Diante da crescente perda de pessoal e falta de recursos, a reestruturação da Receita Federal do Brasil (RFB) foi discutida em audiência pública pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional (CMO) na quinta-feira (12). O plano prevê a redução do número de superintendências regionais de dez para cinco, gerando críticas entre os debatedores que preveem eventuais prejuízos aos contribuintes não apenas da região Norte, mas de toda a Amazônia Legal, áreas que somam mais da metade de todo o território do País.
O debate foi proposto pelo deputado federal Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) em requerimento aprovado pela CMO em agosto deste ano.
O comando da RFB avalia o impacto que representa a possível mudança de papel e fatiamento de atribuições do órgão, que passa neste ano por um amplo processo de reestruturação que levará ao fechamento de agências, direcionamento de serviços para a internet, corte de superintendências e redução de funções.
Segundo o coordenador-geral de Planejamento, Organização e Avaliação Institucional da Receita, Jaime Durra, a reestruturação é necessária por três motivos: o Orçamento encolheu 30% nos últimos dez anos, o quadro de pessoal foi reduzido em razão de aposentadorias e houve a eliminação de um em cada cinco cargos de chefia no início da gestão Bolsonaro.
“A base da reestruturação é a regionalização e a especialização do trabalho. Para deixar claro, não é uma ideia que surgiu no início do ano, de maneira açodada. Na verdade, é uma ideia que vem amadurecendo há um bom tempo. Temos várias iniciativas de regionalização — e até de nacionalização — de algumas atividades, todas elas com muito sucesso”, destacou a autoridade tributária.
Mudanças em discussão
As mudanças estão em fase de implementação e não têm relação com os estudos do ministro da Economia, Paulo Guedes, para uma futura reforma mais radical no fisco, que poderia ser desvinculado do Ministério da Economia, tornando-se um órgão independente.
Desde 2007, o número de servidores da Receita caiu em mais de um quarto, de aproximadamente 28 mil para 20,5 mil neste ano. A carreira mais afetada é a dos auditores-fiscais, responsáveis pelo processo de cobrança e fiscalização tributária, reduzida em quase um terço no período.
Outro agravante é o fato de 25% dos servidores ativos estarem aptos a se aposentar a qualquer momento. Em período de ajuste fiscal, o ministro da Economia já afirmou que apenas postos essenciais serão repostos.
Os recursos do órgão também passam por uma compressão. Desde 2014, o orçamento ampliou a defasagem em relação à inflação. O estrangulamento das contas pode colocar em risco a restituição do Imposto de Renda e a emissão de CPF neste ano.
No debate, representantes do órgão afirmam que a RFB foi afetada por sucessivos cortes orçamentários e de pessoal. Diante do “cenário adverso”, a Receita está buscando alternativas para manter suas operações.
Críticas
O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kleber Cabral, criticou a condução do processo. “O sindicato já tentou participar dos debates, mas a administração tem sido hermética, não tem diálogo”, afirmou, ressalvando que a especialização pode ser uma medida boa.
Já os efeitos da regionalização precisariam ser analisados, segundo o presidente do Sindifisco. “A gente não tem opção a não ser nos contrapor a um processo que de fato não conhecemos bem, a não ser por alguns powerpoints (apresentações em formato digital) que acessamos aí pelas redes sociais”, criticou.
Em sua intervenção, a deputada estadual do Pará, Professora Nilse Pinheiro (PRB), que tem participado dos debates acerca da reestrutura no Pará e no Brasil, disse que há uma desconsideração aos contribuintes paraenses. “Eu reporto o que está acontecendo no Estado do Pará. Temos cinco regiões, mas parece que o Pará foi esquecido, a região Norte foi esquecida. Pela sua própria dimensão, ela foi esquecida”, cobrou.
Nilse Pinheiro foi outra a reclamar da falta de transparência. “Essa mudança, de certa forma, é burocrática e não houve audiências públicas. Lá na minha região ninguém foi consultado. A primeira audiência pública que nós fizemos foi chamada pelo parlamento. Então, o que eu entendo? Como é que a gente faz essa centralização? Eu falo para vocês que na região, durante toda a campanha, o que nós vivenciamos era ‘menos Brasília e mais Brasil’. Não é isso o que eu estou vendo”, disse ela.
Enquanto o mundo todo está voltado para a região amazônica, observou Nilse Pinheiro, “eu vejo hoje a Receita Federal virando-se de costas. Aqui eu não estou dizendo que a culpa é de vocês, a culpa é nossa.”
Demissão
O presidente do Sindifisco apoiou ainda o retorno de servidores efetivos para o cargo de secretário especial da Receita, prática interrompida na gestão de Marcos Cintra, demitido na última quarta-feira (11) pelo ministro Paulo Guedes, após ordem do presidente Jair Bolsonaro.
Antes do desgaste causado pela eventual recriação da CPMF, a queda de Marcos Cintra do comando da Receita Federal já era “previsível” por auditores fiscais. Desde que foi nomeado, Cintra enfrentou resistências e duras críticas da categoria. A insatisfação dos auditores aumentou com o que eles chamam de “ingerência política” por parte de Jair Bolsonaro e integrantes da cúpula do Governo, que ameaçaram mudanças em cargos estratégicos do órgão no Rio de Janeiro e em outros Estados.
Houve ainda o agravante da investigação e afastamento de auditores, determinado por liminar do ministro Alexandre de Moraes, por causa da investigação que faziam de 133 contribuintes, entre eles o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, escolhidos aleatoriamente. A omissão de Cintra em defender os servidores pesou contra sua imagem na Receita.
A cúpula da equipe econômica do Governo ainda não definiu o substituto de Marcos Cintra, mas busca no mercado alguém com perfil que dê continuidade à reestruturação da receita. Por ora, ocupa o lugar o sub José de Assis Ferraz Neto.
Asfixia e morte
Durante o debate, houve alerta para o risco de queda na arrecadação de impostos em um momento de crise fiscal. A Constituição prevê prioridade para a Receita no recebimento de recursos orçamentários, mas isso não tem ocorrido. “A proposta de Orçamento reserva R$ 1,8 bilhão para 2020 — o que representa um corte de 30% nos recursos disponibilizados para a Receita Federal em 2019”, disse Jaime Durra.
Autor da audiência pública, o deputado Edmilson Rodrigues garantiu que, a princípio, não é contra qualquer reestruturação de órgão de Estado. “Mas creio que a transparência e o debate democrático é de fundamental importância, o respeito à diversidade regional e cultural do nosso País é de fundamental importância porque qualquer mudança terá consequências. E consequências que impliquem no aumento de sonegação, em riscos à arrecadação, em riscos ao comércio exterior. Num País que cada vez mais precisa da produção de divisas, e uma série de outros fatores, eu acho que realmente merece ser discutido”, defendeu ele. “Estamos talvez diante do maior exemplo de que a galinha dos ovos de ouro está sendo asfixiada e morta”, ironizou Rodrigues.
A reestruturação da Receita Federal prevê cinco regiões fiscais no País, sendo que a maior corresponderá aos Estados das regiões Norte e Centro-Oeste, menos Mato Grosso do Sul, que ficará associado aos da região Sul. O Sudeste será dividido em duas regiões fiscais, sendo uma exclusivamente para São Paulo. Outra região fiscal será formada pelos Estados do Nordeste.
Também participaram do debate o presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), o paraense Charles Johnson da Silva Alcantara, e o vice-presidente executivo da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Márcio Gheller.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.