A articulação da oposição no Senado, antecipada pelo Blog do Zé Dudu na manhã desta terça-feira (4), para derrubar a taxação de compras de até US$ 50, numa emenda “jabuti” inserida no texto do projeto de lei n° 914/2024, que cria o Programa de Mobilidade Verde e Inovação, batizado de Mover, na indústria automobilística nacional, teve uma reviravolta “de cinema”.
O senador que relata a matéria, Rodrigo Cunha (Podemos-AL), “puxou o freio de mão e deu um cavalo de pau”, ao anunciar, agora há pouco, que irá retirar o trecho relativo à “taxação das blusinhas” do PL.
“Sou um defensor da redução da carga tributária nacional. Compreendo as colocações do setor varejista e do governo, mas não podemos de forma afoita impor uma taxa de 20% para compras internacionais de até US$ 50 sem antes realizarmos uma ampla discussão com sociedade, empresários, governo e parlamento nacional,” disse o senador.
O relator declarou que o dispositivo jabuti – trecho sem relação direta com a pauta, que pega carona no projeto original com o objetivo de ser aprovado sem alarde – que determina a taxação sobre as importações de até US$ 50 voltará à Câmara, mas que a discussão sobre o tema não vai atrapalhar a concessão dos benefícios do Programa Mover.
“Lembro também que o governo criou recentemente o programa Remessa Conforme, que já tributa as encomendas internacionais. Por este motivo, em meu relatório, expresso minha posição contra a taxa,” acrescentou.
Cunha afirmou que ainda não conversou com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), responsável por costurar o acordo com o governo para taxar as comprinhas internacionais com a alíquota de 20%.
O senador afirmou que teve encontros com integrantes do governo antes da decisão, inclusive com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que destacou a importância da taxação para o aumento da arrecadação federal. Por fim, ele destacou que existe consenso no Senado para votar o texto-base do projeto de lei original do Mover.
Com isso, se Cunha não voltar atrás, o PL aprovado simbolicamente na Câmara dos Deputados na semana passada corre o risco de cair, uma vez que a emenda jabuti, excluída do texto, não será votada. O anúncio gerou corre-corre dos jornalistas para descobrir se alguém do governo avalizava a decisão.
O que disseram Arthur Lira e os ministros?
O presidente da Câmara dos Deputados afirmou há poucos minutos que ligou para três ministros, Alexandre Silveira (Minas e Energia), Geraldo Alckmin (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e Fernando Haddad (Fazenda). “Só consegui falar com o ministro Haddad, e ele me disse que não fez esse acordo com o relator,” disse.
Depois de gerar comemoração por parte dos lojistas locais e protestos das varejistas internacionais, a proposta de fim da isenção do Imposto de Importação para compras de até US$ 50 em sites gringos como Shein, AliExpress e Shopee não deve ser votada pelo Senado. Entretanto, Lira esclareceu: ”Haddad me contou que a própria CEO da Shein no Brasil propôs a taxação de 20%”.
O “jabuti”
O “jabuti” que previa a cobrança de uma alíquota de 20% do tributo para pedidos abaixo do patamar, que equivale a cerca de R$ 260, foi incluído na semana passada no texto que cria o Programa Mobilidade Verde e Inovação.
O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados após um acordo entre Arthur Lira e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas faltava o aval do Senado, além da sanção do próprio Lula, para que ele passasse a valer.
Taxação da Câmara é demanda do varejo local
Vale relembrar que a taxação das chamadas “comprinhas” é uma demanda do setor varejista nacional, que vê competição desleal com a isenção às empresas estrangeiras, já que hoje é cobrado apenas 17% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o e-commerce internacional.
O debate sobre o tema se iniciou em abril de 2023. Seria uma forma do governo impedir que empresas burlassem a Receita Federal. Isso porque remessas entre pessoas físicas até US$ 50, sem fins comerciais, não sofrem taxação. Assim, empresas estariam fazendo vendas como se fossem envios de pessoas físicas.
