O cachimbo da paz pode surtir efeito entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e parte expressiva de congressistas, após iniciativa do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do tribunal, que chamou para uma conversa reservada, o líder da bancada ruralista, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), para debater a relação entre a corte e o Congresso. Discreto, o encontro ocorreu a portas fechadas na quarta-feira (18), longe dos olhos e ouvidos da imprensa.
O encontro ocorre entre Judiciário e Legislativo, que ficou estremecido nas últimas semanas após uma série de votações do tribunal em temas como o marco temporal, a descriminalização de drogas para uso recrativo e a liberação do aborto para até 12 semanas após a concepção.
Parlamentares então protestaram por meio da obstrução de votações no Legislativo e com a análise-relâmpago de projeto que limita a atuação e o alcance das decisões da corte.
O Senado também aprovou o projeto do marco temporal, em votação-relâmpago, depois de o STF decidir que a tese é inconstitucional para a demarcação de terras indígenas. Supõe-se que o tema ocupou boa parte da conversa entre Barroso e o líder ruralista. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente na sexta-feira (20) o PL do marco temporal, o que já era esperado pela Bancada Ruralista.
A reportagem do Blog do Zé Dudu fez o levantamento do que o presidente da República vetou. Ao todo, foram vetados parcialmente 5 artigos do projeto de lei, enquanto 19 foram vetados totalmente e 8 foram mantidos.
Leia abaixo o que foi mantido e vetado no texto:
• Art. 1º – Mantido
Diz que o projeto de lei regulamenta o art. 231 da Constituição Federal para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.
• Art. 2º – Mantido
Estabelece os princípios orientadores do projeto de lei, como reconhecimento da organização social, dos costumes, das línguas e das tradições indígenas e o respeito às especificidades culturais de cada comunidade indígena.
• Art. 3º – Mantido
Define o que são terras indígenas.
• Art. 4º Vetado parcialmente
É a tese do marco temporal em si.
Vetado:
Parágrafos que estabelecem que serão consideradas terras tradicionalmente ocupadas por indígenas aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram habitadas por eles, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos necessários a seu bem-estar, à sua reprodução física e cultural.
Mantido:
Parágrafos que definem que o procedimento de demarcação de terras será público, transparente e amplamente divulgado. Assegura tradução das decisões para língua indígena.
• Art. 5º Vetado
Estabelece que a demarcação deve contar obrigatoriamente com a participação dos Estados e dos Municípios em que se localize a área pretendida. Assegura aos entes federativos o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.
• Art. 6º Vetado
Assegura ampla defesa aos interessados na demarcação, sendo obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento.
• Art. 7º – Mantido
Associações de partes interessadas podem representar os associados, desde que autorizadas em assembleias gerais.
• Art. 8º – Mantido
Diz que o levantamento fundiário da área pretendida será acompanhado de relatório circunstanciado.
• Art. 9º – Vetado
Define que, até que o processo demarcatório seja concluído e as benfeitorias de boa-fé sejam indenizadas, não terá limitação sobre o uso que um não indígena faz sobre uma área que é de sua posse e sua permanência na terra é garantida.
• Art. 10º – Vetado
Aplica-se aos antropólogos, aos peritos e a outros profissionais especializados, nomeados pelo poder público, cujos trabalhos fundamentem a demarcação, o disposto no art. 148 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
• Art. 11º – Vetado
Estabelece indenização caso um não indígena deva desocupar terra de sua propriedade por ela ser considerada necessária à reprodução sociocultural da comunidade indígena em razão do erro do Estado.
• Art. 12º – Mantido
Autoriza a União a ingressar em imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações mediante prévia comunicação escrita ao proprietário com antecedência mínima de 15 dias úteis.
• Art. 13º – Vetado
Impede a ampliação de terras indígenas já demarcadas.
• Art. 14º – Vetado
Define que os processos de demarcação em curso, ou seja, ainda não definidos, já deverão ser adequados ao disposto neste projeto de lei.
• Art. 15º – Vetado
Estabelece que a demarcação que não atenda aos preceitos estabelecidos neste projeto de lei será nula.
• Art. 16º – Vetado parcialmente
Mantido:
Parágrafos que definem que áreas indígenas reservadas são aquelas destinadas pela União à posse e à ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e a preservação de sua cultura.
Vetado:
Parágrafo que define que em caso de alteração dos traços culturais da comunidade indígena que demonstrem que aquela área não é mais essencial para aquela comunidade, a terra poderá ser retomada ou destinada ao Programa de Reforma Agrária.
• Art. 17º – Mantido
Aplica-se às terras indígenas reservadas o mesmo regime jurídico de uso e gozo adotado para terras indígenas tradicionalmente ocupadas.
• Art. 18º – Vetado
Define que são áreas indígenas adquiridas aquelas havidas de qualquer forma permitida pela legislação civil, como compra, venda ou doação, sendo um bem privado.
• Art. 19º – Mantido
Estabelece que cabe às comunidades indígenas escolher a forma de uso e ocupação de suas terras.
• Art. 20º – Vetado parcialmente
Mantido:
Diz que o usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.
Vetado:
Permite a instalação de bases, postos e demais instalações militares nas terras indígenas independentemente de consulta às comunidades ou ao órgão indigenista competente.
• Art. 21º – Vetado
Assegura a atuação das forças armadas em terra indígena independentemente de consulta às comunidades ou ao órgão indigenista competente.
