O clima ficou tenso na terça-feira (2) durante a sessão de votação na Câmara dos Deputados. Em meio a disputa entre Senado e Câmara, por recursos do megaleilão de petróleo do Pré-Sal, o senador Cid Gomes (PDT-CE) atacou o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL). O chamou de “achacador” e disse que o Senado não pode virar refém das decisões da outra casa legislativa sobre a destinação do dinheiro.
Os senadores ameaçam travar a votação, em segundo turno, da Reforma da Previdência, diante da insurgência da Câmara, que tenta garantir para os municípios uma fatia maior no bolo de recursos do megaleilão e destinar o dinheiro por meio de emendas parlamentares. O Senado, por sua vez, quer parcelas iguais para Estados e municípios, por meio dos fundos de participação, para que a verba ajude a diminuir o déficit da Previdência.
Para Cid Gomes, a queda de braço é um retrato do que está “transformando o Senado no subparlamento brasileiro”, com papel “pífio” nas decisões nacionais.
“Trabalhei na campanha do deputado Rodrigo Maia [à Presidência da Câmara], mas, o que está acontecendo lá é que o presidente está se transformando numa presa de um grupo de líderes encabeçado por aquele que, podem escrever o que estou dizendo, é o projeto do futuro Eduardo Cunha brasileiro. Eduardo Cunha original está preso, mas está solto o líder do PP que se chama Arthur Lira, que é um achacador, uma pessoa que no seu dia a dia, a sua prática é toda voltada para a chantagem, para a criação de dificuldades para encontrar propostas de solução”, atacou o senador.
Cid Gomes ainda criticou a evolução morosa das pautas do chamado Pacto Federativo, que pretende descentralizar recursos para os governos regionais, e desdenhou do fato de que Lira, eleito pelo Alagoas, não quer beneficiar o governo estadual porque o chefe do Executivo, Renan Filho, é seu rival local.
“Isso não está certo, essa Casa tem que reagir a isso, tem que dar apoio ao presidente Davi Alcolumbre, tem que dar apoio também ao presidente Rodrigo Maia, que tem boa vontade com essas matérias, mas está refém de um grupo de líderes”, afirmou.
Lira vai processar Cid Gomes
A resposta do deputado Arthur Lira, líder do PP na Câmara veio a galope. O parlamentar pediu palavra na sessão e disparou: “O senador Cid Gomes atacou o Colégio de Líderes desta Casa e o meu nome como ‘achacador’. O projeto da desoneração do pré-sal, o projeto da cessão onerosa do pré-sal foi votado por esta Casa como PEC e teve modificações no Senado na relatoria desse dito, vulgo, vulgar, pequeno, leviano Senador. Ele não tem a dimensão do mandato que ocupa para sair atacando. Ele vai responder a um processo.”
Lira continuou: “Ele vai responder um processo, para mostrar e demonstrar onde, quando e em que tema qualquer ministro, qualquer deputado, qualquer senador, qualquer líder partidário sofreu achaque deste parlamentar ou de qualquer membro desta Casa”, revidou.
Sobre a PEC da sessão onerosa, Lira relatou: “Nós não discordamos aqui com relação ao critério de distribuição de FPE e FPM. Nós aqui concordamos, muito embora existam muito mais Municípios do que Estados no Brasil. Nós não vamos polemizar, Presidente Rodrigo Maia, com esse assunto, mas o critério para onde será distribuído, esse sim, porque se esse dinheiro é eventual, nós entendemos que ele deve servir para sanear os estados que estão em dificuldades na sua previdência, nos seus precatórios, nos seus débitos, que reestruturem a máquina estadual, para que o estado possa seguir em frente.”
O líder do PP voltou à artilharia verbal contra o senador cearense: “(…) Aí, o Senador se doeu. E se doeu de uma maneira irresponsável. Vai pagar com processo. Eu sei que ele não liga, deve ter muitos, é a prática usual, mas, senador Cid Gomes, respeite a Câmara dos Deputados, respeite o Colégio de Líderes deste Parlamento, respeite os partidos que fazem parte do Centro desta Casa, porque eles são os partidos que estão dando serenidade para o Brasil, para, juntamente com os partidos que pensam igual, aprovar matérias importantes no Plenário desta Casa”, atacou, criando um clima de conflito na sessão.
