Brasília – Um ano após a família comemorar a cura do câncer, quando exames de rotina mostraram a remissão da doença, a Rainha do Rock Nacional, cantora e compositora Rita Lee, teve uma recaída da doença e faleceu na madrugada desta terça-feira (9), em sua residência em São Paulo.
O velório, aberto ao público, será na quarta-feira (10), das 10h às 17h, no Planetário, no Parque do Ibirapuera. O corpo da cantora será cremado em uma cerimônia restrita à família.
Bem-humorada, Rita Lee batizou o tumor no pulmão de “Jair”, brincadeira criada pelo marido, o músico Roberto de Carvalho, Rita causou comoção. “A cura da minha mãe me emocionou pra c…. Melhor notícia de todos os tempos. Manteve a cabeça erguida, com vontade de lutar e encarou tudo com seu bom humor habitual”, escreveu seu filho Beto Lee nas redes sociais. Ainda assim, mesmo depois da notícia, ela manteve os exames de rotina, fazendo raras aparições nas redes sociais.
A rockeira estava escrevendo um livro sobre os dias em que havia lutado contra a doença ao lado de Roberto. Ela começou a fazer anotações antes mesmo de saber do diagnóstico que apontava a remissão. Entre a descoberta da doença e a melhora, havia passado um ano, 30 sessões de radioterapia, e, em seguida, outras mais de quimioterapia.
A revolucionária da música brasileira, se aposentou dos palcos em 2012, quando tinha 64 anos. Uma de suas últimas aparições à frente de uma banda se deu em um show no Circo Voador, Rio de Janeiro. “Queria dizer que esse é o meu penúltimo show, mas já considero o último. É… Vou me aposentar dos palcos”, ela disse. Um outro foi feito dias depois, em Aracaju, Sergipe, tumultuado por uma truculenta ação policial. E vieram ainda mais dois, um em Brasília e outro no Centro de São Paulo.
Rita Lee Jones de Carvalho, cantora, compositora, atriz e mais tardiamente escritora, ela tinha ascendência norte-americana e italiana.
A chamada “Rainha do Rock” chegou a vender algo como 55 milhões de discos, ficando atrás apenas de Tonico & Tinoco, Roberto Carlos e Nelson Gonçalves. Sua transmutação artística, nada arquitetada, foi um dos movimentos mais bem-sucedidos de seu meio. Surgida na psicodelia tropicalista ao lado dos Mutantes (1966-1972), de Sergio Dias e Arnaldo Baptista, Rita migrou para um rock and roll mais ortodoxo no passo seguinte, ao lado do grupo Tutti Frutti (1973-1978), para, em seguida, partir para um som mais radiofônico, pop e latinizado com Roberto de Carvalho. Com isso, abriu três frentes distintas e poderosas de público, não necessariamente complementares. Há os fãs da Rita seminal dos Mutantes, os fãs da Rita rock raiz e os fãs da Rita de Roberto. E há os fãs de todas as Ritas.
Fruto Proibido, quarto álbum de estúdio da cantora de rock brasileira Rita Lee – e o segundo com a banda Tutti Frutti – lançado em 1975, é considerado um dos melhores discos de todos os tempos da história da MPB e ponte para o que viria a ser o rock nacional que estourou nos anos 80. Acompanhada por Luis Sérgio Carlini (guitarra), Lee Marcucci (baixo), e Franklin Paolillo (bateria), considera-se que a cantora criou uma obra que dialogava com as situações da metade da década de 70 — época de grandes mudanças sócio-culturais e de contínuas tempestades no cenário político brasileiro.
Calcado no blues rock, o som do LP é de hard rock em língua portuguesa, com mesclas de pop. O disco trouxe à tona uma variedade de sucessos que tornariam-se definitivos na carreira de Rita Lee. “Agora só Falta Você” e “Esse Tal de Roque Enrow”, co-escrito com Paulo Coelho, parceiro musical que já era um importante letrista de rock no país, tem tonadas de rock puro. Esta primeira e “Luz del Fuego” também revelavam uma temática feminista. “Ovelha Negra”, considerado o hino de Lee e provavelmente sua canção mais famosa, foi a canção que a projetou como artista solo e independente, e encerra o disco com um aclamado e memorável solo de Luis Carlini.
