O juiz Jônatas dos Santos Andrade, do Tribunal Regional do Trabalho de Marabá, em Paris.
RFI/Annie Gasnier
O premiado juiz brasileiro Jônatas dos Santos Andrade, do Tribunal Regional do Trabalho de Marabá, inspirou sua luta contra a escravidão moderna na ação do frei francês Henri Burin des Roziers. Em sua primeira visita à França, o juiz paraense fez questão de visitar o religioso dominicano, que atuou no Brasil durante 40 anos e hoje mora em um convento de Paris. O magistrado foi entrevistado pela jornalista Annie Gasnier, que durante anos foi correspondente da RFI no Brasil.
Annie Gasnier, especial para a redação brasileira da RFI
Jônatas nasceu na beira do rio Tapajós, em Santarém, há 47 anos. Ele se formou em direito e economia social pela Universidade de Campinas, mas quis regressar à terra natal, mesmo sabendo que não seria fácil atuar como juiz federal nesse canto da Amazônia.
“É uma responsabilidade adicional trabalhar na Amazônia e não é só por eu ser juiz. É uma área de muita pretensão! Ao mesmo tempo em que há muita riqueza, gera também grandes conflitos e muitas violações, principalmente dos direitos humanos. O Estado na região ainda é um Estado incipiente. O Estado incentivou a ocupação e a atividade econômica, mas não foi junto para conformar essa ocupação e o desenvolvimento social junto com o desenvolvimento econômico. Então, o Estado chega atrasado e tem dificuldades para acompanhar a velocidade desse desenvolvimento econômico em uma área vastíssima, equivalente a muitos países da Europa.”
O Pará é um dos maiores estados do Brasil. No Tribunal de Marabá o juiz Jônatas luta principalmente contra o trabalho escravo, muito presente nessa região de grandes latifúndios, onde poderosos fazendeiros ignoraram a lei, protegidos pela imensidão de suas propriedades e pela distância dos serviços do Estado. Mas o juiz não se intimida, sequer com ameaças de morte:
“Eu já estive sob proteção policial. Já houve notícias de uma trama contra a minha vida, a vida dos meus familiares, já houve um inquérito policial, mas hoje isto está em aberto para a eventualidade disso voltar a se repetir. Hoje não há isso. E esse é um dos sintomas de que o estado democrático de direito está se afirmando e que as pessoas cumprem a lei, pelo simples fato da lei existir, sem necessidades de ter que se tomar medidas de força.”
O frei Henri Burin des Roziers, que inspirou Jônatas, também foi ameaçado de morte no Brasil. O advogado dominicano defendeu durante quatro décadas os mais fracos na região sul do Pará. Nessa época, a lei e os tribunais estavam muito longe, na capital Belém, a centenas de quilômetros. O dia a dia do juiz paraense continua se espelhando no trabalho do velho frei, que ele fez questão de visitar em sua primeira viagem à Europa:
“O Henri é uma fonte cristalina de justiça, independentemente de freios ideológicos e de quem quer que seja. Ele tinha tudo para estar no centro do mundo, na cidade luz, com todo o conforto, no centro do Estado de bem estar social. Mas ele abdicou de tudo isso para lutar por justiça para aqueles que não tinham voz, não tinham esperança, não tinham um teto para viver, não tinham terra para plantar e não tinham direitos para trabalhar. É a mensagem que hoje o papa Francisco prega diuturnamente.”
Em 2012, Jônatas Andrade ganhou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos concedido pela Presidência da República do Brasil. Ele também recebeu várias outras recompensas que atestam o reconhecimento de seu combate ao trabalho escravo.