Ao finalizar suas explicações, o deputado Arthur Lira disparou: “Agora, em branco juridicamente e não ficará em branco politicamente no trânsito dessa matéria nesta Casa, porque esta Casa, com toda altivez que tem, tem liberdade de decidir, de discutir e de votar o assunto que melhor lhe convém. Esse assunto foi gerado aqui. Tudo o que foi dado a Estados e Municípios foi fruto da orientação do Presidente Rodrigo Maia no Colégio de Líderes com a votação no plenário desta Casa, e o simples fato de ele ser o relator no Senado não lhe dá liberdade de querer que o seu texto seja o texto consolidado, o texto supremo, nem julgar ninguém. É irresponsável, é leviano, é vil, é pequeno e não merece estar naquela cadeira que é muito maior do que as nádegas dele”, disse, referindo-se ao senador Cid Gomes.
O líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB), apoiou a fala do colega do PP e chamou o senador Cid Gomes de ‘senadorzinho’. “Esta Casa tem a responsabilidade e também precisa se solidarizar. Sabe por quê, Sr. Presidente? Vossa Excelência foi atingido também. Nós precisamos processar este ‘senadorzinho’ medíocre que suja o nome do Senado Federal”, exclamou.
Nessas alturas o clima no Plenário era de alta temperatura.
A fala de Rodrigo Maia
A reação da Mesa da Câmara foi imediata. Fazendo a defesa do colega alagoano, o presidente da Câmara – deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) – subiu o tom e afirmou que “está havendo um problema grave, que é o seguinte: o sucesso da Câmara está incomodando muita gente”. Na sequência, Maia disparou: “Nem governador, nem senador vai ameaçar a Câmara dos Deputados, como eu fui ameaçado no sábado à noite”.
Maia conta que ao se reunir com alguns governadores do Nordeste, para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 98/19 que compartilha 30% dos recursos que serão obtidos com a privatização dos novos campos petrolíferos do Pré-Sal com estados e municípios, ouviu de um dos governadores, “muito [seu] amigo, e de um partido de esquerda”, que a parte da PEC já promulgada na última quinta-feira, 26, era inconstitucional.
“[Essa posição está] equivocada. A Mesa da Câmara não aceitaria promulgar nada que não fosse constitucional. A matéria foi aprovada por três quintos aqui, três quintos lá [no Senado], está promulgada, é constitucional, não há nenhuma discussão constitucional sobre essa matéria e relatei [isso]”, se manifestou.
Em sua fala aos deputados, Rodrigo Maia explicou que: “Na última reunião que tive antes da votação da reforma da Previdência, eu fui ao gabinete do Estado do Ceará aqui com todos os Governadores do Nordeste, e eu disse que a votação da reforma da Previdência não era uma votação do mérito da Previdência; era uma votação política, e era uma votação da união da Federação com o Congresso Nacional, e que isso facilitaria os nossos trabalhos dali para a frente em todas as outras matérias.”
E prosseguiu: “Infelizmente, nós não conseguimos acordo com parte dos Governadores. Da mesma forma que respeitamos a posição de parte dos Governadores que trabalharam contra a Previdência neste Plenário, eu espero que o Senador e os Governadores tenham respeito por este Parlamento e estejam trabalhando na Comissão Especial com os nossos Deputados, para que a gente possa aprovar um texto que respeite o Parlamento, mas, principalmente, a boa distribuição dos recursos, atendendo ao anseio e, muitas vezes, ao desespero de muitos Estados que estão numa situação pré-falimentar e também de muitos Municípios.”
Maia concluiu dizendo: “Eu gostaria de dar esse esclarecimento, porque há muita informação errada, muita informação truncada. E a Câmara dos Deputados nunca trabalhou contra o Senado, contra os Governadores. Muito pelo contrário, a gente tem trabalhado em conjunto, a Câmara tem cumprido o seu papel. Se alguns acha que a gente cumprir o nosso papel é alguma coisa errada ou cria algum tipo de embaraço, que cada um se recolha à sua posição e ao respeito à Câmara dos Deputados”, arrancando aplausos dos Plenário.