• Art. 22º – Vetado
Permite ao poder público a instalação de equipamentos, redes de comunicação, estradas, vias de transporte e construções de saúde e educação em terra indígena.
• Art. 23º – Vetado
Estabelece que o usufruto dos indígenas em terras indígenas superpostas a unidades de conservação fica sob a responsabilidade do órgão federal gestor das áreas protegidas.
• Art. 24º – Vetado parcialmente
Mantido:
Diz que o ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito por particulares autorizados, agentes públicos com justificativa, responsáveis pela preservação, pesquisadores autorizados, pessoas em trânsito.
Vetado:
Estabelece que o ingresso, o trânsito e a permanência de não indígenas nas terras não podem ser objeto de cobrança de tarifas por parte das comunidades indígenas.
• Art. 25º – Vetado
Proíbe a cobrança de tarifas ou trocas pela utilização de estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou quaisquer outros equipamentos e instalações colocados a serviço do público em terras indígenas.
• Art. 26º – Vetado parcialmente
Mantido:
Caput que permite o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que a comunidade admita a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas.
Vetado:
Parágrafos que proíbem negócio jurídico que elimina a posse direta da área pela comunidade indígena e que permitem a celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas, inclusive de cultivos agrícolas e pecuária nas terras.
• Art. 27º – Vetado
Permite turismo em terra indígena quando organizado pelas comunidades.
• Art. 28º – Vetado
Estabelece que deve ser evitado ao máximo contato com comunidades isoladas, salvo para prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública.
• Art. 29º – Vetado
Estabelece a isenção tributária para terras sob ocupação e posse de grupos indígenas e o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas.
• Art. 30º – Vetado
Proíbe o cultivo agrícola de elementos geneticamente modificados em áreas de conservação, exceto nas Áreas de Proteção Ambiental.
• Art. 31º – Vetado
Altera o artigo 2º Lei nº 4.132 para acrescentar inciso que permite a destinação de áreas às comunidades indígenas que não estavam na terra na data de promulgação da Constituição em casos de necessidade daquele espaço para reprodução física e cultural.
• Art. 32º – Vetado
Altera a o artigo 2º da Lei nº 6.001 para acrescentar inciso que garante aos indígenas a posse permanente das terras ocupadas na data de promulgação da Constituição.
Em artigo recente, Lupion defendeu a criação de um grupo de trabalho para debater limites e atribuições de Executivo, Legislativo e Judiciário.
O encontro com o deputado faz parte de movimentação que Barroso tem feito para distensionar a relação do STF com diferentes setores da sociedade. No começo do mês, ele recebeu os presidentes de centrais sindicais e defendeu a necessidade de um sindicalismo forte e com fonte de custeio.
‘’Se o Legislativo, por alguma razão, não fechou questão e ainda não votou determinada matéria, isso não é desculpa para ministros do STF passarem na frente e bancar o papel de legislador’’, disse o deputado antes do encontro.
Ainda sobre o marco temporal, Lupion disse: ‘’Além do Projeto de Lei nº 2903/2023, que aprovamos com mais da metade de todos os votos do Senado e da Câmara dos Deputados, temos duas PECs que tratam sobre Marco Temporal.
O Projeto de Emenda Constituicional nº 48 de 2023, no Senado, que deixa ainda mais clara na Constituição a data de 5 de outubro de 1988 como Marco Temporal.
Um preciosismo, já que o texto atual da Carta Magna, em seu art. 231, já fala sobre as áreas que os indígenas “ocupam”, na data de promulgação da Constituição, como aquelas a serem demarcadas.
Além disso, temos a PEC 132/2015, que trata sobre as indenizações, que precisam ser prévias, no nosso entendimento, para as pessoas prejudicadas por eventuais novas demarcações.
Se for necessário ir às últimas consequências, nós iremos, a fim de garantir o direito à propriedade dos produtores rurais do Brasil.
Mas, com suas invasões de competências, não foi só com quem mora no campo que o Supremo mexeu.
‘’Começaram a julgar mudanças na legislação sobre o aborto. Por que o Congresso não foi ouvido?’’, indagou Lupion.
‘’Os 11 ministros não foram eleitos pelo voto popular para produzir nossas leis. Eles estão lá para julgar com base na Constituição, e não para elaborar novidades no ordenamento jurídico sem o aval da Câmara e do Senado’’, ensinou.
Não para por aí: descriminalização das drogas, imposto sindical, temas sobre os quais o Congresso já se pronunciou estão passando por revisão histórica naquela corte.
‘’É uma total e completa usurpação de competência, que não pode e nem deve ser tolerada pela Câmara dos Deputados, nem pelo Senado Federal’’, garantiu o deputado.
‘’Essa reunião de mais de 20 frentes parlamentares, além dos dois partidos de oposição, é um manifesto pela legitimidade do Poder Legislativo’’, destacou.
‘’Não podemos permitir que esse processo do Supremo continue, sob o preço de legarmos, ao povo brasileiro, mudanças que massacram direitos, atacam nossas liberdades e garantias, e atentam contra a família brasileira e seus valores’’, advertiu Pedro Lupion.
‘’Não deixaremos de cumprir nossa responsabilidade de legislar, delegada pelo voto do povo brasileiro’’, prometeu.
‘’Nós, do Congresso Nacional, somos os responsáveis Constitucionais por fazer as leis. E assim continuará a ser, em respeito à separação dos três poderes da República’’, garantiu o líder ruralista.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.