Brasília – Após apresentar a sétima versão, o deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator da reforma administrativa – projeto de Emenda Constitucional nº 32/2020 – acredita que a matéria entre na pauta de votação da Câmara dos Deputados a qualquer momento. Com risco de derrota, a reforma vai ao Plenário sem a certeza dos 308 votos necessários para a sua aprovação. Mesmo após tantas mudanças no texto da PEC, a matéria é considerada um retrocesso para o país e tem alto risco de impor mais uma derrota importante ao governo.
A reforma administrativa pode ter escassas chances de se viabilizar, conforme têm alardeado parlamentares da oposição, mas ainda é cedo para dá-la como morta, como se apressam alguns. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse ao deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) que a proposta continua “no radar” e deve ser colocada em votação nas próximas semanas.
Mitraud, que preside a Frente Parlamentar da Reforma Administrativa e defende o texto aprovado pela comissão especial, considera difícil, mas perfeitamente possível, obter em plenário os 308 votos necessários para aprovar a PEC 32/2020. Ele reconhece que o voto em favor da matéria pode desgastar os congressistas com um conjunto numeroso e articulado de trabalhadores – os servidores públicos – em ano pré-eleitoral.
Para mostrar seu poder de fogo, comitês de servidores já há algumas semanas recebem os deputados federais ao embarcarem e desembarcarem em 15 aeroportos, nas cidades brasileiras mais populosas, cobrando sua posição na reforma. Em alguns estados, há cartazes para expor quem votou a favor da proposta na comissão especial.
Mitraud também lamenta a atitude do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em relação ao tema: “O presidente nunca quis reforma nenhuma. Se ele não atrapalhar, já vai ser bom. Sabemos que a gente não vai ter a ajuda do Bolsonaro para aprovar”.
Cita, apesar disso, três fatos que podem, no seu entender, contribuir para a aprovação: “Mesmo sem o presidente fazer um esforço grande, o governo é favorável e isso conta. Além disso, temos uma Câmara com maioria reformista e há um dado que algumas pessoas ainda não perceberam. Pesquisas mostram que a maioria da população é mais favorável do que desfavorável à reforma administrativa”.
O deputado mineiro critica algumas mudanças na proposta, como a exclusão de membros do Ministério Público e do Judiciário do limite anual de 30 dias de férias, e a melhoria das regras de aposentadoria e pensão para os policiais. “Não é o texto ideal, mas ele avança em relação à Constituição atual ao instituir critérios para o desligamento de servidores, ao possibilitar o trabalho temporário e ao dispor sobre várias outras questões”.
Do outro lado da trincheira, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), que coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, reagiu: “A gente queria muito que colocasse em votação mesmo, porque o governo hoje não tem 308 votos para aprovar. Enfraquecido como está, o governo tende a fazer escolhas e não creio que gastaria uma bala de prata com a reforma administrativa. Acho que o governo vai acabar desistindo da PEC 32”.
Embora considere improvável, Professor Israel não descarta a possibilidade de a máquina federal abrir os cofres para garantir a aprovação da proposta, aumentando a já imensa cota de emendas ao orçamento a que cada parlamentar tem direito. “Outra hipótese, se confirmada essa manifestação do Arthur Lira para pôr para votar, é ele querer enterrar o assunto, dando como realizado o trabalho dele. Como se dissesse que fez a sua parte,” completa o deputado de Brasília.
Confusão
Uma grande confusão se estabeleceu em torno da reforma administrativa. O novo relatório do deputado Arthur Maia sobre a PEC 32/2020 conseguiu desagradar a todos: servidores, mercado financeiro, técnicos, parlamentares de esquerda e de direita. O documento foi apelidado de “antirreforma” e de “projeto Frankenstein”.
Arthur Maia trouxe de volta benefícios retirados de agentes de segurança na reforma da Previdência; acabou com a proposta de redução de jornada e de salários de servidores; manteve regras que facilitam contratações temporárias e interferência política; além de beneficiar membros de Poderes e ter pesado a mão para a base da pirâmide remuneratória do serviço público.
Um artigo dos professores Antonio Sérgio Araújo Fernandes, do Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Marco Antonio C. Teixeira, do Departamento de Gestão Pública da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP/FGV) e Presidente do Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Administração Pública (SBAP), analisou os pontos críticos da PEC.
- Terceirização ampla e a contratação de pessoal de empresas para prestação de serviços públicos;
- Prazo máximo de expiração de contrato temporário de servidor de 10 anos;
- Possibilidade de redução de 25% de remuneração e jornada de servidores em caso de crise econômica;
- Não definição das chamadas atividades exclusivas de estado;
- Aposentadoria integral para policiais.
Os outros elementos constantes no texto, grosso modo são sub-reptícios com tratamento contemplado na Constituição Federal e na Lei 8112/1990 e em nada agregam substancialmente ao que já está regulamentado.
Segundo os professores, um debate açodado e sem muita consistência mostra como a Câmara teve uma limitada discussão da matéria tão importante. Agregue-se para o parco amadurecimento do processo legislativo da PEC 32/2020 que o país se encontra no meio de um processo de pandemia. Ademais, todo o momento de instabilidade política e econômica vis-a-vis, um parlamento caracterizado por polarizações inúteis e generalidades de argumentos irreais não ajudam na densidade que a discussão dessa matéria exigiria. Do mesmo modo, a pressa na sua aprovação, dado o complexo alcance de seus resultados, torna o processo pouco democrático.
Fernandes e Teixeira prosseguem: “Acreditamos que a matéria ligada à administração pública não deve simplesmente consistir em um esvaziamento do contingente de servidores, visando apenas cortar o custo da máquina, mas deve estar no bojo de uma reforma ampla do setor público que vise adotar medidas estruturais que cotejem não apenas servidores, mas também a reestruturação da organização da máquina pública”.
Ainda de acordo com a análise dos professores, a PEC 32/2020 não avança politicamente no aprimoramento da administração pública brasileira, porque talvez se constitua em mais uma reforma que fica como mantra para representar algum tipo de ação, mas que em nada efetivamente contribui.
Ele listaram que:
“Entre outros efeitos diretos dos elementos elencados estão: conservar privilégios de estamentos do alto escalão da administração nos três poderes; misturar desordenadamente previdência com administração; definir a figura do servidor temporário quase permanente, que servirá de aparelhamento político mais intenso; terceirização ampla que atinge as atividades fins da administração pública, levando para o caminho do estado oco (hollow state); instalar mais regimes jurídicos no já repleto caleidoscópio organizacional que constitui o setor público brasileiro (autarquias, fundações, empresas públicas e estatais); incapacidade de definir atividades exclusivas de estado, dado que a insegurança jurídica é grande; ter como objetivo essencial da reforma meramente ampliar o ajuste fiscal.”
Em suma, escrevem os articulistas, “o momento político requer uma pausa para que o país possa sair dessa longa conjuntura de instabilidade. Por fim, apostar que é dentro de um cenário democrático que de fato se pode constituir uma discussão profunda e equilibrada sobre os caminhos da administração pública brasileira”.
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