Presidente do Senado se manifesta
Após o rompante do senador pedetista, Alcolumbre comunicou que Maia fechou acordo com lideranças na Câmara para votar na semana que vem o projeto que permite a chamada securitização da dívida ativa, que é a venda do direito sobre a cobrança desses débitos. A cessão desse direito é feita com desconto sobre o valor da dívida e funciona como instrumento de ampliar receitas no curto prazo.
O que está na disputa?
O desentendimento entre Senado e Câmara tem como pano de fundo muito dinheiro. A distribuição de R$ 106 bilhões, receita prevista após a realização do megaleilão de petróleo que o governo federal deve fazer em novembro.
O senador Alcolumbre em reunião na segunda-feira (30) com os governadores do Norte e do Nordeste, defendeu novamente a distribuição dos recursos entre União, estados e municípios, conforme prevista na PEC 98/2019, já aprovada no Senado, e que agora está em análise na Câmara dos Deputados. Ele disse que o acordo com o governo é pelo texto aprovado no Senado, que estabelece o repasse de 15% dos recursos para os estados e 15% para os municípios. Assim, o mesmo fez o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Que, ainda sem ler ou ouvir o discurso do senador cearense, explicou ao plenário da Câmara o problema da maioria dos deputados rejeitarem o texto do pedetista Cid Gomes. Maia afirmou que são os parlamentares do Centro-Oeste, Sudeste – com exceção de Minas Gerais, e do Sul é que se portam contra a ideia de compartilhar os novos recursos do Pré-Sal seguindo o critério de distribuição do Fundo de Participação dos estados (FPE) e dos municípios (FPM).
“O senador Cid Gomes procurou apenas a minha pessoa para apresentar o voto dele na véspera da [votação]. Não sou eu que sou só deputado, e não senador, que vou questionar o voto de um senador. Ele deveria antes de apresentar o voto, se quisesse a minha opinião, ter procurado cada um dos líderes. Da mesma forma que não o fez, o Senado também não nos consultou quando aprovou a Medida Provisória (MP) 881 fazendo uma mudança de mérito e mandando a matéria à sanção”, comentou.
“Nós entendemos que estava errado. Alguns líderes foram ao Supremo e o ministro Gilmar Mendes não deu a liminar. Nós aceitamos porque respeitamos o devido processo legal. Da mesma forma o projeto de lei dos partidos políticos [que] o Senado desidratou toda a nossa proposta e, em nenhum momento, nós não fizemos nenhuma agressão a nenhum senador por isso. É um direito democrático, legítimo, que o Senado faça as mudanças que entender relevante. Então eu relatei isso aos governadores que saíram todos tranquilos da minha conversa”, completou.
Debate federativo
Na sequência, o presidente da Casa ressaltou que a Câmara defende, assim como o Senado, a pauta federativa.
“Então o que eu quero deixar claro aqui, eu não ouvi as palavras do senador Cid Gomes, por isso eu não quero fazer nenhuma crítica ao que ele falou, mas de forma nenhuma essa presidência e nenhum dos deputados e deputadas, tenho certeza, porque converso com quase todos, aceitaria nenhum tipo de prejuízo a nenhum ente da federação. Nem estados, nem municípios. O que eu peço ao plenário, aos líderes, é que possamos aprovar a admissibilidade da PEC ainda essa semana, criar a comissão especial para que os governadores vejam – dentro da comissão especial – onde estão os problemas”, apontou.
“Eu tenho certeza e falo isso ao senador Cid Gomes que ele não vai encontrar problemas nos deputados do Nordeste e do Norte. Ele vai encontrar problema na forma da distribuição desses recursos em todos os outros estados que não estão nessas duas regiões. Eu quero que isso aconteça, para que ele reflita e depois veja que cometeu um erro de acusar, de criticar de forma desnecessária e grosseira um parlamentar desta Casa. Nós nunca fizemos isso, nem eu nem nenhum líder, e o que nós queremos aqui é construir a solução para que a federação possa avançar”, encerrou.
Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília