Entre dilemas políticos, pressões setoriais e regras que podem gerar contenciosos judiciais, os deputados federais aprovaram, após mais de dez horas de sessão, o projeto de lei complementar (PLP n° 68/2024) — coração da regulamentação da Reforma Tributária sobre o consumo —, na noite desta quarta-feira (10), com modificações importantes no texto do substitutivo apresentado pelo Grupo de Trabalho criado para discutir a matéria.
Com tantas exceções aceitas, o substitutivo acolheu a inclusão de uma trava para a alíquota do futuro imposto simplificado e a adição de proteínas animais à lista de itens da cesta básica, isentos de tributação, tema que vinha sendo defendido tanto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto pela bancada ruralista.
Promulgada em dezembro de 2023, a emenda constitucional da Reforma Tributária cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — que substituirá os tributos federais Pis e Cofins —, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — que vai aglutinar ICMS (estadual) e ISS (municipal). Também é criado o Imposto Seletivo, que visa desestimular o consumo de produtos e serviços nocivos à saúde e ao meio ambiente.
É justamente nos itens do Imposto Seletivo, apelidado de “imposto do pecado”, que pode haver contencioso judicial ao não incluir armas e munições, assim como, taxar minério, petróleo e gás, segundo e terceiro principais itens de exportações da balança comercial brasileira, algo como taxar exportações, o que, segundo tributaristas, seria inconstitucional.
Para garantir a aprovação da proposta, o relator do projeto de lei complementar, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), acatou uma série de sugestões dos pares, incluindo uma trava para a alíquota final do novo tributo. De acordo com o mecanismo, o governo terá de propor uma redução de benefícios conferidos a setores e produtos específicos caso a alíquota ultrapasse a marca de 26,5%.
“Após amplo diálogo com diversos líderes partidários, decidimos aprimorar o texto em diversos aspectos”, disse Lopes em parecer de plenário sobre as emendas oferecidas ao texto, num total de 804.
Depois, já nos momentos finais da votação, Lopes anunciou em plenário que iria acolher simbolicamente emenda prevendo a inclusão de proteínas animais entre os itens da cesta básica com isenção de tributação. A mudança foi formalizada durante a votação de uma emenda de Plenário n° 766 (art. 161,II): DTQ n° 13, apresentada pelo PL, que incluiu carnes, peixes, queijos e sal, na cesta básica desonerada, aprovada por quase unanimidade.
Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) comemorou a inclusão das proteínas, assim como alterações acolhidas pelo relator com benefícios para o cooperativismo. Ao todo, o agronegócio foi atendido em 18 reivindicações que ficariam fora do substitutivo inicialmente apresentado.
“Foi um dia de extensa negociação. Começamos com vários itens pendentes, mas avançamos bastante com o grupo de trabalho para incluir praticamente tudo que não gera impacto na alíquota”, afirmou o presidente da bancada, Pedro Lupion (PP-PR), na nota.
Há uma semana, o presidente Lula havia dito que o governo estava estudando os itens a serem incluídos na cesta básica e que gostaria de poder “comprar carne sem imposto”.
Em outra mudança no relatório, Lopes reduziu o valor máximo a ser cobrado de Imposto Seletivo sobre bens minerais extraídos. A alíquota do tributo sobre esses produtos poderá ser de no máximo 0,25%, contra um teto de 1% na versão anterior do texto.
Embora as linhas gerais da reforma já estejam na Constituição, é necessário aprovar projetos de lei regulamentando os detalhes. O primeiro deles, analisado pelos deputados na quarta-feira, foi enviado pelo governo em abril, prevendo que o formato proposto deixaria a alíquota geral do novo tributo em 26,5%.
O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que discutiu o tema apresentou na semana passada o relatório do projeto, no qual foi incluída cobrança de Imposto Seletivo sobre jogos de azar e carros elétricos, liberando caminhões dessas cobranças.
O texto traz outras inovações, como um desconto maior na tributação do setor de construção civil, e um benefício para “nanoempreendedores”, figura criada na regulamentação enquadrando empreendedores que faturam até meio salário mínimo ao ano. “É vendedora de porta em porta, o pipoqueiro, o ambulante”, explicou o deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), um dos membros do Grupo de Trabalho.
O relator já havia modificado o texto para garantir que o cálculo da devolução do cashback levará em conta compras nos CPFs de todos os membros da unidade familiar, e não apenas do representante. Também decidiu aumentar a devolução de CBS de 50% para 100% nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural. Mais de 73 milhões de brasileiros inscritos no CadÚnico serão beneficiados com o benefício do cashback.
O texto principal da proposta foi aprovado por 336 votos a favor, 142 contrários e duas abstenções. Concluída a tramitação na Câmara, o projeto segue para análise do Senado. O relator já está definido, será, novamente, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), ele já havia relatado o Projeto de Emenda Constitucional n° 45/2023, que foi sancionada como EC nº 132/2023.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.