Rombo de R$ 20 bi na contabilidade das Lojas Americanas derruba Bolsa de Valores

CVM abriu duas investigações que podem evoluir para um inquérito administrativo

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Brasília – O mercado financeiro foi pego de surpresa na quinta-feira (12) e reagiu — claro — negativamente ao rombo anunciado de R$ 20 bilhões da gigante do varejo Lojas Americanas, fazendo com que a ação despencasse 75% no último pregão, as discussões seguem em torno da extensão do problema e das empresas e agentes que podem ser impactados. No fechamento do pregão da quarta-feira (11) a ação (AMER3) valia R$ 12,00 e na quinta, despencou para R$ 2,74, com uma perda de mercado de R$ 8,3 bilhões em apenas um dia ou 77,33% de desvalorização.

Para se ter ideia do que isso representa, O tombo que a Americanas (AMER3) sofreu na quinta-feira (12) foi o maior já registrado no índice Ibovespa desde 1995.

A última queda expressiva dessa forma havia ocorrido em 28 de março de 1995, quando a Cemig (CMIG4) desabou 72,83%. Antes, em 2021, o GPA (PCAR3) tombou 65,84%, em 1º de março daquele ano, após anunciar a cisão com o Assaí (ASAI3).

Como a Americanas pode não ter visto rombo de R$ 20 bilhões? Foi a pergunta de U$ 1 milhão de dólares que perturbou o mercado ontem. Segundo fontes do mercado, o risco de quebra da empresa é de 50%.

CVM
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu dois processos administrativos para analisar as inconsistências contábeis relacionadas ao caso Lojas Americanas. Os procedimentos são iniciais e, a depender das primeiras conclusões podem ou não ter um processo sancionador como resultado. Se o regulador entender que são necessárias investigações mais aprofundadas, pode abrir um inquérito administrativo.

De acordo com informações do site da CVM, o processo administrativo 19957.000413/2023-18 refere-se à análise de informações contábeis, e o 19957.000415/2023-15 envolve notícias, fatos relevantes e comunicados. Ambos foram abertos pela Superintendência de Relações com Empresas (SEP).

Acionistas
A queda das ações da Americanas na Bolsa mostrou que poucos investidores querem “pagar para ver” as consequências de um rombo de tamanha grandeza em uma varejista cuja rentabilidade já era questionada há tempos.

O novo CEO Sergio Rial deixou o cargo; ele assumiu a função no dia 1.º de janeiro

Em carta enviada a funcionários, Sergio Rial, agora ex-CEO da empresa, disse que a posição de caixa é sólida, com mais de R$ 8 bilhões. “Seguiremos pagando nossos fornecedores no prazo estipulado e todas as nossas obrigações”, disse.

Mas, analistas e especialistas dizem que a possibilidade de a Americanas quebrar existe e é real.

Com o pedido de saída de Rial e Covre, o conselho de administração nomeou interinamente para diretor-presidente e diretor de Relações com Investidores João Guerra, executivo com trajetória na companhia nas áreas de tecnologia e recursos humanos, e não envolvido anteriormente na gestão contábil ou financeira.

Majoritários
Os acionistas históricos da Americanas, a 3G Capital, formada pelos bilionários brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, três dos dez homens mais ricos do Brasil, não devem deixar a empresa após rombo fiscal. Entretanto, eles não saíram ilesos da notícia, Jorge Paulo Lemann, acionista há mais de 40 anos da varejista, perdeu cerca de R$ 2 bilhões com a derrocada de 75% do valor das ações.

Para quem não tem familiaridade com o mercado, os três brasileiros e donos da #G Capital, tem sob seu controle acionário empresas gigantescas como a AMBEV (bebidas), a VIA (também varejista: Casas Bahia) e da Heinz (Alimentos) fabricante da maionese e ketchup de origem norte-americana mais vendidos do mundo. É deles também a Burgue King, rede de fast-food, principal concorrente da McDonald’s mundo afora.

Via (VIIA3)
A Via (VIIA3) afirmou em nota ao mercado que as operações de risco sacado (convênio), um dos motivos para o rombo de R$ 20 bilhões da Americanas, estão registradas nas demonstrações financeiras em conformidade com as normas internacionais de contabilidade.As ações da companhia registraram queda de 5% na véspera, em meio a discussões se outras empresas do setor estariam adotando as mesmas práticas contábeis da Americanas.

Magazine Luiza (MGLU3)
Da mesma forma, para se proteger da especulação que seguiu ao anúncio do escândalo, as ações da Magazine Luiza (MGLU3) abriram o último pregão em queda, contaminadas pela notícia da inconsistência fiscal, mas virou para alta e chegou a liderar o lado positivo do Ibovespa no dia.Se em um primeiro momento a reação dos investidores foi a de achar que algo semelhante ao escândalo da Americanas poderia acontecer com o Magalu, a percepção passou a ser outra.Guilherme Schunke Toledo, da mesa de operações da Amur Capital, afirmou que grandes fundos, que têm estratégia de alocação setorial, podem estar direcionando recursos para ação do Magazine Luiza e estão operando vendido com os papéis em carteira da Americanas. É uma forma de se proteger dos enormes prejuízos.