Referência internacional
Ao liderar os vocais nos quatro discos gravados com Os Mutantes, nos anos 60, Rita Lee é cultuada no exterior como uma genial artistas dos loucos anos psicodélicos, que desembocaram na Era Hippie da Paz e Amor, num conturbado cenário de ditadura militar no Brasil e Guerra do Vietnã, no mundo. Do comunismo contra o capitalismo.
A Rita persona extra artística também ganhou respeito e admiração por sua coerência entre o que cantava, o que dizia e o que fazia. Outsider por força da doença nos últimos anos, mas também por uma postura muito anterior a ela, anti mídia, cedendo entrevistas apenas por e-mail e avessa a exposições descabidas, trazia nas canções seu pensamento ácido, crítico, inconformado e sagaz. Para saber o que ela pensava, no amor e fora dele, basta ouvir canções como Ovelha Negra, Mania de Você, Lança Perfume, Agora Só Falta Você, Baila Comigo, Banho de Espuma, Desculpe o Auê, Amor e Sexo, Reza, Menino Bonito, Flagra ou Doce Vampiro, entre muitas outras que se tornaram temas de novela, comerciais e hits de rádio FM.
Quem gosta de passado é museu
Sua autobiografia lançada em 2016, pela editora Globo, foi uma pedrada no próprio passado. Dona de uma escrita habilidosa, protegida de possíveis processos pelo verniz do sarcasmo, Rita destruiu desafetos como se usasse sua estrondosa voz impressa para, tantos anos depois, vingar-se.
Ao abrirmos aleatoriamente a página 127, vejamos: “O clube do Bolinha afirmava que, para fazer rock, precisava ter culhão, e eu queria provar a mim mesma que rock também se fazia com útero, ovário e sem sotaques feministas clichê”.
Em uma frase, destruiu os roqueiros cueca dos anos 1970 e as feministas de engajamento de ocasião de todos os tempos. Outra página, desta vez a 69: “Eu praticamente era da família e aos poucos fui me adaptar ao fato de que se tratava de uma gente arrogante, pero generosa; palmeirense, pero não roxa; riquinha, pero pouco asseada.
Avançavam na comida antes de chegar à mesa, falavam alto de boca cheia e, para meu completo nojo, bebiam no gargalo da mesma garrafa de Cola-Cola passada de mão em mão.” Ela se referia à família dos irmãos Sérgio Dias e Arnaldo Baptista. Se virou processo, ninguém ficou sabendo.
Fica irresistível então não retornar ao final de suas memórias, agora que Rita se faz uma ideia indestrutível de mulher. Assim saíram algumas de suas últimas palavras escritas abaixo do intertítulo Profecia: “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta. Algumas rádios tocarão minhas músicas sem cobrar jabá, colegas dirão que eu farei falta no mundo da música, quem sabe até deem meu nome para uma rua sem saída.
Os fãs, esses sinceros, empunharão capas dos meus discos e entoarão Ovelha Negra, as TVs já devem ter na manga um resumo da minha trajetória para exibir no telejornal do dia e uma notinha no obituário de algumas revistas há de sair. Nas redes virtuais, alguns dirão: ‘Ué, pensei que a veia já tivesse morrido, kkkk’. Nenhum político se atreverá a comparecer a meu velório, uma vez que nunca compareci ao palanque de nenhum deles e me levantaria do caixão para vaiá-los.
Enquanto isso, estarei eu de alma presente no céu tocando autoharp e cantando para Deus: ‘Thank you Lord, finally sedated’ (‘obrigada Senhor, finalmente sedada’). Epitáfio: “Ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa.”
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.
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