Por Val-André Mutran – de Brasília
Dor de cabeça e principal “calcanhar de Aquiles” da mineração, a destinação final dos rejeitos pode se transformar em importante insumo para outro setor importante da economia nacional: a construção civil.
O Projeto de Lei 1496/2019, de autoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), determina que as empresas mineradoras poderão ser obrigadas a destinar parte dos resíduos de mineração para a fabricação de artefatos e materiais da construção civil. O texto da proposta altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) e aguarda o recebimento de emendas na Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI).
A proposta trata das medidas de segurança para comunidades próximas a barragens, possibilidades de isenção de impostos e destinação dos artefatos feitos com os rejeitos. A adaptação chegará para todos e a execução de novos projetos terá de contemplar métodos modernos de deposição dos rejeitos da atividade.
Enquanto a matéria tramita no Senado, três iniciativas exitosas se anteciparam à aprovação da nova determinação e estão transformando o que antes era rejeito em matéria-prima para a construção civil, produzindo pisos, materiais de alvenaria, tijolos, telhas, cerâmicas e lajotas, dentre outros artefatos para o setor, barateando custos e oportunizando empregos e construções mais baratas.
Da tragédia à solução
Considerado como um desastre industrial, humanitário e ambiental sem precedentes, o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em 25 de janeiro de 2019, resultou em um dos maiores desastres com rejeitos de mineração no Brasil. Controlada pela Vale S.A., o rompimento resultou em um desastre de grandes proporções, com mais de 255 mortos e dezenas de desaparecidos, gerando uma calamidade pública. O desastre pode ainda ser considerado o segundo maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho do Brasil.
O rompimento de Brumadinho liberou uma onda de lama, que atingiu mata, rios e comunidades da região, além do refeitório e da área administrativa da própria Vale, durante a hora do almoço. Grande parte das vítimas fatais era de funcionários da mineradora.
Também instalada em Brumadinho, a Vallourec, subsidiária de um conglomerado francês que atua no setor da siderurgia, através da Vallourec Soluções Tubulares do Brasil, joint venture formada pelo grupo francês Vallourec e pelo japonês Nippon Steel & Sumitomo Metal Corporation (NSSMC), utiliza rejeito de minério de ferro na produção de pré-fabricados desde 2015. Porém, nos últimos tempos, a empresa vem intensificando estudos para ampliar o uso do rejeito da mina Pau Branco, em Brumadinho (MG). Carzino Lopes, gerente de produção e manutenção na planta, explica como a empresa começou a dar outro destino ao rejeito.
Em 2015, a adoção de dois filtros prensa da Matec, de 75t cada, no desaguamento de rejeito deu início à desativação da barragem.
O ciclo de prensagem do filtro leva de 15 a 20 minutos, com 360 bar de pressão. O material sólido é separado da água e empilhado de forma segura e estável, o que diminui sensivelmente a necessidade da barragem – o material sólido é levado para o mesmo local onde é depositado o estéril.
A porcentagem de água recuperada na barragem que volta para o processo gira em torno de 90% – antes, não era mais de 70% de recirculação de água, conta Carzino. Assim, os custos de monitoramento, instrumentação e alteamento (o mais alto deles) da barragem foram sendo gradativamente eliminados.
A ideia do aproveitamento do rejeito surgiu no segundo semestre de 2015 e os testes tiveram auxílio do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). Corpos de prova foram feitos seguindo normas da ABNT, além de testes regulares de compressão.
Depois, montou-se na planta um local com equipamentos para produção de pisos intertravados para o aproveitamento do rejeito de minério de ferro – hoje, seis funcionários trabalham na atividade. No mesmo local foi iniciada a produção de meios-fios e alas de contenção, totalizando um reaproveitamento mensal de cerca de 60t de rejeito.
Os pisos intertravados e meios-fios podem ser utilizados na pavimentação de vias para tráfego de pedestres e veículos. Já as alas de contenção podem ser aplicadas para sinalização de vias de trânsito, por exemplo, para delimitar as faixas e áreas. Essas peças pré-fabricadas já têm sido usadas na própria área industrial da planta da mineradora.
A meta tem sido reutilizar o máximo possível de rejeitos para a produção dessas peças. Atualmente, são utilizadas cerca de 40t de rejeito por mês para a produção de aproximadamente 21 mil pisos intertravados. A produção de meios-fios e alas de contenção tem consumido cerca de 20t mensais de rejeito.
A 65 quilômetros de Brumadinho, na capital Belo Horizonte, uma startup chamada Laminatus ficou entre as 18 empresas selecionadas que receberam apoio para a implantação de um projeto inovador, dentre as 230 que se candidataram, sendo a única com o propósito de utilizar o rejeito da mineração na construção civil.
O engenheiro Romero Camargos, fundador da Laminatus explica: “No nosso processo, a ideia é usar o produto por inteiro, sem separar nada. Teremos o acréscimo do cimento e outros químicos para chegar no produto final, mas sem desperdiçar nada da matéria-prima principal, que é o rejeito”. Há mais de 30 anos no setor, Romero criou a empresa exclusivamente para participar do Mining Hub, projeto que reúne os players de um mesmo setor interessados em trabalhar de forma conjunta para desenvolver soluções a desafios estratégicos e operacionais comuns às suas operações, e tem a missão de gerar inovação aplicada aos desafios da mineração industrial.