Bancos
Toda a rede bancária brasileira de médio e grande porte tem negócios com a Americanas. Os bancos credores da companhia pretendem perdoar a empresa por desrespeitar cláusulas restritivas de endividamento, o que provavelmente acontecerá devido às “inconsistências” contábeis que podem dobrar seu passivo.O BTG Pactual (BPAC11) e o Santander (SANB11) também eram destaques negativos no pregão de ontem. Segundo o Bradesco BBI, os bancos credores da Americanas podem ser levados a fazer uma baixa contábil.

Ambev (ABEV3)
As ações da Ambev (ABEV3) também tinham desempenho negativo no último pregão. Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research, a empresa pode ser uma das vítimas do rombo da Americanas.Isso porque a Ambev possui os mesmos acionistas controladores da varejista, e pode utilizar o mesmo método contábil em suas controladas. A 3G Capital é dona da Americanas e da Ambev.

FIIs
Nem os fundos imobiliários escaparam da mira das preocupações com a Americanas, o índice de fundos imobiliários (Ifix) da B3 fechou o pregão da última quinta-feira (12) em queda de 0,20%.Isso porque alguns fundos alugam galpões logísticos e imóveis para a Lojas Americanas, como também tem papéis atrelados à companhia.

Terremoto
O terremoto causado pela Lojas Americanas no mercado de capitais teve início na quarta-feira (11), após o anúncio da nova gestão da companhia que havia identificado R$ 20 bilhões em “inconsistências” no balanço da empresa. Segundo os termos usados no comunicado da companhia, é possível entender que o problema está relacionado a dívidas não contabilizadas nas demonstrações financeiras. Na prática, é como se a varejista registrasse apenas a compra de determinados produtos, mas não o financiamento que fez para adquiri-los. Ou seja, a empresa pode estar mais endividada do que o mercado sabia.

No terceiro trimestre de 2022, a Americanas afirmou ter uma posição de caixa de R$ 14 bilhões e uma dívida líquida de R$ 5,3 bilhões. Essa dívida representava 1,7 vez o Ebitda (geração de caixa) da companhia, levando em consideração os últimos 12 meses até aquele período. A dívida bruta da empresa, por sua vez, era reportada em R$ 19,3 bilhões.

“Neste momento, não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da Companhia”, afirmou a empresa na nota que também anunciou a decisão do presidente, Sergio Rial, e do diretor-financeiro, André Covre, de deixarem os cargos. Ambos assumiram suas funções no dia 1.º de janeiro.

Eugênio Foganholo sócio da consultoria especializada em varejo Mixxer, o caso gera um abalo sério na confiança em empresas de capital aberto em geral, já que o tamanho das inconsistências está na casa dos bilhões. “Mostra uma fragilidade enorme na governança de empresas de capital aberto. É inacreditável e extraordinário”, diz.

Maiores prejudicados
Os maiores prejudicados no curto prazo devem ser os acionistas minoritários. Hoje, o valor de mercado da companhia é de R$ 10,83 bilhões. Nas últimas semanas, as ações vinham mostrando recuperação acima dos pares, com valorização de 43,37% no último mês e 24,35% apenas em janeiro até hoje.

Muito dessa alta se relacionava com a expectativa da gestão centrada em rentabilidade de Sergio Rial. No entanto, ele e o novo CFO, Covre, acabaram por descobrir um rombo que pode enterrar de vez a confiança do mercado. “Game over”, disse uma fonte que analisa os papéis da varejista. Segundo ele, a cifra indica um problema antigo e é um golpe forte nas expectativas.

Do ponto de vista da operação, o efeito não deve ser imediato. “O consumidor pode não deixar de comprar R$ 1 na rede por conta disso, no entanto, isso afeta a capacidade da empresa de conseguir crédito, o que pode impactar seu capital de giro, a depender da estrutura financeira da empresa”, disse Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).

Ex-controladores
No documento, a empresa disse que “acionistas de referência, presentes no quadro acionário há mais de 40 anos, pretendem “continuar suportando a companhia”. Ao decidir juntar os negócios físico e digital (antes sob dois tickers diferentes na Bolsa), a Americanas teve de fazer um rearranjo societário que tirou do controle o famoso trio Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, fundadores da Ambev e sócios do fundo 3G Capital. Depois do rearranjo, com cerca de 29% dos papéis da empresa, eles se tornaram os acionistas de referência, que agora se comprometem a não abandonar suas posições na empresa. Mas, tudo que envolve cifras bilionários tem um “mas”, não se sabe se o trio está disposto a investir R$ 10 bilhões para salvar a Americanas da falência.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.