Quociente eleitoral calcula quais dos quase 10 mil candidatos serão eleitos

Cada estado elegerá, além do presidente, governador e um senador, um número de deputados proporcional à sua população
Urna eletrônica (Foto: Divulgação/TSE)

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Brasília – Com o início da campanha eleitoral para as eleições de 2022 nesta terça-feira (16), os mais de 9 mil candidatos disputarão os votos para presidente, governador, senador, deputado estadual, federal e distrital. Cada estado elegerá, além do presidente, governador e um senador, um número de deputados proporcional à sua população, mas nenhuma bancada estadual pode ter menos de 8 ou mais de 70 representantes na Câmara, de acordo com o que prevê a legislação eleitoral.

Cálculo

Para presidente, governador e senador, o cálculo para definir o vencedor é relativamente simples: ganha o candidato que receber mais votos. Mas, no caso dos deputados, a eleição envolve combinações de desempenho e cálculos um pouco mais complexos, nem sempre fáceis de entender.

Em cidades com mais de 200 mil eleitores, por exemplo, a lei exige a maioria absoluta dos votos. Se esse desempenho não for alcançado no primeiro turno, os dois candidatos mais votados se enfrentam em uma segunda rodada. No caso de cidades com menos de 200 mil eleitores, a decisão ocorre sempre no primeiro turno: ganha quem receber mais votos.

Quocientes eleitorais

A eleição de deputados federais, estaduais ou distritais é definida por dois fatores que balizam todo o sistema proporcional: o quociente eleitoral (QE) e o quociente partidário (QP). O primeiro é obtido pela divisão do número de votos válidos dados a candidatos e partidos pelo número de vagas em disputa, enquanto o QP é o resultado da divisão do número de votos válidos dado ao partido pelo QE.

O QE serve para definir quais partidos têm o direito de ocupar vagas nas eleições proporcionais. Na prática, é o número de votos necessário para uma sigla obter uma cadeira na casa legislativa. Ele leva em conta não apenas os votos obtidos pelos candidatos, mas também o voto de legenda – aquele em que o eleitor vota no partido, e não em um político específico.

Em tese, um partido ou federação que alcance dez vezes o valor do QE tem direito a dez vagas na casa legislativa. No entanto, desde 2018, a legislação eleitoral criou uma espécie de cláusula de desempenho que limita o alcance dessa regra geral. Agora, além da legenda precisar alcançar a linha de corte, cada candidato deve obter individualmente uma votação igual ou superior a 10% do QE para ser considerado eleito.

Após esse primeiro critério de distribuição, é comum que existam vagas remanescentes, as chamadas sobras. Antes de 2017, só participavam do rateio das sobras as legendas que atingissem o QE. Nas eleições de 2018, a regra ficou mais flexível, e as sobras foram rateadas entre todos os partidos, independente de terem ou não alcançado o QE.

Nas eleições deste ano, a regra muda novamente. Podem ter acesso às sobras as legendas que alcançarem pelo menos 80% do QE – uma imposição da cláusula de barreira. A sigla que obtiver menos votos fica fora do rateio. Mas tem um detalhe: mesmo nos partidos que atinjam os 80% do QE, só pode participar da distribuição das sobras o candidato que, isoladamente, obtiver votos equivalentes a 20% do QE.

O rateio das sobras se dá de acordo com a média obtida por cada legenda. Para calcular a média, divide-se o número de votos válidos de cada partido pelo número de vagas já obtido, mais um. Aquela que obtiver a maior média ocupa a primeira vaga remanescente, desde que o candidato atenda à exigência de votação individual mínima de 10% do QE.

Repete-se o cálculo para cada uma das vagas restantes, assim, o partido que pegou a primeira vaga das sobras tem menos chances de obter a seguinte. Quando não houver mais partidos ou federações com candidatos que atendam à linha de corte, as cadeiras são distribuídas entre os partidos com as maiores médias.

Mudanças

Especialistas no assunto acreditam que a nova regra complica a distribuição das vagas de deputados. As Eleições 2022 terão sistema diferente para distribuir “sobras”.

Duas mudanças na legislação eleitoral que entrarão em vigor nas eleições deste ano – o fim das coligações nas eleições para deputado e a criação das federações partidárias – têm merecido a atenção dos dirigentes partidários e muita cobertura na mídia, mas algumas alterações do sistema eleitoral, que devem afetar o sucesso dos partidos e candidatos em 2022, têm sido negligenciadas.

Ao adotarem a regra 10/20, os congressistas se esqueceram que existe um fator aleatório na eleição de um deputado, que pode criar situações esdrúxulas. Imagine um candidato eleito na primeira fase de distribuição com 100 votos a mais do que seu colega que não conseguiu ser eleito e ficou abaixo na lista. Desse último será exigido que tenha recebido pelo menos 20% de votos do quociente eleitoral para conquistar uma cadeira nas sobras, enquanto do seu colega foram exigidos apenas 10%.

Para se ter uma ideia dos possíveis efeitos da discrepância introduzida pela regra, vejamos os resultados das eleições dos 46 deputados federais eleitos no Rio de Janeiro em 2018. O quociente eleitoral foi de 168.122, com 38 deputados eleitos na primeira fase e 8 eleitos nas sobras. Como naquele ano a regra de 10% era única, bastava um candidato conquistar 16.812 votos para ser eleito; todos os 8 deputados eleitos na fase das sobras ultrapassaram esse número.

Mas o que teria ocorrido caso a nova regra estivesse em vigor em 2018? Os deputados necessitariam obter o dobro de votos (33.624). Dos 8 deputados que se elegeram, 6 tiveram menos do que o exigido e perderiam os seus mandatos.  Entre eles, Daniel Silveira, candidato do PSL, que obteve 31.789 votos.

Essas cadeiras, perdidas por conta dos candidatos não chegarem a pelo menos 10% ou 20% dos votos, voltam para a distribuição e são atribuídas ao partido que obteve maiores médias na distribuição. Ainda tem um dado a mais: caso não existam nomes aptos a cumprir a regra dos 20%, deputados com votação abaixo desse patamar serão eleitos. A partir da hipótese da bancada eleita pelo Rio de Janeiro, podemos antever um razoável número de cadeiras conquistadas e depois perdidas nas eleições de 2022, sobretudo, por não atingirem os 20% exigidos.

Essas regras vão exigir uma atenção cuidadosa dos responsáveis por organizar a lista de candidatos dos partidos, a nominata. Nesse cenário, o papel do puxador de votos fica relativizado. É ineficaz ter um puxador de legenda que ultrapasse várias vezes o quociente eleitoral, se seus colegas de partido não conseguirem obter uma votação razoável (10% ou 20%).

Ao criar regras diferentes para a distribuição de cadeiras entre os partidos e os candidatos, os legisladores deixaram o sistema eleitoral brasileiro que já não era simples, menos inteligível, de tal forma que, mesmo os deputados que aprovaram a reforma tenham dificuldade com esses detalhes. Talvez, ao perderem seus mandatos por conta da regra que inventaram se deem conta do quanto ela é bizarra.

Por Val-André Mutran – de Brasília