De acordo com o empresário, estudos feitos em universidades como as federais de Minas Gerais (UFMG), Ouro Preto (UFOP) e Lavras (UFLA) demostraram que o produto, após ensaios realizados, possui condições para utilização nas diversas áreas da construção. O próximo passo é fazer testes em sua aplicação. “É um processo inovador no país; não tem ninguém fazendo igual,” afirma.
Há 40 quilômetros da Praça dos Três Poderes, na cidade satélite de Taguatinga, a Correia Engenharia, pertencente ao grupo G44 Brasil, criou e desenvolveu um projeto que tem por objetivo colaborar para uma destinação segura dos resíduos sólidos da mineração.
Além de diminuir os impactos ambientais, a iniciativa da Correia Engenharia colabora para a fabricação de artefatos e materiais para a construção civil. Com o descarte dos rejeitos, a empresa produz blocos para alvenaria, tijolos, telhas, cerâmicas e lajotas. A iniciativa é uma preocupação espontânea da empresa e do grupo ao qual pertence com o ambiente que, em breve, será obrigatório para as mineradoras do país.
A empresa faz a transformação dos resíduos gerados a partir da mineração no norte do estado goiano. Da lama e da areia que sobram do beneficiamento do minério, normalmente ricas em quartzo, óxido de ferro e argila, criaram peças pré-moldadas para a construção de casas, prédios, muros e pisos.
Para se ter uma ideia, o preparo e beneficiamento do minério, em geral, originam resíduos na ordem de 1,5 vezes maior comparando-se à produção. Este volume é normalmente disponibilizado em pilhas próximas às extrações ou mesmo em soterramentos de vales formados pela atividade extrativista mineral.
Rejeito de barragens de minério de ferro como solução para pavimentação de rodovias
Outra solução promissora para a utilização dos rejeitos da mineração de ferro é o objeto de estudo de Paula Anunciação Matias Campos, graduanda em Engenharia Civil na UFOP.
A acadêmica aponta que o Brasil vive uma crise no sistema de transporte rodoviário e que tal problema pode ser tratado como oportunidade de inovação tecnológica. Segundo Paula, as trincas e afundamentos nas estradas são constantes, principalmente devido à negligência diante da necessidade de manutenção das vias. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (2010), os defeitos mais comuns nos pavimentos estão normalmente associados ao emprego de técnicas executivas e materiais inadequados, aliados à ausência de uma manutenção rotineira requerida por esse tipo de estrutura. Dos 1.720.643 quilômetros de estradas existentes no país, apenas 210.619 (12%) são pavimentados, segundo levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT) no ano de 2015.
Como alternativa para diminuir os impactos gerados pela extração de recursos naturais para a construção e o reparo de rodovias, materiais alternativos têm sido estudados.
Pesquisas realizadas no Núcleo de Geotecnia da UFOP, por exemplo, propõem a viabilidade da utilização do rejeito das barragens de minério de ferro, estabilizado granulométrica e quimicamente nas obras de infraestrutura de pavimentação. A utilização deste material em conjunto com escória de aciaria não só promove a redução do consumo de matéria-prima convencional, como também um destino para o rejeito de minério de ferro, antes destinado às barragens, reduzindo assim os riscos e impactos sociais e ambientais causados pela atividade mineradora.
Neste estudo, as amostras de rejeito são originadas da atividade mineradora da região do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais. Elas foram secas ao ar e destorroadas para posterior utilização. Já a escória de aciaria (LD) foi submetida a um processo de segregação magnética para separação a fração metálica, além de submeter-se à inertização (estabilização) por saturação em água, com o objetivo de neutralizar os efeitos de expansão causados pelos óxidos livres presentes na amostra de escória.
Posteriormente, foram produzidas dosagens para a caracterização mecânica do rejeito de barragem de minério de ferro utilizado como agregado para produção de camadas de pavimentação rodoviária. Foram produzidas ainda, dosagens em que o rejeito foi aditivado com ligantes químicos tais como cimento, cal e escória de aciaria e outras em que o rejeito foi estabilizado granulometricamente – dosagens com teores de 30%, 50% e 70% de escória (dosagens mais indicadas), diz o estudo.
Após uma bateria de testes ensaios em laboratório, foi apurado, dentre outros resultados que, “tem-se que o traço de rejeito com 5% de cimento já atende aos parâmetros normativos para utilização em camada de base. Para a mistura estabilizada com cal, a dosagem de 10% pode ser utilizada em base de pavimento com N < 5 x 10^6, e as misturas estabilizadas com escória apresentam uso restringido somente à camada de sub-base”.
“Assim, acredita-se que o rejeito de minério de ferro apresenta potencial para ser empregado como material de infraestrutura rodoviária, pois além de se enquadrar nos parâmetros normativos para utilização em camadas de pavimento rodoviário, ainda apresenta vantagens econômicas e minimiza os impactos ambientais e sociais provenientes de sua deposição em barragens,” conclui a pesquisa.