Sancionado reajuste do salário mínimo e isenção do IR; impacto será de R$ 190 bilhões

Para compensar despesa, governo edita medida provisória para tributar fundos exclusivos e offshores
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou na segunda-feira (28) duas medidas para compensar os gastos com as “bondades” de promessas de campanha

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Para compensar o reajuste do salário e o aumento da faixa de isenção da tabela do imposto de renda de pessoas físicas, sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (28), em cerimônia no Palácio do Planalto, o governo federal editou uma medida provisória para taxar rendimentos de fundos exclusivos, dos chamados “super-ricos”, e um projeto de lei para tributar empresas offshores (abertas no exterior). As duas propostas ainda precisam do aval do Congresso Nacional conforme antecipado pelo Blog do Zé Dudu (confira).

O custo para aumentar o salário mínimo para R$ 1.302,00 em 2023, será de R$ 36 bilhões. Com a alta de R$ 18,00 no salário a partir de maio, a despesa adicional estimada é de R$ 60 bilhões à União.

O salário mínimo impacta os gastos públicos porque representa o piso dos benefícios previdenciários, como as aposentadorias, pensões e auxílios.

A conta do reajuste na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para quem ganha até dois salários mínimos, terá impacto fiscal da ordem de R$ 108 bilhões este ano, segundo cálculos da Unafisco Nacional. Se aplicado nos 12 meses, chegaria a R$ 130 bilhões.

Somando-se os R$ 60 bilhões de aumento do mínimo, aos R$ 130 bilhões do reajuste na tabela do (IRPF), totalizam R$ 190 bilhões. Na manhã desta terça-feira (29/8), vários artigos publicados no Caderno de Economia dos principais jornais, especialistas preveem grande dificuldade do governo para cumprir a meta do déficit zero prometido pelo governo na promulgação do Arcabouço Fiscal. Outra pressão é que o governo tem de enviar ao Congresso Nacional, até o dia 31 de agosto, na quinta-feira, o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2024.

Resumindo, a conta não fecha e o orçamento do ano que vem, será uma peça hipotética, sem realidade e que colocará o governo em situação delicada. Estará em jogo a credibilidade, e o peso disso para os agentes financeiros é muito relevante.

Compensações

As duas medidas anunciadas na cerimônia da segunda-feira foram tomadas para obter novas receitas e foram negociadas com lideranças da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sem o que a matéria não seria aprovada. Segundo o governo, as medidas foram adotadas para corrigir distorções na legislação.

A MP taxa Fundos exclusivos, que são investimentos milionários em aplicações como ações ou renda fixa. Já as offshores, que serão taxadas por um Projeto de Lei, são empresas abertas fora do país de residência, geralmente em paraísos fiscais, onde a tributação é reduzida ou nula, como as Ilhas Cayman. Ambos os mecanismos, podem e são usados, há décadas, pelos milionários brasileiros, para evitar pagamentos de impostos, uma das explicações para o país ter uma das maiores desigualdades de renda do mundo.

A tributação dos fundos passa a valer imediatamente, uma vez que MPs têm força de lei e devem ser aprovadas em até 120 dias no Congresso para não perder a validade.

Além de a MP dos fundos exclusivos gerar recursos para cobrir a queda de receita com as mudança no IR, o governo Lula afirma que as novas regras têm o intuito de tornar o sistema tributário mais equitativo e transparente. Segundo o Ministério da Fazenda, a MP vai “nivelar o campo de jogo entre diferentes formas de investimentos”.

Durante o evento, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que as medidas buscam adequar o sistema tributário brasileiro ao de outros países mais desenvolvidos na área.

Modernização

Haddad explicou que o Brasil ficará em linha com práticas tributárias adotadas por países vizinhos como Chile e Colômbia, e as nações que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “Muitas vezes eu vejo na imprensa isso ser tratado como ação Robin Hood, revanche, e não é nada disso. O que estamos levando à consideração do Congresso, com muita consideração e respeito, é aproximar nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo”, afirmou.

Antes da MP, os fundos exclusivos tinham vantagens em relação a outros investimentos. O principal exemplo é que a tributação era feita apenas no resgate, enquanto os fundos em geral têm seu rendimento tributado duas vezes por ano.

Outra vantagem do investidor do fundo exclusivo era a de conseguir sacar os recursos sem que a ação fosse classificada como resgate (em caso de necessidade dos recursos aplicados, é possível fazer apenas uma amortização). Isso abre a possibilidade de driblar a tributação de forma contínua. O ministro da Fazenda disse que existem apenas, 12 mil cotistas desses fundos, geralmente abertos por famílias muito ricas e restritas aos seus membros.

