andamento. Foram repassados R$ 650 milhões para a finalização de novas 631 obras educacionais ao longo de 2023 — mas esses projetos estavam todos em andamento, não contemplando obras paradas.
Exemplos se espalham em todo o país e as histórias são parecidas
No distante município de São Félix do Xingu, no segundo maior município do mundo em área territorial, no sudeste do Pará, e cercado por reservas indígenas e áreas federais de proteção ambiental, o drama de obras paralisadas tem sido contornado como em centenas de outros municípios.
A prefeitura cansou de esperar o FNDE e retornou as obras da Creche de Ensino Infantil e a Construção de uma moderna Escola de Ensino Médio nos moldes que está sendo construída no Distrito de Taboca.
O prefeito João Cleber (MDB), recorreu a ajuda de deputados correligionários que destinaram emendas parlamentares de suas autorias para que o dinheiro chegasse. O deputado federal José Priante e o estadual Torrinho Torres, com 20.865 votos obtidos de eleitores do sul do Pará, suplente do titular Igor Normando, que se licenciou para assumir uma secretaria do governo estadual, alocaram recursos junto a Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc) para tocar o projeto.
“A nossa missão agora é o nosso foco é terminar essa creche, terminar a escola de Ensino Fundamental que tem aqui em construção ali no setor Bela Vista, e dizer a todos vocês daqui da Sudoeste que o foco nosso agora é quando terminar a escola da Taboca de ensino médio, a gente buscar junto ao Governo do Estado, junto com a Seduc, junto com o governador, que saia aqui uma escola de Ensino médio regular aqui pra cá, construir uma escola pra poder dar assistência ao alunos. Então eu saio daqui hoje sabendo que a gente tá trabalhando pra melhorar a vida do cidadão, além de estrada, infraestrutura, saúde, educação, e demais outras coisas que a gente tem buscado a melhoria, eu quero agradecer aqui o deputado Torrinho que tem sido parceiro nosso aqui na nossa região, o deputado Priante, um cara sensacional e o governador Helder que tem se monstrado preocupado com as questões sociais de todo o estado e São Félix do Xingu não é diferente”, explicou o prefeito João Cleber.
Levantamentos feito junto ao Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM) apontam a partir de dados enviados pelo o Ministério da Educação (MEC), que no estado do Pará existem 492 obras inacabadas ou paralisadas na área da educação, sendo 124 creches ou pré–escolas, 193 escolas de ensino fundamental, 10 de reforma ou ampliação, seis de ensino profissionalizante e 159 novas quadras esportivas ou coberturas de quadra em 119 municípios paraenses.
E como fazem os prefeitos quem não tem padrinho políticos influentes junto ao Congresso Nacional e aos governos estaduais?
— Essa é uma das muitas perguntas que o MEC precisa responder.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.