Compras dentro desse limite são muito comuns em sites de varejistas estrangeiros, notadamente Shopee, AliExpress, Shein, entre outros. Além disso, varejistas brasileiras pediam por alguma forma de cobrança desses produtos estrangeiros, alegando concorrência desleal.
Arthur Lira disse que, se o Senado modificar o texto, obrigatoriamente a matéria tem que voltar para a Câmara. “O que eu não sei é como os deputados vão encarar uma votação que foi feita por acordo se ele retornar. Eu acho que o Mover (PL n° 914/2024) corre sérios riscos de cair junto,” opinou.
Remessa Conforme atraiu empresas como Shein e Shopee
O anúncio da cobrança de impostos atraiu reações contrárias. Dessa forma, o governo criou o programa Remessa Conforme, que passou a valer em 1º de agosto de 2023.
Empresas que aderiram à regulamentação ficaram isentas do Imposto de Importação em produtos até US$ 50. Mas desde que obedecessem a uma série de normas, como dar transparência sobre a origem do produto, dados do remetente e discriminação de cobranças, como o ICMS e frete, para o consumidor saber exatamente quanto estava pagando em cada um desses itens.
Um dos efeitos do programa, que teve a anuência das principais empresas de marketplace, incluindo Shopee e Shein, é que as entregas ficaram mais rápidas, pois a fiscalização da Receita Federal ficou mais fácil com as informações fornecidas pelas empresas.
Itens entre US$ 50,01 e US$ 3 mil continuam com alíquota de 60%. Acima desse valor, a importação é proibida pelos Correios e por transportadoras privadas.
A isenção proporcionada pelo Remessa Conforme incomodou setores da indústria e do comércio no Brasil. Entidades representativas apontam que a não cobrança de impostos permite um desequilíbrio na concorrência, que favorece empresas estrangeiras.
Ainda antes do início do Remessa Conforme, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV) apresentaram ao ministro Haddad um estudo que estimava até 2,5 milhões de demissões por causa da isenção para empresas de fora do país.
“Jabuti” do petróleo também foi retirado do Programa Mover
O programa Mover, que incentiva a descarbonização de veículos brasileiros, está suspenso desde 31 de maio, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
A criação do programa se deu via medida provisória, assinada em dezembro de 2023. O texto estabeleceu vencimento no final de maio deste ano. Para ter continuidade, foi apresentado um projeto de lei com as mesmas condições, o PL n° 914/ 2024.
No entanto, a inclusão do dispositivo que acaba com a isenção das “comprinhas” estrangeiras dentro do projeto atrasou o andamento do PL na Câmara. A proposta chegou em março, mas o impasse para a construção de um acordo com o governo sobre a taxação prejudicou a aprovação do texto-base.
A Câmara aprovou o PL do Mover com o dispositivo que taxa em 20% as compras de até US$ 50 na última semana de maio. Os senadores pediram mais tempo, pois disseram que não votariam o texto às pressas. Assim, a validade da MP expirou na última sexta-feira (31).
Agora, Rodrigo Cunha disse que a suspensão do programa não afetará as empresas cadastradas.
“Com o nosso ato, através do relatório, será inserida a convalidação de todos os atos feitos neste período, trazendo segurança para aqueles que aderiram, de certa forma de maneira surpreendente, pois já anunciaram o investimento de R$ 100 bilhões desde a implementação do Mover,” explicou.
Outra emenda retirada da proposta é a que fixa cotas mínimas para contratação de empresas nacionais em projetos de exploração de produção e gás. Essa emenda, estranha ao texto original, foi apelidada de “jabuti do petróleo”.
A exclusão do jabuti’ foi um pedido do governo, após o relator do PL se reunir com os ministros de Minas e Energia e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio.
Segundo Cunha, a percepção do governo é que a inserção do tema no Mover poderia “engessar investimentos internacionais’’, por isso, a discussão deve ocorrer no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
O presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Roberto Ardenghy, também manifestou preocupação com a medida. Para ele, o aumento dos índices de conteúdo local causa insegurança jurídica e pode esbarrar na falta de capacidade da indústria nacional de cumprir as exigências.
Por Val-André Mutran – de Brasília
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