Como ficou

A MP, agora, prevê uma taxação de 15% a 20% sobre os rendimentos desses fundos duas vezes ao ano — cobrança conhecida no mercado financeiro como “come-cotas”.

A alíquota de 15% será aplicada independentemente da classificação do fundo e da composição da carteira, exceto para fundos de curto prazo, cujos títulos vencem em até 60 dias. Nesses casos, a alíquota será de 20%. Essas são as mesmas regras dos fundos abertos.

Além da taxação dos rendimentos, a MP determina que o IR será cobrado no momento do resgate ou venda das cotas que o investidor tem no fundo.

A taxação também ocorrerá quando for feita a amortização (nesse caso, transferência de patrimônio do fundo para o cotista) ou distribuição de rendimentos caso esses eventos ocorram antes da incidência da tributação periódica. Nesse caso, uma alíquota complementar será aplicada variando de 15% a 22,5% de acordo com o prazo da aplicação.

Segundo o governo, a MP tem potencial de arrecadar R$ 3,21 bilhões em 2023 e vai cobrir a maior isenção no IR após a tentativa anterior de compensação, voltada a offshores, ter sofrido resistência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Em 2024, a MP dos fundos tem previsão de chegar a R$ 13,28 bilhões em receitas. A expectativa é arrecadar outros R$ 3,51 bilhões em 2025 e R$ 3,86 bilhões em 2026.

A medida foi assinada com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), de Haddad, do ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) e líderes do Congresso Nacional.

Também compareceu o próprio Lira, com quem o governo vem negociando uma reforma ministerial e com quem houve o ruído justamente a respeito das offshores, uma vez que vários congressistas milionários têm esse tipo de empresa em paraísos fiscais.

PL das Offshores e dos Trusts

O PL que trata da tributação anual de rendimentos de capital de residentes no Brasil aplicados no exterior, o que inclui offshores e as chamadas trusts — estruturas criadas para gestão de patrimônio —, serão submetidas à taxação de alíquotas progressivas que vão variar de 0% a 22,5%. O texto é similar ao que estava na MP que ampliou a isenção na tabela do IR, mas agora foi transformado em projeto de lei, em razão de resistência no Congresso.

De acordo com o governo, cerca de R$ 1 trilhão (equivalente a cerca de US$ 200 bilhões de dólares) em ativos pertencentes a pessoas físicas está posicionado no exterior.

O projeto foi enviado com urgência constitucional para a Câmara e tem potencial para arrecadar R$ 7,05 bilhões em 2024, R$ 6,75 bilhões em 2025 e R$ 7,13 bilhões em 2026, de acordo com cálculos da equipe econômica.

O texto propõe criar um regime uniforme e mais simples, defende o Ministério da Fazenda. As aplicações financeiras efetuadas no exterior estarão sujeitas a uma única tabela e terão alíquotas progressivas conforme o rendimento.A pessoa física com rendimento no exterior de até R$ 6.000 por ano pode ter alíquota zerada. Essa pode ser a situação das pessoas que têm contas bancárias estrangeiras para arcar com pequenas despesas, como em viagens internacionais ou estudantes residentes no exterior.

Já o rendimento acima de R$ 6.000 até R$ 50 mil por ano ficará sujeito à tributação pela alíquota anual de 15%. Renda superior a R$ 50 mil terá alíquota de 22,5% (sendo essa a alíquota máxima de aplicações financeiras de curto prazo no Brasil).

A nova regra vale para resultados apurados a partir de 1º de janeiro de 2024. Até 31 de dezembro de 2023, os valores serão tributados somente no momento da efetiva disponibilização do rendimento para a pessoa física.

Nesse caso, os contribuintes terão a opção de atualizar seus bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31 de dezembro de 2023, tributando a diferença para o custo de aquisição pela alíquota definitiva de 10%.

O texto também introduz o conceito de tributação das trusts, algo que não era tratado anteriormente na legislação brasileira. Essa modalidade é uma relação jurídica em que o dono do patrimônio passa os seus bens para uma terceira pessoa administrar.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sinalizou que os percentuais a serem cobrados das offshores devem mudar durante a tramitação da proposta no Congresso Nacional. “O projeto vai [para os parlamentares] e lá a gente negocia as alíquotas”, adiantou.

A tributação das offshores já enfrentou grande resistência na Câmara. O governo tentou inclui-la na MP que tratava do reajuste do salário mínimo, mas a iniciativa sofreu revés e deputados ameaçaram não votar a pauta do mínimo — de grande interesse do governo, pois se tratava de uma das principais promessas de campanha do então candidato Lula em 2022.

Por isso houve recuo e o tema foi retomado em um projeto de lei com urgência constitucional (trancando a pauta da Casa em 45 dias), enviado agora pelo Executivo.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.